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Da árvore para os rizomas: reestruturando cartografias na construção de saberes

3. Novas perspectivas para repensar a educação: viabilizando rizomas, mapeando trajetos

3.1 Pensando a aprendizagem em um cenário complexo

3.1.1 Da árvore para os rizomas: reestruturando cartografias na construção de saberes

Sempre existiram metáforas para tratar ou representar o conhecimento. A metáfora da árvore, aplicada a vida e ao conhecimento, é uma dessas. Segundo ela, “o conhecimento é como uma árvore que desenvolveu seu grosso tronco com o passar dos séculos. Nessa árvore

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do conhecimento brotaram e cresceram os galhos das especializações, isto é, as unidades que dependem do tronco para sua sobrevivência. (Assmann, 1998: 79). Esta metáfora do conhecimento arborizado, de tronco sólido, de onde brotavam ramificações de pequenos interesses, não é mais uma representação adequada para o conhecimento, pois este é encarado na sua descontinuidade.

Esta é uma visão que nos inspira Deleuze e Guattari (1995). Para os autores o pensamento implica processos descontínuos que fogem às certezas das determinações. Ele não se forma no cérebro a partir de ramificações de conteúdo, como algo que se origina de uma fonte primordial, uma vez que o sistema orgânico funcional do pensamento não é linear, nem contíguo, assim, não há um ponto de partida:

O pensamento não é arborescente e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada. O que se chama equivocadamente de “dendritos” não assegura uma conexão dos neurônios num tecido contínuo. A descontinuidade das células, o papel dos axônios, o funcionamento das sinapses, a existência de microfendas sinápticas, o salto de cada mensagem por cima destas fendas fazem do cérebro uma multiplicidade que, no seu plano de consistência ou em sua articulação, banha todo um sistema, probalístico incerto, un certain nervous system. Muitas pessoas têm uma árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva do que uma árvore. (Deleuze e Guattari, 1995: 24).

O aprender para os autores acima, é o movimento que abrange o intervalo entre o não- saber e o saber. Aprender é conduzir a si próprio para a solução de um problema:

Aprender é o nome que convém aos atos subjetivos operados em face da objetidade do problema (Ideia), ao passo que saber designa apenas a generalidade do conceito ou a calma posse de uma regra das soluções. Um célebre experimento em Psicologia coloca em cena um macaco ao qual se propõe que encontre seu alimento em caixas de determinada cor entre outras de cores diversas; advém um período paradoxal em que o número de “erros” diminui, sem que, todavia, o macaco possua o “saber” ou a “verdade” de uma solução para cada caso. Feliz é o momento em que o macaco-filósofo se abre à verdade e produz o verdadeiro, mas somente na medida em que ele começa a penetrar na espessura colorida de um problema. Vê-se, aqui, como a descontinuidade das respostas se engendra sobre fundo de continuidade de uma aprendizagem ideal e como o verdadeiro e o falso se distribuem conforme o que se compreende do problema, como a verdade final, quando obtida, surge como o limite do problema inteiramente compreendido e determinado, como o produto de séries genéticas que constituem o sentido ou como o resultado de uma gênese que não se passa apenas na cabeça de um macaco. Aprender é penetrar no universal das relações que constituem a Ideia e nas singularidades que lhes correspondem. (Deleuze, s.d: 160).

O aprender, assim, não se fundamenta em um processo de transmissão de informações, mas está atrelado as relações que se estabelecem nesse processo. Nesse sentido o contexto e o ambiente são componentes fundamentais de qualquer processo de aquisição do conhecimento.

Assim, em substituição a hierarquia da árvore, preferimos pensar o aprender e o conhecer a partir da pluralidade do rizoma. Dizem os autores: “a árvore ou a raiz inspiram uma triste imagem do pensamento que não pára de imitar o múltiplo a partir de uma unidade

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superior, de centro ou de segmento”. (Deleuze e Guattari, 1995: 26). Os sistemas arbóreos são, assim, hierárquicos. Eles comportam centros de significância e de subjetivação, autômatos centrais como memórias organizadas. “Acontece que os modelos correspondentes são tais que um elemento só recebe suas informações de uma unidade superior a uma atribuição subjetiva de ligações preestabelecidas. (Deleuze e Guattari, 1995: 26).

Diferentemente, o rizoma é uma proposta de construção do pensamento onde os conceitos não estão hierarquizados e também não partem de um ponto central, de poder ou de referência aos quais os outros conceitos devem se remeter. O rizoma funciona através de encontros e agenciamentos, de uma verdadeira cartografia das multiplicidades. O rizoma é a cartografia, o mapa das multiplicidades. Enquanto o modelo da árvore-raiz é decalque, reprodução ao infinito, o rizoma-canal é mapa, “voltado para uma experimentação ancorada no real”, aberto, desmontável, reversível, sujeito modificações permanentes, sempre com múltiplas entradas, ao contrário do decalque, que volta sempre ao mesmo. (Deleuze e Guattari, 1995).

