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2. GUERRA FRIA E CONSOLIDAÇÃO DO ANTICOMUNISMO

2.3. A Doutrina de Segurança Nacional

Os EUA iniciaram um processo de treinamento de exércitos e corpos policiais com o objetivo de que funcionassem efetivamente como os guardiões da segurança continental, sem ter que deslocar soldados estadunidenses. As novas metodologias militares foram espalhadas especialmente para os exércitos latino-americanos, em grande parte pela United States Social

Warfare Center and School (localizada em Fort Bragg, North Carolina) e pela United States Army School of the Americas (em Fort Gulick, Panamá). O objetivo fundamental continuava

sendo a luta contra o comunismo. Isto é, a preparação para uma agressão que viria do exterior, utilizando os recursos internos. Foi elaborado um corpo doutrinário que sistematizava as questões de segurança e política externa elaboradas pelos assessores das sucessivas administrações norte-americanas (desde Truman). O conceito “segurança” foi elevado como valor central da organização social (CORLAZZOLI, 1987, p. 22).

Conhecidos como National Security Affairs nos EUA, na América Latina adquiriram o nome de Doutrina de Segurança Nacional (DSN). São reconhecidos como regimes de segurança nacional, especificamente, os desenvolvidos no Cone Sul: Brasil (1964-1985), Argentina (1976-1983), Chile (1973-1989), Uruguai (1973-1985), e Paraguai. Neste último caso, a ditadura é mais longeva, porém, considera-se que dá uma guinada para a DSN entre a década de setenta e oitenta (SERRA, 2005, p. 16).

Conceitualmente, “uma nação está segura quando seu governo tem o poder suficiente e a capacidade militar para impedir o ataque de outros estados contra seus legítimos interesses e, no caso de ser atacada, para defendê-los por meio da guerra” (ROCKWELL; MOSS, 1990, p. 44). Sob esta definição tradicional, o Estado mantém o papel de garantidor da segurança da coletividade, ou seja, da nação. Portanto, o conceito supõe que o propósito do Estado é a proteção dos interesses nacionais.

norte-americana por meio das assessorias militares adquiriram especificidades dependendo de cada país. Como afirma Joseph Comblin, embora as corporações militares tenham a bandeira do nacionalismo, procederam à deslegitimação dos fatores internos de oposição e descontentamento. Isto ao combaterem o comunismo, que foi considerado uma ideologia evidentemente exótica. Aparentando, assim, que “nesses regimes, a sociedade escapa ao controle do homem” (COMBLIN, 1978, p. 16). Consequentemente, a segurança continental (proclamada um tempo atrás como uma necessidade pelos EUA) foi traduzida como Segurança Nacional. O chamado “inimigo interno” na realidade circulava por uma região mais ampla. Por isso os programas de cooperação internacional para o combate à subversão, como a famosa Operação Condor, seriam considerados legítimos.

A geopolítica, também, é considerada como a guia científica do projeto nacional e como fundamento racional de um projeto político. É definida como a “relação entre a geografia e os Estados, sua história, seu destino, suas rivalidades, suas lutas” (COMBLIN, 1978, p. 24). Estes elementos são os que dão conteúdo empírico à construção dos interesses nacionais. A geopolítica, claro, é uma ciência anterior à Guerra Fria, existindo países que contavam com um vasto desenvolvimento no campo. Porém, a reviravolta da década de setenta permitiu que as geopolíticas dos países latino-americanos se integrassem num bloco anticomunista. Isto é, assumiu-se a leitura da realidade dicotômica como parte dos projetos nacionais.

Outro conceito chave para a DSN é a Guerra Total. Seguindo a lógica bipolar da Guerra Fria, os conflitos políticos internos tornaram-se assuntos internacionais, pois são alimentados desde o exterior. A guerra é considerada total, porque expressa um conflito “em que os recursos políticos, militares, econômicos e psicológicos estão plenamente comprometidos e onde a sobrevivência de um dos beligerantes está em perigo” (NINA, 1979, p. 34). O objetivo, então, é o aniquilamento do outro.

Agora, em questões da ordem interna, a Nação é definida como “única vontade, um único projeto”, e se expressa através do Estado. O Estado, então, é a personificação da Nação. Tem a capacidade para se impor sobre outros projetos que disputam o poder, pois é o executor das aspirações nacionais (integridade territorial e nacional, democracia, progresso, paz social, soberania) (COMBLIN, 1978, p. 50). É interessante observar que entre o Estado e a Nação não existem fronteiras conceituais. O Estado é concebido fundamentalmente como o “centro e a soma do poder, não correspondendo, os esquemas de divisão do poder, mais que num sentido funcional” (CORLAZZOLI, 1987, p. 45).

luta de classes, pois as contradições geradas pelos interesses particulares chocam com a ideia de unidade nacional. O indivíduo perde sentido e unicamente vê realizadas suas aspirações sempre que se considere, e seja considerado, como membro da comunidade nacional (SERRA, 2005, p. 144). Os partidos políticos, por exemplo, são estimados como a aspiração de grupos particulares, e, portanto, sua existência é contrária à Nação. Daí que seja necessário combatê-los, uma vez que não pode ser tolerada qualquer expressão de oposição organizada. São mobilizados os recursos totais para alcançar os objetivos nacionais (aspirações gerais que contemplem a Nação na sua totalidade) considerando sempre a possibilidade de avanço do inimigo.

Para a salvaguarda dos objetivos nacionais, é necessária a construção de uma política de Segurança Nacional que esteja orientada ao estabelecimento de linhas de ação para a manutenção da ordem. Esta política se expressa, no âmbito interno, pela diligência no funcionamento das instituições; e no externo, pelas relações internacionais. Também contempla as atividades econômicas e financeiras, cujo foco é o desenvolvimento, este entendido como o crescimento continuo da capacidade do poder nacional. Para a consecução do desenvolvimento, a política de Segurança Nacional deve focar-se, também, nos fatores psicossociais, ou seja, nos fatores morais e psicológicos da população, assim como no controle da educação, do sistema de saúde, das relações laborais, da assistência e previdência social. Por último, comporta uma renovada política militar que recolhe tanto as inovações doutrinais, como o novo papel político de sujeito da mudança social (CORLAZZOLI, 1987).

Portanto, a elaboração de estratégias para a solução de contradições internas e externas está determinada por uma visão militarista dos aspectos econômicos, políticos e sociais. A DSN militariza a vida cotidiana (COMBLIN, 1978, p. 63). Pois, teoricamente, diante de uma guerra total, unicamente pode-se responder com a segurança total: “uma segurança que neutralize todas as vulnerabilidades a fim de enfrentar com êxito todas as ameaças provenientes de todo tipo de antagonismos reais ou potenciais do presente ou do futuro” (CORLAZZOLI, 1987, p. 41).

Assim, perante um governo supostamente manipulado pela ação comunista, a defesa dos objetivos nacionais, da democracia e das instituições livres, somente caberia à corporação militar (atendendo às características esboçadas pelo Informe Rockefeller). Ainda que os militares sejam considerados pela DSN como sujeitos de transformação democrática, seus guardiões por excelência, convêm sublinhar que, na teoria, os regimes de Segurança Nacional se caracterizam pela pretensão de ser transitórios. É preciso uma elite militar governando para restabelecer a normalidade democrática, consolidando instituições que seriam provisórias.

Teriam de ser governos de exceção. Paradoxalmente, grande parte deles se estenderam por até vinte anos.