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4. INSTITUCIONALIDADE E ORDEM INTERNA

4.2. A conspiração comunista internacional

4.2.3. Maoísmo e a guerra popular prolongada no México

4.2.3.1. O PRPM e o treinamento militar

De forma paralela a sua atividade com os camponeses morelenses, Fuentes mantinha relação com um grupo de jovens estudantes e profissionais da Cidade do México. Entre eles estavam Jesús Gómez Ibarra, a esposa dele, “Teresa”238, Raúl Ernesto Murguía Rosete, Rosalba

Robles Vessi e a advogada Judith Leal Duque. Com eles, reunia-se para estudar a história do México e, particularmente, para fazer leituras da sociedade mexicana a partir da doutrina marxista-leninista-maoísta239. Estes jovens tinham a seu favor não carregar sobre suas costas as lutas ideológicas da esquerda dos cinquenta e sessenta, “eles não tinham vivenciado a disputa sino-soviética, nenhum havia militado no PCM, nem provinha dos antigos núcleos maoístas do MM-LM, tampouco das células maoístas do espartaquismo” (CHAO BARONA, 2001, p. 101). O negócio da livraria, portanto, era um centro de recrutamento.

Durante o movimento estudantil de 1968, o engenheiro inicia um processo de seleção de estudantes nas universidades públicas. Além dos jovens citados acima, encontrava-se Antonio García de León, da Escuela Nacional de Antropología e Historia (ENA). Após a repressão do movimento e o massacre de 2 de outubro, o engenheiro junto aos estudantes elabora um programa de luta para o PRP, cujo objetivo era

expandir o Partido com a ideia de fazê-lo nacional, devendo-se buscar o aglutinamento de todos os grupos revolucionários que operavam na República para fazer e fomentar a luta armada a nível nacional e com força avassaladora, toda vez que se fizessem em forma simultânea e desde diferentes frentes, insistindo em que a linha mais conveniente para o novo sistema a estabelecer-se no país era e é a “maoísta”240.

Por volta de maio de 1969, o engenheiro Fuentes consegue que alguns militantes do PRPM – entre estudantes e camponeses – viajassem para Pequim em dois grupos. No primeiro, viajam Raúl Munguia, Rosalba Robles, Israel González, Rafael Equihua, Judith Leal Duque e Florencio Medrano. No segundo, Antonio García de León e Aquileo Medrano, que fariam escala em Helsinki e em Paris, onde encontrariam “Teresa”, encarregada dos contatos com a embaixada chinesa para garantir a entrega das passagens e diárias. Uma vez reunidos em Pequim, foram conduzidos para Nanquim.

238 Desconhecemos o nome real.

239 ROBLES VESSI, Rosalba: depoimento [01-04-2010], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván. Robles menciona que este grupo da capital somente conheceu o engenheiro pouco antes do ocorrido no movimento estudantil, em outubro de 1968.

240 “Partido Revolucionario del Proletariado Mexicano”, Distrito Federal, 03-08-72, AGN, IPS, Caixa 2538, Exp. 1, folhas 1-6.

A intenção de que fossem para uma escola de quadros internacionais dependente do Partido Comunista da China era para a preparação ideológica intensiva, mas também, para o treinamento militar. O grupo esteve presente para ver as ações dos jovens universitários pertencentes à Guarda Vermelha da Revolução Cultural Proletária. Diz García de León:

Tínhamos que nos levantar às cinco da manhã, correr. Depois eram operações militares, assaltos a “casa mata”, e outras coisas. E aprendemos a armar e desarmar com os olhos fechados um fúsil chinês. Supostamente eram os fuzis que nos íam enviar para fazer a revolução no México. Então, eu podia já, com os olhos fechados, desarmá-lo e logo voltá-lo [armá-lo]. E, bom, nos ensinaram muitas técnicas, a fazer bombas e um monte de coisas mais241.

Já Rafael Equihua se alonga na descrição dos treinos, na declaração que provém do interrogatório de 3 de agosto de 1972, quando foi detido pela DFS na cidade de Cuernavaca, Morelos:

Às 6.00 horas faziam exercícios de ginástica e caminhadas; às 6.30 horas asseio e imediatamente depois um café da manhã leve; das 8.00 às 11.30 horas aulas teóricas; às 12.00 horas almoço, e na continuação um cochilo; das 14.30 às 18.30 horas novas aulas e logo o tempo para jantar e depois discussão ou comentários sobre o estudado e às 21.00 horas dormir; que as aulas consistiam em política, estratégia e tática militar, explosivos e manuseio de armas de fogo e práticas de tiro, lembrando que destas últimas só tiveram duas ou três práticas, não quanto aos explosivos, que foram mais amplas, ensinando-lhes o manuseio de explosivos, dinamite, minas, e como fabricar e conectar detonadores; que também realizaram simulacros práticos de ataques e emboscadas nos quais participavam todos os membros do grupo mexicano já mencionados e como inimigos atuavam soldados chineses usando fuzis sem cartuchos e em ocasiões lhes davam balas de salva, usando camuflagem e os chineses sempre diziam que no simulacro lutavam contra japoneses242.