As principais características do rizoma são:

Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços da mesma natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não signos. O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno e nem ao múltiplo. [...]. Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. (Deleuze e Guattari, 1995: 32).

O conceito de rizoma aparece com uma nova rota para compreensão dos movimentos do homem, ou melhor, dos seres vivos, no mundo. Ao defenderem este conceito, eles inserem neste universo todos os seres vivos do mundo, seja ele ser humano, animal ou vegetal:

Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos, são rizomas. Plantas com raiz ou radícula podem ser rizomórficas num outro sentido inteiramente diferente: é uma questão de saber se a botânica, em sua especificidade, não seria inteiramente rizomórfica. Até animais o são, sob sua forma matilha; ratos são rizomas. As tocas o são, com todas suas funções de hábitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura. O rizoma nele mesmo tem formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos. (Guattari e Deleuze, 1995: 14).

O rizoma, assim, é uma metáfora que pode ser pensada para representar a estrutura do conhecimento. Ele tem princípios que podem ser colocados da seguinte forma: Princípios de conexão e de heterogeneidade – qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro; pensar em algo é estabelecer relações com muitos elementos em diversos aspectos; tudo se relaciona com tudo. Princípio de multiplicidade – o rizoma mantém relação com o

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múltiplo, ou seja, diferente da metáfora arborecente, em que tudo parte de um ponto de vista, o rizoma parte de diversos pontos, assimilando e legitimando outros pontos de vista; não existe verdade única, “as multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades arborescentes. Inexistência, pois, de unidade que sirva de pivô no objeto ou que se divida no sujeito”. (Guattari e Deleuze, 1995: 15).

Identificamos ainda o Princípio de ruptura a-significante – os processos de significação não são rígidos, mas flexíveis, podem ser rompidos e ressignificados. “Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. É impossível exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir”. (Guattari e Deleuze, 1995: 17). O Princípio de cartografia e de decalcomania – “um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genético ou de estrutura profunda”. (Guilles e Deleuze, 1995: 20); eles são esboços incompletos, são como mapas que apesar da orientação que carregam, precisam ser ressignificados, discutidos, interpretados, “o mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente”. (Guilles e Deleuze, 1995: 21).

Apesar de criticar a perspectiva arbórea, os autores afirmam que existe uma relação entre os dois modelos, que um transpassa o outro, modificando mutuamente a sua natureza. Isso significa dizer que, mesmo no rizoma, podem existir segmentos que vão endurecer e tornar-se árvore, ao mesmo tempo em que na árvore pode se dar a constituição de um rizoma. Os autores vão afirmar, por exemplo, que as sociedades primitivas possuem núcleos de dureza, de arborificação, que tanto antecipam o Estado quanto o conjuram. Inversamente, nossas sociedades possuem uma flexibilidade sem a qual os segmentos duros não vingariam. (Deleuze e Guattari, 1996).

A perspectiva rizomática nos coloca diante de um processo que requer, sobretudo, a compreensão de que existem diversas formas de conhecimento, e que elas dialogam entre si dentro de contextos históricos e sociais. Desse modo, a aprendizagem não pode ser considerada apenas na sua matriz educacional, mas para além dos ambientes educativos, onde qualquer lugar pode se converter em lugar de aprender a aprender. Os conteúdos abordados criam conexões múltiplas com elementos de outros campos do saber num processo contínuo. O conceito de rizoma surge, assim, em oposição à forma segmentada de se conceber a realidade, bem como ao modo positivista de se construir conhecimento.

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Colocar em questão a linearidade histórica do aprender e do conhecer possibilita o emergir de rupturas de diversas forças: sociais, culturais, econômicas, educativas gerando uma imprevisibilidade, uma aparente falta de controle. Estas questões, porém, apontam grandes desafios para os sistemas educacionais e para as próprias práticas dos professores e alunos nas suas dinâmicas de aprendizagem. É preciso compreender que a disseminação e a popularização das novas tecnologias da informação e da comunicação veem permitindo ultrapassar um modelo que privilegia a transmissão de conhecimentos e sua suposta assimilação para um modelo pedagógico cujo funcionamento se baseia na aprendizagem complexa, cooperativa, colaborativa, na abertura aos contextos sociais e culturais, valorizando a diversidade dos alunos, dos seus conhecimentos, experimentações e interesses.