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As sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos

CAPÍTULO 2 O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

2.4 A Corte Interamericana de Direitos Humanos

2.4.2 As sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Como já foi dito, o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estabelece não ser possível aos Estados-partes invocar disposições do direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.

E ainda o artigo 68.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que “Os Estados-membros da Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.

Deste modo, proferida sentença condenando o Estado-parte, em reverência ao princípio da boa-fé nas relações internacionais, cabe a este adotar, sem delongas, as medidas necessárias para implementar as reparações impostas.

A sentença, portanto, tem força vinculante e é obrigatória, devendo o Estado condenado cumpri-la imediatamente.27 Aliás, não poderia ser diferente, pois se o Estado ratificou a Convenção Americana se comprometendo internacionalmente a respeitar os direitos humanos previstos naquele tratado, também expressamente reconheceu a jurisdição internacional da Corte, aceitando se submeter à suas decisões, não possui argumento jurídico para desrespeitar a sentença condenatória. Por óbvio, as obrigações assumidas internacionalmente pelo Estado devem ser respeitadas e possuem força normativa.

27 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 241.

Ao lado da obrigação do Estado de cumprir a sentença, surge a atribuição da Corte de supervisionar seu cumprimento. É que o artigo 65 da Convenção especifica a necessidade de a Corte apresentar um relatório anual sobre suas atividades à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, indicando os casos em que o Estado condenado não tenha dado cumprimento às suas sentenças.

Não é raro, ademais, que a Corte requeira ao Estado apresentar informes sobre o cumprimento da decisão. Desde novembro de 2004, a Corte tem publicado Resoluções de Supervisão de Cumprimento de Sentença, para dar conta especificamente de diversos casos que ainda não tinham realizado as reparações devidas. A ideia por trás de tais resoluções é a de que essa supervisão de cumprimento da sentença é uma faculdade inerente às funções jurisdicionais da Corte.

A determinação da responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos, expressa na sentença editada pela Corte Interamericana, acarreta consequências diversas. Em caso de imputação de responsabilidade, a sentença apresenta uma parte declaratória e uma dispositiva, com medidas concretas a serem efetuadas como corolário da imputação.

Dispõe a Convenção Americana, em seu artigo 63.1, que:

Art. 63.1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

Por conseguinte, constatada a violação de um direito humano, a Corte determinará a sua imediata restituição à vítima, se possível. Não se trata de novidade afirmar que prevalece o princípio do restabelecimento da situação anterior à da violação (restitutio in integrum), devidamente conhecida pela teoria geral da responsabilidade civil.

No campo dos direitos humanos, a melhor satisfação que se pode oferecer à vítima constitui a garantia do direito violado, porém, de difícil obtenção.

Diante desta dificuldade, o dispositivo convencional apresenta mais de uma forma possível para se proceder às reparações.

Há de se destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem construído sua jurisprudência no sentido de se distinguir reparações e indenizações no sentido de que a primeira constitui gênero e a segunda espécie. Esse é o entendimento que se extrai da análise do artigo 63.1 da Convenção, que determina sejam reparadas as violações, além de ser paga uma indenização à parte lesada.

É por isso que se desenvolveu o conceito de reparação integral à vítima, que contempla os seguintes elementos: a) obrigação de investigar os fatos e sancionar os responsáveis (trata-se de medida que exige o devido processo legal e o tempo razoável para o seu desfecho); b) reparação material de natureza pecuniária e simbólica (indenização); c) garantia de não repetição (o Estado deve assegurar que os atos lesivos não se repetirão).

Em verdade, as sentenças têm por praxe fixar indenizações pecuniárias, fixar obrigações de fazer (como dar publicidade à sentença internacional, etc.) e fixar medidas de não repetição, consistentes em obrigações impostas ao Estado condenado no sentido de se evitar futuras violações de direitos humanos como a ocorrida.

