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CAPÍTULO 1 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

1.3 Os Direitos Humanos no mundo

Como visto, com a evolução histórica, também o conceito de soberania ganhou novas perspectivas. Com as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, os Estados constataram a potencialidade das armas bélicas que podiam levar à destruição de todo o planeta.

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O autor Rogério Taiar, analisando Norberto Bobbio (A era dos direitos), Fábio Konder Comparato (A afirmação histórica dos direitos humanos), Celso Lafer (A soberania e os direitos humanos. In: Revista de Cultura e Política “Lua Nova”, n° 35, p.137-148. São Paulo: CEDEC, 1995), dentre outros, chega à conclusão que a relativização da soberania se faz em prol dos direitos humanos. (TAIAR, Rogério. Direito internacional dos direitos humanos: uma discussão sobre a relativização da soberania face à efetivação da proteção internacional dos direitos humanos. 2009. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 258-259).

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Palestra proferida no Seminário Internacional “O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira”, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no dia 1° de outubro de 1999, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília – DF. PIOVESAN, Flávia. Princípio da complementaridade e soberania. Revista CEJ, Brasília, DF, n. 11, p. 71-74, maio/ago. 2000.

Buscando a paz e planejando o futuro, criou-se a Organização das Nações Unidas em 1945, e, em 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecendo que a dignidade é inerente a todos os homens e que seus direitos universais e inalienáveis são pressupostos para a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

Neste novo cenário internacional que se formou, intensificou-se o discurso sobre a universalização dos direitos humanos e a comunidade internacional passou a reconhecer que a proteção desses direitos constituía questão de interesse e preocupação global.

Conforme o pensamento de Hannah Arendt22, após as barbáries cometidas por Hitler, se fez necessária a reconstrução dos direitos humanos, começando por reconhecer que o ser humano tem direito a ter direitos.

As relações internacionais se intensificaram e foi possível coexistir um sistema de proteção dos direitos fundamentais dentro de cada Estado com o sistema de proteção internacional dos direitos do homem, sendo assinados vários tratados internacionais, alguns com abrangência global, outros regionalizados.

Estes tratados internacionais protegem especialmente os direitos dos homens, sem preocupação com as prerrogativas dos Estados. Enquanto o sistema global, formado pela ONU, enfoca a igualdade dos homens e das nações, os sistemas regionalizados, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), trazem particularidades próprias em busca de justiça local. Sobre o assunto, Alberto do Amaral Júnior23 afirma:

Enquanto os instrumentos gerais consideram o homem um ser abstrato que merece por isso tratamento igual, incompatível com quaisquer discriminações, as convenções especiais focalizam as especificidades e diferenças entre os seres humanos, fatores que justificam o tratamento particularizado sob pena de se cometer injustiça. O sujeito de direito deixa de ser um ente genérico para ganhar especificidade decorrente da raça, da idade, do gênero ou de qualquer outra razão que necessite ser observada de modo peculiar.

22

Descrito em: LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

23 AMARAL JUNIOR, Alberto. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008. p. 448.

De fato, ao lado do sistema global de proteção dos direitos humanos, foram criados os sistemas regionalizados, como o europeu, o africano e o americano, os quais coexistem e se completam.

O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, formado pela OEA, tem como documentos a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem24 e a Convenção Americana de Direitos Humanos25, também conhecida por Pacto de São José da Costa Rica.

Este sistema, assim como o europeu, confere ao indivíduo personalidade jurídica internacional, isto é, o ser humano passou a ser sujeito de direito internacional, capaz de possuir e exigir direitos e obrigações de cunho internacional.

O reconhecimento de que os seres humanos têm direitos sob o plano internacional implica a noção de que a negação desses mesmos direitos impõe, como resposta, a responsabilização internacional do Estado violador.

Com efeito, se, no exercício de sua soberania, os Estados aceitam as obrigações jurídicas decorrentes dos tratados de direitos humanos, passam então a se submeter à autoridade das instituições internacionais, no que se refere à tutela e fiscalização desses direitos em seu território.26

Ressalta-se ainda que a proteção internacional dos direitos humanos é complementar e subsidiária à proteção já oferecida pelo Estado, tendo o propósito de suprir lacunas, pois já cabe ao sistema jurídico-normativo nacional a tarefa de realizar esta proteção no plano interno.

Devido a este caráter subsidiário dos mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos é que surgiu o princípio do esgotamento dos recursos internos, sendo até mesmo uma forma de respeito à soberania dos Estados e tolerância à capacidade de se autotutelar nessas questões.27

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NONA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AMERICANA. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Bogotá, 1948. Disponível em:

<http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/b.Declaracao_Americana.htm>. Acesso em jun. 2011. 25

CONFERÊNCIA ESPECIALIZADA INTERAMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos. San José, Costa Rica, 22 nov. 1969a. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm>. Acesso em: fev. 2011.

26

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 9.

27 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O esgotamento dos recursos internos no direito internacional. Brasília, DF: Ed. UnB, 1984.

O princípio do esgotamento dos recursos internos é constantemente alegado no contencioso internacional, perante as Organizações Internacionais, e por elas acolhido quando provado o engajamento estatal para a solução do litígio.

No entanto, existindo realmente falha no sistema interno de proteção dos direitos humanos, pode haver a atuação de uma dessas Organizações em prol da prevalência dos direitos humanos, seja por recomendações ou mesmo por condenação, impondo obrigações internacionais28.

Também já foi reconhecida a possibilidade de o indivíduo pleitear seus direitos na esfera internacional até mesmo contra seu próprio Estado. É o que acontece no sistema regionalizado europeu e americano.

O Brasil é membro da Organização dos Estados Americanos e ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, admitindo que qualquer cidadão brasileiro, que se sinta agredido pelo Estado por violação de um direito humano, possa denunciá-lo à Comissão Interamericana.

O procedimento é relativamente simples, mas um dos requisitos para a aceitação da demanda pela Comissão é a observância do princípio do esgotamento dos recursos internos, pelo qual cada Estado tem poderes suficientes de criar mecanismos internos para proteger os direitos humanos em seu território.

Sendo assim, pode-se afirmar que os casos efetivamente julgados pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos são demasiadamente graves, uma vez que o Estado por si só não foi capaz de proteger um direito fundamental do cidadão. Especificamente no caso brasileiro, a gravidade de uma condenação internacional está justamente no fato de que, apesar de a Constituição da República ser extensa na enunciação formal dos direitos humanos, os mecanismos estatais não foram suficientes para assegurar o gozo desses direitos pelo cidadão.

28 Após a criação de Cortes Internacionais, estes organismos internacionais passaram a proferir sentenças condenando os Estados violadores de direitos humanos, como será visto adiante.