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CAPÍTULO 3 A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

3.3 A divisão de poderes e as políticas públicas

Os três Poderes do Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário, são independentes e harmônicos entre si. Tipicamente, ao Poder Executivo cabe a função de administrar, ao Poder Legislativo, a função de legislar e ao Poder Judiciário, a função de julgar. Atipicamente, cada poder pode exercer as funções dos outros. E todos se autofiscalizam e fiscalizam uns aos outros, num sistema de “freios e contrapesos” que teoricamente deveria manter o equilíbrio.

Como já analisado, as políticas públicas são programas complexos, multidisciplinares, que visam coordenar todos os interesses do Estado para a realização do bem comum. Portanto, são ações governamentais próprias dos poderes dotados de iniciativa dessas ações, ou seja, predominantemente do Poder Executivo e, dentro dos marcos legais definidos pelo Poder Legislativo.20

As políticas públicas são arranjos institucionais que possuem estratégias políticas, formalizadas em processos conformados juridicamente (processo administrativo, processo eleitoral, processo de reforma tributária, ...). Esses arranjos agregam elementos políticos, econômicos, sociais, organizacionais, relativos à gestão pública e legais, numa combinação peculiar.

O Poder Executivo é o principal legitimado para criar e implementar as políticas públicas. Possui competência privativa de encaminhar matérias orçamentárias que instrumentalizam as políticas públicas e os programas de governo.

O artigo 165 da Constituição dispõe que compete a este poder a iniciativa do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. Estes projetos de leis serão enviados ao Congresso Nacional, aplicando-se a eles as demais regras do processo legislativo. Quando aprovadas, essas políticas públicas materializam-se em leis. Nelas estarão incluídas muitas das propostas eleitorais que saíram vitoriosas, representando um movimento legítimo do regime democrático.

20 BUCCI, Maria Paula Dallari. Controle Judicial de políticas públicas: possibilidades e limites Fórum Administrativo: Direito Público, Belo Horizonte, n. 103, p. 11, set. 2009.

Ao Poder Executivo também compete dispor sobre a organização e funcionamento da administração pública (artigo 84, VI, Constituição Federal), o que, muitas vezes, representa conduzir a estrutura burocrática própria da nossa República.

Outro ponto a se considerar é que a Constituição Federal de 1988 prevê muitos direitos que devem ser materializados por meio de políticas públicas, as quais demandam recursos. Para o fim de organizar esses gastos públicos, ponderando as necessidades sociais, e evitar uma corrida entre direitos é que a iniciativa de projetos de lei que criem despesas diretas ou serviços públicos é do Chefe do Poder Executivo. Porque somente ele terá condições de estabelecer estratégias gerais que modulem no tempo as etapas de atendimento dos direitos em seu conjunto, cumprindo os compromissos do governo, explicitados em seus planos e leis orçamentárias.21

Por sua vez, ao Poder Legislativo cabe legislar sobre os mais variados assuntos do ente federativo. Ele possui ampla possibilidade de manifestação e deliberação, ressalvados os limites constitucionais significativos, como vedação de aumento de despesas em projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República (artigo 63, I, CF).

Atua também o Poder Legislativo no controle e fiscalização das políticas públicas com o auxílio do Tribunal de Contas, que tem exercido relevante função de fiscal das contas públicas e tem sido combatente para a identificação dos atos de improbidade administrativa.

Conforme já discorrido, as políticas públicas não são atos isolados, mas são processos (conjunto de atos) que demandam várias etapas, como a de sua criação, execução, avaliação. O Poder Legislativo tem extrema relevância no momento de criação das políticas públicas, ou seja, na sua primeira fase.

Isso porque, no Brasil, a maioria das leis em vigor é originada de projetos de parlamentares. Não há o costume de projetos de iniciativa popular, apesar de o artigo 61 da Constituição Federal prever a iniciativa de leis pelo Poder Executivo, Poder Legislativo e pela população em geral.

Talvez a escassez de projetos de lei de iniciativa popular se dê pelo excesso de burocracia que ela exige: deve ser subscrita por, no mínimo, um por

21 BUCCI, Maria Paula Dallari. Controle judicial de políticas públicas: possibilidades e limites. Fórum Administrativo: Direito Público, Belo Horizonte, n. 103, p. 11, set. 2009.

cento do eleitorado nacional, distribuído pelos menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (§2°, artigo 61, CF).