Há de se notar o detalhamento feito pelo interrogado para a descrição dos treinos, sobretudo porque o depoimento foi dado depois de cinco anos da viagem, certamente sobtortura e intimidações psicológicas.

O grupo treinado volta para o México no fim do mês de dezembro de 1969 com a finalidade de fazer trabalho político no campo. Para cobrir as despesas econômicas da compra de armamento, o PRPM mantinha um local de aluguel e reparação de bicicletas em

241 GARCÍA DE LEÓN, Antonio: depoimento [22-04-2009], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.

242 “Partido Revolucionario del Proletariado Mexicano”, Distrito Federal, 03-08-72, AGN, IPS, Caixa 2538, Exp. 1, folhas 1-6.

Cuernavaca, onde trabalhava Florencio e Aquileo Medrano. Da mesma forma, tinham uma serralharia num bairro popular da capital, onde trabalhava Rafael Equihua243 – além da livraria “El Primer Paso”.

Antes de iniciar qualquer atividade guerrilheira, a DFS começou a perseguição aos militantes, pois foram identificados desde sua chegada da China. Um fato que ocorreu em ferreiro de 1970 precipitou a desarticulação do grupo. Numa oficina de reparação de aparelhos eletrodomésticos que funcionava como arsenal de um grupo guerrilheiro denominado Comité de Lucha Revolucionaria (CLR) foram detonadas duas bombas que estavam sendo armadas no local. Na avaliação de García de León, é provável que as pessoas que aí trabalhavam, vendo-se rodeadas pela polícia, decidiram se suicidar, explodindo as bombas com a cortina de ferro fechada244. O CLR foi catalogado pelas autoridades como organização terrorista, porque nesse momento foram vinculados com as detonações de bombas colocadas nos prédios dos jornais El Sol de México, El Heraldo, num estúdio de

Televisa, assim como na SEGOB245.

Segundo as conclusões lançadas pelas investigações da DFS, o CLR – culpável de conspiração, incitação à rebelião, associação criminosa, fabricação de bombas, dano em propriedade alheia e lesões – mantinha relações com outros grupos armados que operavam em Chiapas, Tabasco, Mérida e Guerrero, especificamente com o grupo de Genaro Vázquez, e no Distrito Federal e Morelos, com o PRPM. Para as autoridades, de fato, o CLR e o PRPM eram um só, e Fuentes Gutiérrez o artífice da coordenação entre ambos os grupos extremistas 246. Agora, para Rosalba Robles, a suposta aliança entre o CLR e o PRPM nunca se realizou, isso devido à detenção precipitada dos militantes do CLR247.

Por volta de fevereiro de 1970, a célula do PRPM da Cidade do México começa a apresentar dificuldades com um simpatizante do grupo encarregado da distribuição da propaganda do grupo no bairro de Tlatelolco. Não apresentava as contas do que era vendido, estava segurando o material e, no geral, mostrava um comportamento bem suspeito. Para tentar melhorar o relacionamento com os integrantes do movimento, Javier Fuentes reúne

243 “Partido Revolucionario del Proletariado Mexicano”, Distrito Federal, 03-08-72, AGN, IPS, Caixa 2538, Exp. 1, folhas 1-6.

244 GARCÍA DE LEÓN, Antonio: depoimento [22-04-2009], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.

245 “Captura y consignación de un grupo terrorista”, El Día, Distrito Federal, 15-02-70, AGN, IPS, Caixa 3033 A, Exp. 10, folha 1.

246 “Texto de la consignación de Raúl Ernesto Murguía Rosete, Rosalba Robles de Murguía y Judith Leal Duque”, El Día, Distrito Federal, 07-03-70, AGN, IPS, Caixa 3033 A, Exp. 10, folha 1.

247 ROBLES VESSI, Rosalba: depoimento [01-04-2010], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.

Raúl Munguía, Rosalba Robles e Judith Leal Duque no intuito de se apresentar no apartamento do simpatizante para conversar e reforçar as medidas de segurança.

Chegando no local, em vez do simpatizante estavam postados aproximadamente sessenta homens comandados por Miguel Nazar Haro, então subdiretor da DFS. Rosalba Robles aponta que, evidentemente, houve uma delação248, e García de León coincide. Num encontro posterior, questionado por García de León sobre os motivos da delação, o simpatizante argumentou que a polícia tinha sequestrado sua esposa, que estava grávida. Ameaçando-o com o estupro e a tortura dela, o homem aceitou fazer a denúncia sobre o encontro249.

A partir daí foram sequestrados o engenheiro Javier Fuentes, Murguía Rosete, Robles Vessi e Leal Duque. Após vários dias de permanência num local desconhecido – provavelmente o Campo Militar No. 1 ou algum outro escritório policial ocupado como cárcere clandestino250 – foram apresentados às autoridades e acusados de conspiração, incitação à rebelião, associação criminosa e encobrimento dos delitos de dano em propriedade alheia por explosão e lesões251.

