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CAPÍTULO 4 AS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

4.2. Medidas Provisórias

4.2.2 Caso da Penitenciária de Araraquara

Em julho de 2006, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte um pedido de medidas provisórias com o propósito de que o Estado brasileiro protegesse a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de liberdade na Penitenciária “Dr. Sebastião Martins Silveira”, localizada em Araraquara, Estado de São Paulo.

Os fatos apresentados pela Comissão eram de extrema gravidade da situação vivenciada pelos reclusos naquela penitenciária e havia urgência das medidas requeridas para evitar danos irreparáveis aos mesmos.

Em maio e junho de 2006, ocorreu uma série de rebeliões nos presídios do Estado de São Paulo e, nesse contexto, também na Penitenciária de Araraquara, a qual teria sido quase totalmente destruída pelos detentos.

Assim, os 1600 presos foram, então, alojados em uma ala com capacidade para 160 pessoas. Após, os agentes penitenciários retiraram-se do local e soldaram a porta de acesso, isolando-os num pátio aberto, sem seus bens pessoais, sem roupas adequadas, sem colchões nem cobertores, sem remédios nem assistência médica, sem produtos de higiene e sem eletricidade. Nessa ala do presídio havia somente 13 sanitários e 64 beliches. As pessoas eram alimentadas com a comida lançada de fora, por cima dos muros da Penitenciária, duas vezes ao dia.

Evidente que as condições de detenção eram inaceitáveis e deveriam ser melhoradas de forma imediata.

20 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de 25 de noviembre de 2008. Medidas Provisionales respecto del Brasil. Asunto de las personas privadas de libertad en la Penitenciaría “Dr. Sebastião Martins Silveira” en Araraquara, São Paulo. Disponível em:

A respeito da responsabilidade do Estado de adotar medidas de segurança para proteger às pessoas que se encontram sujeitas à sua jurisdição, a Corte já havia manifestado que esse dever é mais evidente ao se tratar de pessoas reclusas em um centro de detenção estatal, caso no qual o Estado assume uma função especial de garantidor dos direitos das pessoas que se encontram sob sua custodia.

De acordo com os fatos narrados, não existia controle por parte das autoridades estatais competentes, pois os agentes penitenciários haviam se retirado do interior da Penitenciária, deixando os presos sem segurança alguma, podendo ocorrer episódios de violência a qualquer momento, causando a perda de vidas e generalizados ataques à integridade pessoal daqueles detentos.

Diante dessa situação, a Corte determinou que o Estado deveria adotar todas as medidas necessárias para prevenir episódios de violência e para garantir a segurança das pessoas privadas de liberdade na Penitenciária de Araraquara, dando acesso ao pessoal médico e aos agentes estatais, possibilitando a visita dos familiares e garantindo condições dignas de detenção.

Considerou, ainda, imperativo que o Estado, com estrito respeito aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade e cuidado para impedir atos de força indevidos por parte de seus agentes, recuperasse o controle e reintegrasse a ordem na Penitenciária de Araraquara.

Ordenou que o Estado deveria adequar as condições de detenção das pessoas privadas de liberdade aos padrões internacionais sobre a matéria. E, de acordo com sua obrigação internacional de garantir a toda pessoa o pleno exercício dos direitos humanos, o Estado deveria projetar e aplicar uma política penitenciária de prevenção de situações críticas como as que motivaram estas medidas urgentes. Após as medidas provisórias determinadas pela Corte Interamericana, o Estado iniciou a reforma da Penitenciária de Araraquara, transferindo os presos para outros estabelecimentos penitenciários de forma responsável e gradual, em grupos de cem internos por semana, dando-se prioridade aos beneficiários que estavam em tratamento médico, de acordo com um calendário aprovado pelo Poder Judiciário de São Paulo e amplamente divulgado pela imprensa brasileira.

Em 20 de setembro de 2006, o processo de transferência de todos os internos foi concluído sem que ocorresse nenhuma morte ou atentado à integridade pessoal dos mesmos. O processo de reconstrução e reforma da Penitenciária de

Araraquara foi concluído menos de um ano depois da rebelião e resultou num investimento equivalente a U$ 10.000.000,00. A Penitenciária passou a funcionar dentro de sua capacidade, abrigando mil e quinhentas pessoas.

A respeito da superlotação penitenciária, o Brasil indicou que se trata de um problema que demanda ações de médio e longo prazo e que a situação se agravou muito depois das rebeliões de maio e junho de 2006. Não obstante, está implementando um programa para a construção de 44 novos estabelecimentos penais, no período compreendido entre 2008 e 2011 para criar 41.000 novas vagas no Estado de São Paulo.

A Corte Interamericana, diante de um pedido de medidas provisórias, não pode considerar o mérito de nenhum argumento que não seja daqueles que se relacionam estritamente com a extrema gravidade, urgência e necessidade de evitar danos irreparáveis às pessoas. Qualquer outro assunto só pode ser colocado em conhecimento da referida Corte nos casos contenciosos ou nos pedidos de opiniões consultivas.

Portanto, as medidas provisórias têm um caráter excepcional, são emitidas em função das necessidades imediatas de proteção. Uma vez ordenadas, devem ser mantidas sempre e quando a Corte considerar que subsistem os requisitos básicos da extrema gravidade e urgência e da prevenção de danos irreparáveis aos direitos das pessoas protegidas por elas.

A Corte reconheceu a melhora e correção da situação da Penitenciária de Araraquara, depois do motim de junho de 2006. Reconheceu que o Estado brasileiro realizou, entre outras ações, a transferência de detentos a diversos centros penitenciários sem que ocorresse nenhum incidente; que a realocação dos detentos foi realizada tendo em consideração a proximidade com seus familiares; que o Estado procedeu a reconstrução de toda a Penitenciária de Araraquara, a qual passou a funcionar dentro da sua capacidade populacional.

Adicionalmente, o Estado adotou, entre outras medidas, um plano de construção de novas penitenciárias com o objetivo de reduzir a superlotação penitenciária no Estado de São Paulo; da mesma maneira, garantiu o acesso de visitas dos familiares e advogados.

A Corte valorizou o esforço realizado pelo Estado e considerou que os fatos que motivaram a adoção das medidas provisórias não subsistiam, razão pela qual resolveu levantar as medidas provisórias ordenadas e arquivar o expediente.