Uma vez proferida a sentença condenatória pela Corte Interamericana, ela deverá ser executada pelo Estado-parte. O artigo 68 da Convenção Americana dispõe que cada Estado deve cumprir a sentença da Corte de acordo com seu ordenamento jurídico interno, ou seja, há liberdade quanto à forma de execução das sentenças, conforme a normatividade interna. Isto é, desde que cumpra em um prazo razoável, porquanto o descumprimento da sentença implica nova violação das obrigações internacionais.

Na falta de dispositivo convencional que determine limite temporal, a jurisprudência da Corte tem observado o caso concreto, impondo às vezes, sessenta dias, outras noventa dias.

É sabido que a natureza dos direitos protegidos e reconhecidos por uma sentença da Corte já é motivo bastante para que o Estado brasileiro busque mecanismos que assegurem a efetividade da tutela jurisdicional deferida e não interponha obstáculos que possam significar, em última instância, a negação da própria justiça.

Quanto à competência para a defesa do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, convém observar primeiro que, constitucionalmente, compete à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais (artigo 21 da Constituição Federal).

Apesar de a União representar a República Federativa do Brasil no âmbito internacional, a eventual condenação não é necessariamente deste ente federado, porque pode ser que a violação de direito humano tenha provindo de um Município, de um Estado, ou do Distrito Federal. Nesses casos, terá que ser analisada a divisão de competências constitucionalmente instituídas para se saber de qual ente federado é a obrigação no âmbito interno da federação.

Aliás, a responsabilidade direta pode ser até mesmo de um ente privado, hipótese em que caberá uma ação de regresso da União em face do verdadeiro culpado pela violação de direito humano.

Em razão de nosso sistema orçamentário ser totalmente discriminado pela lei orçamentária anual, é bastante relevante saber exatamente de quem é a obrigação no âmbito interno da federação e a ele atribuir o ônus da sentença internacional. Sendo assim, estar-se-á preservando o princípio federativo.

Convém ainda observar que as sentenças da Corte são classificadas como sentenças internacionais, equiparadas à sentença nacional, e não se confundem com a sentença estrangeira, assim considerada aquela proferida por autoridades de outros países e que, para terem força executória no Brasil, devem passar pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, i, CF).

A homologação de sentenças estrangeiras decorre do princípio costumeiro internacional que desobriga o Estado a reconhecer decisões emanadas de outras soberanias. O procedimento perante o STJ objetiva certificar que a sentença estrangeira não ofende a soberania nacional nem a ordem pública e que se reveste dos requisitos extrínsecos indispensáveis à sua homologação.

Diferente é a situação da sentença internacional. Tendo em conta que os tribunais internacionais proferem sentenças por força de um tratado assinado e ratificado pelo Estado-parte, em que este transferiu parcela do seu poder de imperium quando se sujeitou à jurisdição daquele, não há que se falar em desrespeito à autonomia e à exclusividade da jurisdição do Poder Judiciário brasileiro ao acatar tal decisão sem necessidade de homologação.

Já a sentença internacional, como a proferida pela Corte Interamericana, advém de um organismo internacional do qual o Estado em que ela vai ser executada é sempre parte do tratado que o criou e aceitou expressa e espontaneamente sua jurisdição.

Sendo assim, não há que se falar em necessidade de homologação da sentença da Corte Interamericana para a sua execução no Brasil.28

Acresce-se ainda o argumento de que as competências estipuladas para o Superior Tribunal de Justiça encontram-se elencadas em um rol exaustivo listado no artigo 105 da Constituição Federal. Ao silenciar sobre a necessidade de homologação das sentenças internacionais, pode-se concluir pela orientação constitucional de negar a submissão das mesmas ao procedimento perante o STJ.

Ao aderir à jurisdição da Corte IDH, o Estado se submete às suas decisões em prol de valores maiores e constitucionais, como a prevalência dos direitos humanos. Assim, reafirma a dignidade humana como princípio estrutural do Estado e, para tanto, deve adaptar seu ordenamento interno para recepcionar esta decisão internacional dentro de suas fronteiras territoriais.