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CAPÍTULO 4 AS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

4.1 Análise dos casos brasileiros na Corte Interamericana de

4.1.1 Caso Damião Ximenes Lopes (n° 139)

O Caso Damião Ximenes Lopes foi o primeiro envolvendo a questão da saúde mental a ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e o primeiro caso brasileiro a ser julgado por esta corte.

Em 22 de novembro de 1999, a brasileira I.X.L.M. exerceu seu direito de petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, levando ao conhecimento das autoridades internacionais as atrocidades cometidas contra seu irmão Damião Ximenes Lopes, que culminaram com sua morte dentro de uma clínica psiquiátrica que prestava serviços públicos.

Narra a petição inicial que, à época dos fatos, Damião tinha trinta anos de idade e sofria de depressão. De acordo com o que fora dito por sua família, ele foi internado em uma clínica psiquiátrica, chamada Casa de Repouso Guararapes, na cidade de Sobral, no Estado do Ceará, em uma sexta-feira pela mãe dele, A.X.L.. Às nove horas da manhã, na segunda-feira seguinte, sua mãe foi visitá- lo e o encontrou ensanguentado, com marcas de violência física em todo o corpo. Após o filho ser atendido pelo médico da clínica, ela deixou o lugar para pedir socorro e auxílio sobre como proceder. Ao chegar em casa, já lhe esperava a notícia da morte de Damião. A necropsia, realizada pelo próprio médico de Sobral apontou a causa da morte como parada cardíaca por razões indeterminadas.

Após anos tentando buscar justiça e descobrir o que de fato aconteceu com Damião dentro daquela clínica, a família não havia conseguido responsabilizar civil ou penalmente ninguém, nem mesmo havia conseguido provar perante a Justiça Brasileira que ele fora vítima de maus tratos que o conduziram à morte provavelmente pelos funcionários responsáveis pela clínica que o atendia pelo SUS.

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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006. Disponível em:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é o órgão do sistema interamericano com competência para examinar as comunicações encaminhadas por indivíduos ou entidades não governamentais contendo violação de direito humano por um Estado-parte.

Nesse sentido, foi a denúncia de I.X.L.M., que alegou culpa do Estado brasileiro pela morte de seu irmão, uma vez que a clínica em que ele foi internado prestava serviços públicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de ser injustificável a demora na prestação judicial e omissão na condução da investigação dos fatos.

Ao receber a denúncia, a CIDH decide sobre sua admissibilidade, solicita informações ao governo denunciado e, se entender necessário, pode ainda encaminhar o caso para julgamento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Vale lembrar que somente a Comissão e os próprios Estados-partes possuem legitimidade para encaminhar um caso à Corte, que é formada por sete juízes indicados pelos Estados membros da OEA.

Após detalhada análise do caso Damião Ximenes Lopes (Caso nº 12.2376), a Comissão Interamericana o apresentou para julgamento pela Corte em outubro de 2002.

Realmente, constatou-se que Damião fora vítima de maus tratos e tortura que o levaram à morte dentro da clínica psiquiátrica conveniada ao SUS onde ele estava internado para tratamento. Somada a essa barbárie, foi constatada a lentidão da Justiça Brasileira no desfecho dos processos civil e criminal que, após sete anos depois do ocorrido, ainda não haviam sido concluídos.

Na Corte Interamericana, houve uma ampla instrução probatória. Depois de o caso ter ganhado repercussão internacional, os governos municipal e estadual se ajustaram para o pagamento de uma pensão de um salário mínimo como indenização. A oferta foi recusada pela família, que estava interessada na reparação integral pelas atrocidades cometidas, o que inclui a obrigação de o Estado investigar o caso e conduzir os processos judiciais até final solução, em prazo razoável e com eficiência.

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ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Relatório N° 38/02: Caso 12.237: Damião Ximenes Lopes. Brasil. 9 out. 2002. Disponível em:

A lentidão da Justiça brasileira nos processos civil e criminal sobre a morte de Damião Ximenes Lopes foi o principal ponto questionado pelos juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos durante as audiências realizadas na Costa Rica, sede do tribunal. Sete anos depois da morte de Damião, ainda não havia um desfecho legal para o caso perante a Justiça Brasileira.

Por isso, o Brasil restou finalmente condenado pela Corte IDH pelo descumprimento dos artigos 8° (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção combinados com o artigo 1.1. (obrigação do Estado de respeitar os direitos da Convenção Americana).

