• Nenhum resultado encontrado

2. GUERRA FRIA E CONSOLIDAÇÃO DO ANTICOMUNISMO

2.4. Segurança Nacional Mexicana

2.4.2. A Dirección Federal de Seguridad por dentro

No que diz respeito à segurança interna, a DFS foi rapidamente transformada numa polícia política com capacidade persecutória e firmemente anticomunista. Até pouco antes do movimento estudantil de 1968, a DFS se dedicava unicamente à localização da dissidência e infiltração de organizações políticas independentes ou de dentro do próprio movimento estudantil. Depois de 1968, funcionava também como um braço armado do poder Executivo “utilizando não a lei, mas sim a tortura, a delação, a extorsão, e até o assassinato” (SIERRA, 2003, p. 102).

Os agentes recrutados se constituíram numa elite, as ordens provinham diretamente do presidente, ou do secretário da SEGOB. No sistema de tipo presidencialista, como o mexicano, era preciso ter gente de confiança cuidando da segurança nacional. Sendo assim, o método de recrutamento geralmente respondia à lógica do que na cultura política mexicana se conhece como “amiguismo”. Isto é, pessoas recomendadas por gente de confiança do presidente e que eram diretamente entrevistados por ele (AGUAYO, 2014a).

No vídeo intitulado Así es la Dirección Federal de Seguridad, realizado em 1981, antes do colapso da instituição, descreve-se o funcionamento do recrutamento. De fato, o vídeo gira em torno de um suposto cidadão que se dirige ao escritório da DFS no intuito de ingressar como agente. Segundo a narração que acompanha a história, a seção de recrutamento estaria dedicada a localizar os candidatos “em áreas universitárias, com estudos acima do ensino médio e, depois de investigar sua qualidade moral, são propostos ao superior, para o seu ingresso”.

O procedimento se centra nas avaliações psicológicas que comprovem a capacidade intelectual do candidato, assim como a elaboração de respostas estando ciente dos perigos e responsabilidades inerentes a esse tipo de trabalho. Uma vez concluída a parte psicológica, procedia-se à elaboração de um exame físico. Se os resultados fossem a contento, poderia ser assinado um “ato secreto”, que era o compromisso de entregar a vida, se necessário para o

bem-estar nacional: “aqui começa uma etapa de conscientização e de contato com a mística da DFS”.

O símbolo da instituição era o tigre:

O tigre é um animal poderoso que não foge ao perigo, ataca de frente, prefere atuar em silêncio e observa o que outros seres não conseguem enxergar; é intuitivo e inteligente, rápido e seguro, cauto e astuto; não é arrogante como o leão, nem fere por prazer como o leopardo; assim deve ser o agente da DFS94.

Existia a fama de uma suposta proximidade desses agentes com os mais altos círculos de poder, manipulavam informações fundamentais para a segurança nacional, e, comparativamente, tinham um salário melhor do que as corporações policiais. Policiais e civis que foram integrados à DFS recebiam, além disso, um grau militar procedente do Estado Maior Presidencial, com o objetivo de engrossar o salário. Contavam, também, com a liberdade para desenvolver outro tipo de trabalho, sem especificar qual, o que deixou abertura para um sem-fim de abusos de autoridade e corrupção (AGUAYO, 2014a). Contudo, o regulamento interno funcionava a partir de duas obrigações básicas: “o dever e a disciplina, atributos que os agentes devem ter e que irão espelhar mediante a obediência e a subordinação”95.

A DFS contava com diversas áreas, como a Seção de Depósito e Armamento, e como a Seção de Veículos, onde se destacava um “caminhão acondicionado como laboratório para exames de criminalística e dois ônibus adaptados especialmente para deslocar 20 elementos em cada um”. A instituição também dispunha de dois aviões para movimentos rápidos, cuja manutenção dependia do Departamento de Servicios Generales. Dentro das instalações também existia uma “loja de autoserviço para os agentes, cabelereiro e até um banco para o pessoal que requeresse algum empréstimo em efetivo” (TORRES, 2005, p. 21-22).