Com o núcleo do PRPM na prisão, o restante do grupo se dispersa. Os detentos permanecem em Lecumberri e no presídio de mulheres de Santa Martha Acatitla por volta de quatro anos. São libertados possivelmente como mostra de amizade do governo mexicano após a viagem realizada pelo presidente Echeverría à República Popular Chinesa, em abril de 1973252.

Apesar da captura, o treinamento militar e ideológico alavancado pelo engenheiro abriu espaço para outro tipo de experiências revolucionárias. Por exemplo, vários dos camponeses que viajaram para a China fundaram em 1971 a Asociación Nacional Obrero

Campesino Estudiantil (ANOCE), organização que pode ser enquadrada como movimento

urbano popular. Formada por camponeses empobrecidos, majoritariamente migrantes provenientes do estado de Guerrero, no dia 31 de março de 1973, a organização ocupa a propriedade do filho do governador do estado de Morelos no intuito de construir uma colônia

248 ROBLES VESSI, Rosalba: depoimento [01-04-2010], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.

249 GARCÍA DE LEÓN, Antonio: depoimento [22-04-2009], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.

250“Nessas circunstâncias alguém era introduzido e conduzido com os olhos vendados. Podes descrever o lugar por dentro, mas não sabes o que é” (ROBLES VESSI, Rosalba: depoimento [01-04-2010], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.).

251 “Texto de la consignación de Raúl Ernesto Murguía Rosete, Rosalba Robles de Murguía y Judith Leal Duque”, El Día, Distrito Federal, 07-03-70, AGN, IPS, Caixa 3033 A, Exp. 10, folha 1.

252 ROBLES VESSI, Rosalba: depoimento [01-04-2010], México. Entrevista concedida a Azucena Citlalli Jaso Galván.

popular (PONIATOWSKA, 1980; JASO GALVÁN, 2010).

Sob a ideologia maoísta do dirigente Florencio Medrano, a Colonia Proletaria Rubén

Jaramillo foi concebida como o primeiro passo na guerra popular prolongada. Isto é, a

construção da base de apoio que possibilitaria, mais adiante, a ação de um grupo armado. Contudo, após seis meses de uma experiência radical de construção de cooperativas e de constante pressão às autoridades pela legalização do território, precipitados pela invasão do exército, o núcleo político – e militar – da ANOCE decide entrar na clandestinidade guerrilheira e conformar o Partido Proletario Unido de América (PPUA). O projeto imaginado pelo engenheiro Javier Fuentes Gutiérrez viu-se parcialmente concretizado no PPUA, prolongando-se até 1978, ano em que Florencio Medrano é abatido.

* * *

Neste capítulo observamos a descrição que os informes dos presidentes analisados produzem em torno da institucionalidade mexicana. A ênfase colocada na descrição da Revolução Mexicana como processo de luta que culmina na junção de várias ideologias. Isso possibilita aos mandatários argumentar que no país existe liberdade e espaço para qualquer teoria e ideologia. A perspectiva revolucionária – criação nacional – não pretende exportar seus métodos revolucionários, mas também não deixa que se imponham modelos de fora. É a partir da criação dessa imagem de maturidade democrática e institucional que se constrói o inimigo interno.

O “PRI-governo” se institui como a encarnação do espírito nacional. Dessa forma, os mandatários constroem a figura dos jovens desorientados promovidos por forças que nunca são nomeadas, mas que estão no exterior e que são contrárias aos princípios revolucionários da nação. Conforme os grupos armados aprofundam suas atividades, também são descritos de uma forma mais contundente, onde os desvios de todo tipo são uma regra. Porém, é através da imprensa que os guerrilheiros são criminalizados, numa descrição das atividades guerrilheiras fora de contexto. Sem ser apresentadas como um método de luta com reivindicações políticas, as ações armadas aparecem na seção policial, enquanto que há um espaço privilegiado para a voz das autoridades, as quais confirmam que os guerrilheiros são, na verdade, delinquentes comuns sem ideologia.

A conspiração internacional como fonte dos grupos armados é o conceito-chave para entender a contrainsurgência mexicana. A pesar de que pública e internacionalmente o México se posicionava a favor da autodeterminação dos povos, os agentes da repressão

partiam do fato de que existia uma conspiração comunista trabalhando na desestabilização do Estado mexicano. Contudo, apreciamos a difícil relação dos revolucionários cubanoscom os grupos armados mexicanos, apesar daqueles viverem um momento de forte solidariedade com os povos em luta na Ásia, África e América Latina, viram-se impossibilitados em apoiar os revolucionários mexicanos. A guerrilha no México, então, apresenta um vazio em termos de apoio das forças da esquerda mundial, ela é órfã. No entanto, conhecemos a existência vastamente documentada de um grupo armado treinado pela Coréia do Norte, o Movimiento

de Acción Revolucionaria. A partir dos relatórios da DFS avaliados, pode-se apreciar um

pouco da trajetória do Partido Revolucionario del Proletariado Mexicano, organização guerrilheira de recorte maoísta que conseguiu doutrinamento ideológico e militar proporcionado pela China. Contudo, a solidariedade dos países comunistas não teve continuidade, quando os guerrilheiros retornam para o território mexicano.