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2. GUERRA FRIA E CONSOLIDAÇÃO DO ANTICOMUNISMO

2.1. A Doutrina Contrainsurgente

A administração Kennedy (1961-1963) trouxe inovações à política exterior estadunidense, aprofundando ainda mais a dimensão militarista e de confrontação aberta. Maxwell Taylor (assessor militar e Chefe do Estado Maior Conjunto) e Robert McNamara (Secretário da Defesa) localizaram uma “nova fronteira” da ameaça comunista: o Terceiro Mundo em geral e a América-Latina em particular.

A teoria da conflagração comunista internacional, além do mais, viu-se afetada pelo rompimento sino-soviético61. O inimigo se diversifica, já não era unicamente a URSS, como também a China, e, principalmente, Cuba do triunfo da Revolução comandada pelo jovem Fidel Castro, em 195962. Fato que significava uma fissura no escudo anticomunista hemisférico. O inimigo estava em casa.

Como mencionado anteriormente, a luta das duas grandes potências esteve focada na busca de apoio nas regiões que estavam em seus campos de influência. Ambas as potências se viram involucradas em atos de intervenção: como coadjuvantes nas conjunturas que criaram instabilidade política; colaborando na eliminação dos atores sociais e indivíduos considerados como fatores de instabilidade, apoiando regimes, destituindo outros. Mantinha-se, alimentava- se uma tensão de confronto interno, e de maneiras diversas (pressões diplomáticas, intervenção direta, financiamento, treinamento militar e ideológico, venda e distribuição de armas).

Lembremos que, desde 1947, vários países latino-americanos assinaram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), onde se projetava a possibilidade de exercer uma “intervenção militar associada” (GONZÁLEZ CASANOVA, 1988, p. 13). Sob essa doutrina de solidariedade continental, os EUA impulsionavam a ideia da luta contra o

61 No fundo da ruptura Moscou-Pequim estava o desejo de liderança do bloco socialista: os chineses iniciariam uma política externa agressiva, enquanto que os soviéticos continuavam na lógica da coexistência pacífica. Assim, Mao iniciaria uma campanha de agressões em que os soviéticos foram acusados de desvios, de revisionistas, e de trair os princípios leninistas (VEIGA; DA CAL; DUARTE, 1998; LEONHARD, 1971). 62Considerar Cuba como ameaça se radicaliza no contexto da saída deste país da OEA e do marcante

pronunciamento conhecido como a Segunda Declaração de Havana, onde o comandante em chefe anuncia a virada socialista da Revolução (CASTRO, 1962).

comunismo e em prol da “liberdade”. Em 1951 se faz conhecer a Ata de Segurança Mútua dos Estados Americanos, em que se estabelecem uma série de acordos bilaterais entre os EUA e outras nações americanas. A ata foi concebida para cobrir quatro objetivos: 1) Garantir as fontes de recursos económicos; 2) estabelecer as vias para a concessão desses recursos para os países assinantes; 3) Manter as Forças Armadas norte-americanas preparadas para a defesa de territórios estratégicos; 4) Reduzir a atuação das Forças Armadas norte-americanas na defesa desses territórios (GRIFFITHS SPIELMAN, 2011, p. 104-105). Paralelamente, é criada a

United States Army School of the Americas, ou Escola das Américas (SOA), em Fort Gulick,

na zona do Canal do Panamá.

Entretanto, o desconhecimento das condições políticas, econômicas e sociais dos territórios em conflito provocou a formulação de um “enfoque abstrato da violência política terceiro-mundista que considerava as nações como fichas de um jogo Leste-Oeste e foi incapaz de localizar os movimentos revolucionários dentro de um contexto regional” (MAECHLING, 1990, p. 37).

Com estes antecedentes, a administração Kennedy desenvolve, então, a Doutrina da Contrainsurgência (CI). Fundamentalmente, consiste em fazer frente à nova ameaça utilizando recursos militares acompanhados de recursos político-econômicos. Definida pelo Pentágono, a CI está integrada por “aquelas medidas militares, paramilitares, políticas, econômicas, psicológicas e cívicas tomadas pelo governo para vencer a insurgência subversiva” (KLARE; STANE, 1976, p. 17). O foco está colocado nas medidas aparentemente não militares, como a construção de estradas, os programas de saúde e de educação. O objetivo é a legitimação popular dos regimes, apoiados no controle dos meios de comunicação e no trabalho especializado de campanhas propagandísticas. Desse jeito, fica estabelecido que “as tarefas principais das forças armadas latino-americanas eram a segurança interna e a ação cívica (a saber, os projetos de desenvolvimento social e econômico patrocinados pelos militares)” (KLARE; STANE, 1976, p. 27). Nas suas próprias palavras, “ganhar mentes e corações”.

Os EUA, assim, iriam dispor de programas de ajuda econômica e assessoramento técnico para que os países que estavam “ameaçados pelas lutas comunistas” aplicassem reformas beneficiadoras de seus povos. É lançado o programa de ajuda hemisférica, conhecida como Aliança para o Progreso (ALPRO), em agosto de 1961. Há uma preocupação por encaminhar programas de “modernização” no Terceiro Mundo. Em 10 anos, destinou-se 20 mil milhões de dólares para que “os governos do subcontinente realizassem as indispensáveis reformas que permitiriam erradicar as causas internas que pudessem favorecer

a extensão do exemplo da Cuba revolucionária a outros países” (GONZÁLEZ GÓMEZ, 2003, p. 72)63.

Na teoria, a aplicação dos programas deveriam assegurar a criação, a longo prazo, das condições econômicas e sociais suficientes para a eliminação das causas de descontentamento social. Porém, o Departamento de Defesa inaugura, simultaneamente, os Grupos de Assessores em Assistência Militar, com a finalidade de oferecer treinamento para as forças militares contra subversivos, fomentando a formação de grupos paramilitares especializados. O objetivo pedagógico estava orientado à “profissionalização” dos exércitos através de cursos ministrados em instituições educativas do Exército dos EUA, “onde se alentava os oficiais a participar nos processos políticos de suas respectivas nações” (GONZÁLEZ GÓMEZ, 2003, p. 44). Desvia-se, dessa maneira, o interesse na defesa externa, orientando os esforços para a segurança interna.

Outro ponto fundamental na CI está relacionado ao melhoramento dos corpos policiais dos países “clientes”. Os policiais tinham um papel fundamental para a detecção da subversão, destinando-se uma verba importante para a fundação da Academia Internacional de Polícia em Georgetown, para o melhoramento da administração policial, a modernização das operações de comunicação e inteligência, o ensino de métodos modernos de controle de motins, e o estabelecimento de instituições centralizadas de comando e controle.

Este mesmo esquema contrainsurgente foi aplicado pelo governo de Lyndon B. Johnson (1963-1969) privilegiando de forma mais aberta a questão militar em detrimento dos programas econômico-sociais. Com o objetivo de prever unilateralmente o avanço soviético, no período Johnson se inicia a guerra em Vietnam constituindo-se numa espécie de laboratório desta nova tática contrainsurgente.

Entre 1969 e 1974, o duo conformado por Richard Nixon e Henry Kissinger alavanca mais modificações à política exterior no contexto do desgaste e iminente derrota das tropas estadunidenses no Vietnam, bem como com o crescente avanço dos protestos anti- imperialistas no continente americano em destaque a partir da invasão da Bahia dos Porcos (1961), em Cuba, e da República Dominicana, em 1965.

63 Mais que para contribuir ao desenvolvimento econômico, como se pregava, era uma ajuda militar, tornando- se, fundamentalmente, um apoio financeiro para a contrarrevolução e comumente utilizado.