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2. GUERRA FRIA E CONSOLIDAÇÃO DO ANTICOMUNISMO

2.2. O Informe Rockefeller e a América-Latina

É pertinente sublinhar a importância do texto intitulado “Informe Rockefeller”, pois é a base da reviravolta que os EUA deram a respeito das relações com o resto dos regimes do continente. O documento apresenta uma análise da situação latino-americana a partir de uma turbulenta viagem realizada pela Missão Presidencial dos EUA à América-Latina, encabeçada por Nelson A. Rockefeller64. No documento original de 136 páginas, Rockefeller é enfático ao declarar que:

A preocupação do homem é o homem. E o homem deve ser a preocupação não somente do seu próprio governo, como de todos os governos e todas as pessoas. Se não somos guardiões de nossos irmãos, somos pelo menos irmãos de nossos irmãos. Se fracassamos, em nossa consciência, deste essencial conceito ou em nosso compromisso com ele, teremos fracassado ante nós mesmos da maneiramais crítica (ROCKEFELLER, 1969, p. 342).

Segundo este documento, o momento era propício para deixar a atitude paternalista com as demais nações hemisféricas. Era o momento para aceitar que cada nação assumisse as responsabilidades pelo seu próprio desenvolvimento. Assim, assinala-se que um dos interesses nacionais dos EUA deveria ser a necessidade de restituir as relações com o resto dos países latino-americanos. Para realizar este objetivo plenamente fazia-se necessária uma análise da situação existente no continente.

Brevemente, Rockefeller destaca que há um alarmante crescimento populacional, sendo que, aproximadamente, sessenta por cento tinham menos de 24 anos. Ou seja, havia uma maioria jovem. O processo de industrialização, ainda que bastante atrasado, deveria continuar avançando. Estas duas condições somadas pelo fato de que a comunicação de massas permitia conhecer e tomar consciência da miséria social e dos privilégios das elites, criando, de alguma maneira, um meio propício para o avanço das ideias comunistas. As contradições da vida urbana latino-americana, então, propiciavam a radicalização dos protestos por educação, moradia, saúde e trabalho.

Por outro lado, os governos eram considerados profundamente nacionalistas. Existia

64 Nascido em 1908, Nelson Aldrich Rockefeller, membro do chamado clão Rockefeller, cuja fortuna se finca no setor petrolifero e imobiliário. Entre 1940 e 1944 foi responsável pelo Escritório de Assuntos Interamericanos, pelo que encabeçou os programas para projetar a política norteamericana em latinoamérica, no contexto da Segunda Guerra Mundial e do combate ao nazi-fascismo. Desempenhou várias funções na administração pública, sobretudo na área da saúde, educação e programas de bem-estar social na década de cinquenta, além de prestar serviços de assistência pessoal nos assuntos externos para o presidente Eisenhower (1954-1955). Foi eleito governador do estado de Nova Iorque em três ocassiões (1962, 1966 e 1970); e participou, sem sucesso, como candidato à presidência pelo partido republicano em 1960, 1964 e 1968 (PUNTO FINAL, 1969, p. 1-16)

uma luta pela identidade nacional e autoafirmação, especialmente em anteposição aos EUA. Por exemplo, avaliando-se que o desenvolvimento científico e tecnológico era extremamente precário na região, os ciúmes, o ressentimento e a frustração em relação aos países mais desenvolvidos eram sentimentos presentes nos discursos políticos. Portanto, os governos latino-americanos enfrentavam um dilema, pois tinham consciência de que a cooperação e participação dos EUA contribuiria para acelerar a concretização de suas metas de desenvolvimento, “mas seu sentido de legitimidade política pode muito bem depender do grau de independência que possam manter dos EUA” (ROCKEFELLER, 1969, p. 289).

Seguindo esta linha discursiva, Rockefeller considera que existem três forças de mudança social e política. Ele recomendava prestar especial atenção para a correta avaliação dos conflitos nacionais. Os jovens, reconhecidos como sujeitos políticos profundamente idealistas, resultavam ser um setor vulnerável “à penetração subversiva e a ser explorados como elementos revolucionários para a destruição da ordem existente” (ROCKEFELLER, 1969, p. 290). Os trabalhadores sindicalizados, por sua vez, tinham a crescente influência comunista dentro dos setores dirigentes. Por último, considerava-se o risco do avanço dos setores progressistas da Igreja católica, a opção pelos pobres e a teologia da libertação, pois estas tendências tinham uma grande recepção entre as populações mais miseráveis da região.