Com relação à informação gerada pelos agentes, o vídeo que referimos mostra o processo operativo de elaboração, processamento e arquivo dos informes. Existe, portanto, um grupo de redatores, transcritores e mecanógrafos que resumem a informação para incluí-la num documento chamado “Panorama geral da República”. Este departamento de

94Así es la Dirección Federal de Seguridad, Dir.: Alfonso Cabrera Morales, 52 min. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=USr-CFgmRtc [último acesso em: 30-05-16]. O filme, com características de propaganda, realizou-se para uso exclusivo do presidente José López Portillo. Dirigido por Alfonso Cabrera Morales (subdiretor operativo da DFS), os cinegrafistas foram o chefe e subchefe da Secção Audiovisual da instituição, sendo editor o agente Alberto Flores Parra, e o narrador, Pedro García Bello (Chefe do Departamento de Informação Foranea) (TORRES, 2005, p. 21).

processamento de informação “tem como principal função a de corrigir os possíveis erros ou omissões dos informes que emite a DFS”96.

Mas, quais eram os temas de interesse da segurança nacional? Como se produzia a informação? No documento intitulado “Instrutivo de informação” elaborado pela DFS encontramos os critérios que deviam ser considerados pelos funcionários e agentes da Direção para a recopilação de informação. Segundo o manual, a informação é uma descrição e numeração detalhada de tudo relacionado a um fenômeno ou acontecimento “fortuito ou premeditado”, elaborada de maneira consciente, sistemática e estruturada. A informação devia dividir-se segundo sua periodicidade (constante, intermitente ou esporádica); por seu conteúdo (política, econômica, social, camponesa, estudantil, operária, confidencial, internacional); por sua forma (verbal, escrita, televisada); por suas fontes (jornalística, bibliográfica).

Para a realização plena desse tipo de trabalho, o instrutivo assinala que é “necessário que o informante tenha critério e sentido comum”. Além disso, tem que ser objetivo nas suas apreciações e “não se deixar levar pelos sentimentos”. Os informes deviam ser escritos com a linguagem “normalmente usada por pessoas de certa cultura. Evitando usar palavras grandiloquentes ou em desuso”. As informações recolhidas tinham que ser detalhadas: “Dados gerais (dia, hora, lugar e quem organizou, presidiu ou encabeçou); Quem deu por iniciado o ato ou incidente; Pormenores do ato ou incidente; Aspectos interessantes do ato ou incidente; Fechamento do informe”. Estes informes se dividem, por sua vez, em quatro partes:

a) Setor: Os setores que até o momento se utilizam aqui são: uma combinação de conteúdo e de fonte, a saber:

- Político - Camponês - Popular - Internacional - Laboral - Especial

b) Localidade: É o lugar onde se gera a informação, geralmente é uma localização geográfica: México, DF; Culiacán, Sinaloa; Paris, França. c) Assunto: É uma condensação do fenômeno, acontecimento ou incidente,

assinalando alguma ou algumas características mais importantes da informação que se vai passar.

d) Corpo do informe: O conteúdo do informe terá que fazer uma descrição LÓGICA, DETALHADA E CONCRETA do sucedido. Podendo se fazer de duas formas:

- Do geral ao particular. - Do particular ao geral.

Os atos enfocados pelos agentes da DFS eram: “reuniões, comícios, passeatas, manifestações, paradas, greves, assembleias, conclaves, congressos, seminários, mesas redondas, concentrações”. Por outro lado, o incidente, concebido como um “fenômeno ou acontecimento que não é previsível” e que, por seu caráter fortuito ou acidental deve ser melhor descrito, podendo ser “catástrofes, meteoritos, incêndios, roubos, assaltos, atentados, sabotagem, terrorismo, acidente”.