A sentença impôs ao Brasil a obrigação de pagar uma indenização aos familiares da vítima, com valores fixados em dólares americanos. Estabeleceu, ainda, como outras formas de reparação, a obrigação de investigar os fatos que geraram as violações e publicação da sentença, como forma de reparação moral. Por fim, condenou-o às medidas de não repetição, determinando fossem realizados programas de capacitação para os profissionais de atendimento psiquiátrico do SUS, dentre outras políticas públicas, a fim de se evitar a ocorrência de fatos similares no futuro.

Este caso é um bom exemplo de como a Corte Interamericana não condena o Estado por violação de um direito social (direito à saúde), apesar de discutir amplamente sobre as falhas na prestação do serviço público, estritamente relacionadas a não promoção deste direito assegurado pela Convenção Americana e pela própria Constituição Federal.

Assim, o caso colocou em xeque a rede de tratamento psiquiátrico no Brasil. Como Damião foi morto em um hospital conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS), a defesa do Brasil perante a Corte, representada pela Advocacia- Geral da União, chegou a admitir a responsabilidade em relação às acusações de o Estado não ter garantido o direito à vida e à integridade do paciente.

A sentença também reconheceu que, durante o desenvolver do processo, políticas públicas foram adotadas logo após o caso ser de conhecimento do governo federal e tomar relevância internacional. Com destaque para a aprovação da Lei nº 10.216/20017, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica,

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BRASIL. Lei n. 10.216, 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 abr. 2001, p. 2. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: jul.2011.

além de terem sido criados leitos em hospitais do Estado do Ceará e o número de centros de atenção psicossocial ter aumentado consideravelmente.

Não obstante, a sentença da Corte Interamericana reiterou a necessidade de o Estado brasileiro continuar desenvolvendo programas de governo para a melhora da prestação do serviço de saúde mental no país.

Em relação à indenização pecuniária a ser paga pelo governo brasileiro, foi editado o Decreto nº 6.185/20078, autorizando a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República a dar cumprimento à sentença exarada pela Corte Interamericana, considerando a criação prévia de uma rubrica orçamentária “para pagamento de indenização a vítimas de violações das obrigações contraídas pela União por meio de adesão a tratados internacionais de proteção de direitos humanos”.

No tocante às medidas de não repetição9, várias atitudes foram tomadas. O Município de Sobral, no Estado do Ceará, onde se encontrava a clínica psiquiátrica envolvida no caso, formou uma comissão para investigar a responsabilidade desta clínica na morte de Damião; também implementou a Rede de Atenção Integral à Saúde Mental de Sobral; em 2000, foi celebrado um convênio entre o Programa Saúde da Família e a Equipe de Saúde Mental do Município de Sobral; foi criada uma Unidade de Internação Psiquiátrica dentro do Hospital Geral do Município de Sobral; foi criado um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) especializado no tratamento de pessoas com problemas mentais; foi criado um CAPS especializado no tratamento de pessoas com dependência ao álcool e outras substâncias psicotrópicas; foi criado o Serviço Residencial Terapêutico; foi criada uma unidade ambulatorial de Psiquiatria Regionalizada no Centro de Especialidades Médicas e equipes do Programa Saúde da Família.

No âmbito federal, a partir de 2002, foi criado o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares Psiquiátricos; em 2004, foi implementado o Programa de Reestruturação Hospitalar do Sistema Único de Saúde; foi implementado o “Programa de Retorno à Casa”; dentre outras medidas.

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BRASIL. Decreto n. 6.185, de 13 de agosto de 2007. Autoriza a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República a dar cumprimento à Sentença exarada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 ago. 2007. p. 253. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6185.htm>. Acesso em: jul.2011. 9

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, 17 de maio de 2010. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Supervisión de cumplimento de sentencia. Disponível em:

Desta forma, vem sendo dado cumprimento à sentença internacional proferida pela Corte Interamericana no Caso Damião Ximenes Lopes. Em verdade, no início do caso perante a Corte Interamericana, estava-se diante de uma lacuna normativa sem precedentes para orientar a Administração Pública quanto ao seu modo de agir.

A despeito da falta de legislação interna orientando a forma a ser seguida, o Estado brasileiro não se furtou à representação nas audiências da Corte, nem em reconhecer suas falhas no caso em análise. Assim, tem dado cumprimento à sentença condenatória da Corte, dentro das suas possibilidades orçamentárias e com total observância à Constituição Federal.

O processo ainda se encontra em fase de cumprimento de sentença, porquanto os problemas apontados pela Corte, relacionados à prestação jurisdicional e ao serviço público de saúde não serão resolvidos em pouco tempo.