Uma parte que se destaca no documento é a análise positiva e, paralelamente, cautelosa, que se faz dos exércitos latino-americanos. Para Rockefeller, tanto na América Central como na América do Sul, os militares representam o grupo político mais poderoso. Símbolo de poder, autoridade e soberania nacional, em última instância, eles são os árbitros do bem-estar nacional. Reconhece que na história latino-americana existia a tendência para que os grupos militares intervenham no caso de que o governo em curso seja julgado como fracassado ou irresponsável. Desta maneira, “todos os governos militares no hemisfério chegaram ao poder para „resgatar‟ o país de um governo incompetente ou de uma situação econômica ou política intolerável” (ROCKEFELLER, 1969, p. 291).

No entanto, Rockefeller alerta sobre a periculosidade das Forças Armadas, porquanto “se corre sempre o risco de que o estilo autoritário dê como resultado a repressão”. Historicamente, grande parte dos regimes que foram dirigidos por militares tiveram atitudes fechadas e repressivas, no que concerne às liberdades civis e reformas sociais. Contudo, segundo o encarregado norte-americano, existe uma grande legitimidade e vinculação com o povo, pois, geralmente, veem os militares como filhos de pessoas sem-terra, pobres, e que atendem a um apetite de superação pessoal. Por isso, “o novo homem militar está preparado para adaptar sua tradição autoritária para os objetivos do progresso social e econômico”

(ROCKEFELLER, 1969, p. 292).

Depois desta análise, Rockefeller propõe – como objetivo para a política norte- americana – a estreita cooperação com outras nações do continente, fortalecendo a segurança interna delas por meio de suas próprias corporações (militares e policiais). No informe são propostas quatro ações concretas:

1. Elaboração de programas de assistência e capacitação militar. No objetivo de profissionalizar as Forças Armadas, propõe o fortalecimento dos “programas de capacitação que trazem pessoal militar e policial das outras nações do hemisfério aos Estados Unidos e a centros de treinamento no Panamá” (ROCKEFELLER, 1969, p. 310).

2. Brindar apoio para preservar a segurança interna. Ou seja, assistir os corpos policiais, elemento chave para a segurança interna. Sobretudo no âmbito urbano, perante a crescente ameaça comunista, tornava-se indispensável ter uma polícia bem preparada e motivada. Em outras palavras, contribuir para a erradicação da tradicional corrupção policial latino-americana.

3. Vender o equipamento bélico que seja requerido. Neste ponto, adverte sobre o problema que resultaria vender o que os EUA estabelecem como necessário para cada país. Como avaliado anteriormente, por parte dos regimes existia um anseio por equipar-se militarmente, e, por outro lado, também havia um sentimento anti- paternalista resultado da agressiva política estadunidense. Rockefeller alerta, então, sobre a necessidade de evitar que o material bélico seja comprado de outros vendedores (CORLAZZOLI, 1987, p. 32).

4. Por último, o informe considera pertinente dar continuidade à ALPRO. Mas também recomenda a criação de um Instituto de Assuntos do Hemisfério Ocidental que sirva para estudar e atender as questões militares. Enquanto que uma Agência para o Desenvolvimento Social e Econômico (USAID), dependente do Instituto, funcionaria como um braço econômico e social.

Desta maneira, inicia-se a época do “patrocínio” dos aliados regionais, impulsionando de forma sistemática a assistência militar, o que consolidaria um escudo hemisférico contra o comunismo. Acrescentava-se, assim, à tradição autoritária latino-americana, a perspectiva da segurança nacional, bem como a

“tecnocrática”, as ideias “monetaristas” e o liberalismo monopólico, o racismo „biossociológico‟ e o ódio aos pobres, aos “desviados” e aos

intelectuais; o terrorismo de Estado e as técnicas psicológicas de amedrontamento; as táticas militares de genocídio e os assassinatos seletivos, tudo interpretado através das filosofias tradicionais do poder, com gestos de cinismo e hipocrisia, e legitimado por meio de valores que se dizem “religiosos”, “liberais”, “democráticos” e “científicos”, que ajudam a exercer o poder real da maneira mais arbitrária, enquanto se justificam as decisões sobre a base de princípios, tradições ou conveniências, até fazer do irracionalismo “racional” ou “técnico” dos novos ditadores, a expressão oficial e laudatória de seu poder (GONZÁLEZ CASANOVA, 1988, p. 21).