O manual considera que grande parte dos atos ou incidentes são cometidos por organizações. Isto é, por um “agrupamento de pessoas com uma ideologia, características comuns e um ou vários objetivos gerais comuns, que possuem uma estrutura definida e um conjunto de objetivos pré-estabelecidos”. As características comuns podem ser econômicas, sociais, laborais, políticas, ou ainda, uma mescla de todas as anteriores. Os objetivos comuns poderiam ser:

1. Toma de poder.

2. Controle de: a organização, de pessoas ou grupo de pessoas de outras organizações.

3. Manutenção ou exercício do poder. 4. Conservação do poder.

5. Reunião de: fundos econômicos, dados estatísticos, dados científicos ou técnicos.

6. Exercício ou manutenção do poder legal: aplicação e administração de leis e/ou regulamentos, estatutos ou mandamentos, etc.

A partir de tais objetivos, o instrutivo sugere que os partidos, movimentos, coligações, sindicatos, uniões, frentes, comitês, células, coletivos e o próprio governo, podem ser considerados como organizações.

Ponderando sobre o anterior, o instrutivo contém um “Prontuário para a obtenção de dados elementares de informação”:

1) Assembleias, Comícios, Convenções, Congressos, Mesas redondas. 1.1. Presidência. Nome e cargo de cada pessoa.

1.2. Lugar e local de realização.

1.3. Horário. Início e final, assinalando a hora em que ocorram incidentes.

1.4. Assistência. No caso de assembleia, apontar se há registro de quórum legal, com base nos seus estatutos.

1.5. Oradores. Nome, cargo e conteúdo da sua intervenção. Se o orador está presidindo, somente apontar seus dois sobrenomes.

1.6. Resolutivos.

1.7. Faixas, cartazes, seus textos.

1.8. Estar pendente se depois do ato se efetua alguma entrevista para algum jornal, ou se é efetuada alguma reunião em algum restaurante ou alguma manifestação.

2) Comícios, Manifestações. 2.1. Hora de início.

2.2. Local de desenvolvimento ou ponto de partida. 2.3. Dirigentes do evento e seus cargos.

2.4. Composição dos contingentes, apontando o número aproximado de participantes e organização a que pertencem e no caso de participar menores de idade, apontar porcentagem.

2.5. Incidentes ou exclamações durante o evento.

2.6. Término do ato. Neste caso, onde termina a manifestação. 2.7. Presença de elementos policiais ou militares.

3) Projeção de filmes subversivos ou proibidos. 3.1. Lugar ou sala cinematográfica. 3.2. Custo do ingresso.

3.3. Assistência.

3.4. Tema e título do filme, comentando conteúdo. 3.5. Tempo de duração.

Finalmente, o instrutivo indica igualmente um “Prontuário para a obtenção de antecedentes pessoais”:

1. Nome completo. 2. Ideologia.

3. Domicílio atual. Escritório, se o tem. Telefone Part. [particular]. E do escritório. Se é funcionário, seu escritório e Telefone oficial.

4. Local e data de nascimento.

5. Estado civil. Nome do(a) cônjuge. Filhos e seus nomes e idades. 6. Atividade atual e renda.

7. Estudos. Ensino básico, escola, nome e período. Ensino médio, escola (pública ou particular) nome e período. Preparatória, Normal ou Vocacional. Profissional. Data de exame profissional, e título da tese [trabalho de conclusão do curso]. Obtenção de título em tal data assinado por tal reitor.

Observações: Se durante a época de estudante foi líder estudantil e conduta observada. Algum outro curso de alguma especialização no país ou no estrangeiro. Escola, período, e se obteve diploma.

8. Nexos políticos. É amigo de tal ou qual funcionário e desde que tempo. 9. Propriedades, suas características e avalista.