A iniciativa popular é um importante elemento da democracia e deveria ser mais utilizada pelo povo brasileiro, para fazer chegar à cúpula do governo os anseios e opiniões da sociedade. Poucos foram os projetos de lei de iniciativa popular no Brasil que realmente se tornaram lei, mas o mais conhecido talvez seja o que deu origem à Lei Complementar n° 135/201022, conhecida como a Lei Ficha Limpa, a qual tenta impedir que políticos com condenação na Justiça possam concorrer às eleições.

Além de os membros do Poder Legislativo serem os que mais apresentam projetos de leis no Brasil, é no Congresso Nacional que são feitas as grandes discussões envolvendo os temas levados para votação na Câmara dos Deputados e no Senado. Os parlamentares se dividem em Comissões para discutir temas específicos e analisar pontualmente os projetos de lei. As sessões são abertas ao público, mas há pouca presença e participação da sociedade em geral.

Na Câmara dos Deputados23, por exemplo, há a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que avalia a conformidade do projeto de lei com a Constituição, a Comissão de Políticas Públicas de Combate às Drogas (CEDROGAS), a Comissão Especial de Reforma Política (CEREFPOL), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)...., dentre outras. Algumas comissões são permanentes, outras temporárias, outras mistas, porque compostas por deputados e senadores.

Ocorre que o processo de elaboração da política pública tem merecido pouca atenção da sociedade e mesmo dos cientistas jurídicos, enquanto deveria ser de grande preocupação daqueles que se desejam realmente efetivar os direitos previstos na Constituição brasileira.

22 BRASIL. Lei Complementar n. 135, de 4 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 7 jun. 2010, p. 01. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp135.htm>. Acesso em: jun.2011.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissões: todas as Comissões. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/reunioes/todas-as-comissoes>. Acesso em: jun. 2011.

Fazendo uma crítica à postura omissa dos juristas nacionais no processo de elaboração das políticas públicas, Maria Paula Dallari Bucci24 discorre:

Entre nós, contudo, o processo de elaboração da norma, seja legislativo, em sentido estrito, seja o que compreende a formação dos projetos de lei e normas infralegais no âmbito do Poder Executivo, tem merecido pouca atenção sistemática nos estudos de direito público. E esse conhecimento é necessário quando se deseja passar de um olhar retrospectivo do fenômeno jurídico a um olhar prospectivo.

A presença de profissionais jurídicos nos processos de renovação do direito tem se dado, com mais frequência, por meio das representações de classe, entidades de magistrados, membros do Ministério Público ou advogados. A contribuição da ciência jurídica mais qualificada como subsídio para a elaboração normativa e como caixa de ressonância dos seus efeitos sobre o sistema jurídico tem se revelado um tanto acanhada. Pode-se dizer, com certo exagero, em relação ao tema da efetivação dos direitos sociais, que os juristas se desinteressaram das tarefas de entender, explicar e orientar – por que não? – a organização do Estado e suas injunções jurídicas, preferindo armar-se para as batalhas judiciais em torno da questão. A crítica da autora é bastante pertinente, pois falta participação popular na fase de elaboração das políticas públicas e faltam também opiniões técnico- jurídicas desprovidas de interesse particular.

Por certo, há as consultorias jurídicas dos órgãos públicos, como a Advocacia-Geral da União, que exerce a função de consultoria jurídica de todo o Poder Executivo Federal, a Advocacia do Senado, as diversas Assessorias Jurídicas de Assembleias Legislativas nos Estados e as Assessorias Jurídicas de Câmaras de Vereadores, etc. Enfim, quase todos os membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo, federal, estadual ou municipal, têm uma assessoria jurídica. Mas nem sempre esta assessoria é suficiente para atender à demanda existente.

Assim, a participação da sociedade nas audiências públicas e mesmo as opiniões dos experts muito auxiliaria o Poder Público a superar os desafios encontrados para a elaboração, manutenção e execução de políticas públicas.

Por fim, cabe a análise da relação do Poder Judiciário com as políticas públicas. Apesar de não competir a ele a criação, nem a execução desses atos governamentais, este poder exerce relevante função na fiscalização da conformidade dos atos estatais com os preceitos legais e constitucionais.

24 BUCCI, Maria Paula Dallari. Controle judicial de políticas públicas: possibilidades e limites. Fórum Administrativo: Direito Público, Belo Horizonte, n. 103, p. 7-8, set. 2009.