10. Antecedentes penais, se os têm, data, expediente e motivo.

11. Comprovante eleitoral, número, filiação ou credencial de Partido (x) e seu Número. Cartilha do Serviço Militar Nacional, e Carteira de Habilitação.

12. Se elaborou ou escreveu algum livro, seu título e tiragem, e se colabora em alguma coluna jornalística ou revista.

13. A que partido pertence, tempo de militância e cargo desempenhado... assim como a eficácia. Cargo de eleição popular, período, e se foi positiva ou negativa sua função, e o apoio de quem ou daqueles que foi97.

97 “Instructivo de información; Prontuario para la consecución de datos elementales de información; Prontuario para la obtención de antecedentes personales”, 1980, AGN, IPS, Caixa 3038 A, Exp. 2, folhas 1-11.

Com base nesses tópicos, o arquivo da DFS concentrava a informação política, econômica, social, terrorista, subversiva e de atividades clandestinas, desde 194798. Informação procedente das investigações realizadas por agentes infiltrados nas áreas sujeitas a conflitos, que em muitos casos tinham orientação para fotografar, filmar e gravar áudios (TORRES, 2005, p. 22). É assim que sabemos da existência de um departamento de informação audiovisual. Contudo, nenhum tipo de material com essas características, à exceção das fotografias, pode ser consultado atualmente.

Noutro manual localizado no AGN, intitulado “Análise do procedimento atual para o controle e processamento de informação”, é indicado que, além do arquivo, a DFS está dividida em duas grandes seções que contam com seus respectivos agentes com características particulares. Uma delas, destinada à informação proveniente da área metropolitana, é conformada por quatro grupos de inspetores: os dois primeiros, “encarregam-se de realizar todas as investigações em geral (laboral, política, econômica, agrária, magisterial e religiosa)”; o terceiro grupo se dedica exclusivamente à área estudantil, isto é, à análise da “problemática vigente no DF [Distrito Federal] e em todas as entidades educativas”; por último, o quarto grupo, denominado “Vale do México”, cobrindo as informações gerais desenvolvidas na área metropolitana do Estado de México. A outra seção estava destinada à investigação da área estadual. Esta mantinha informado diretamente o “subdiretor de investigações, tendo também contato [...] com o grupo de estudos especiais”. Sendo que este segundo grupo se encontra “melhor preparado”. Em ocasiões, “existe a necessidade de reforçar as áreas estaduais de investigação”99.

Possivelmente, esse grupo de estudos especiais, de acordo com o vídeo referido, conformaria o grupo de atividades de contrainteligência. Esse vídeo menciona como justificativa da existência de tal grupo, o fato de que,

os asilados políticos em diferentes nações [vão] utilizar o território alheio como plataforma para realizar atos de tipo militar contra os governos de seus países de origem e, em ocasiões, fica comprovado que no México realizam atividades delituosas para conseguir os fundos necessários para continuar com seus movimentos100.

A segurança nacional, sob estas características e práticas, continuou nas mãos da DFS.

98Así es la Dirección Federal de Seguridad, Dir.: Alfonso Cabrera Morales, 52 min.

99 “Análisis del procedimiento actual para el control y procesamiento de la información”, 1980, AGN, IPS, Caixa 3038 A, Exp. 2, folhas 1-6.

Até que, entre 1980 e 1982, o então secretário da SEDENA, o general Félix Galván Díaz, cria um adendo. A segurança nacional deve ser entendida como a manutenção do equilíbrio social, econômico e político, o que deve ser garantido pelas forças armadas (AGUAYO, 1990, p. 116; PELLICER, 1981). Poderíamos explicar essa mudança durante o sexênio compreendido entre 1976 e 1982, especialmente a partir do descobrimento de lençóis petrolíferos no Golfo do México. A segurança era necessária para a defesa das instalações petroleiras diante dos possíveis interesses estrangeiros, considerando, também, as possibilidades de sofrer efeitos colaterais das guerras civis que assolavam a América Central.