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CAPÍTULO 2 O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

2.4 A Corte Interamericana de Direitos Humanos

2.4.1 A legitimidade da jurisdição internacional

A Corte é o órgão jurisdicional do sistema interamericano dotado de competência consultiva e contenciosa. Possui sede em São José da Costa Rica e é formada por sete juízes especialistas em Direitos Humanos indicados pelos Estados- partes da Convenção.

21 BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006.. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 ago. 2006. p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: jul.2011.

Sua competência contenciosa deriva de declaração específica reconhecendo-a, ou seja, o Estado-parte, mesmo sendo signatário da Convenção Americana, precisa ainda ratificar expressamente sua aceitação à jurisdição internacional da Corte Interamericana. Até o momento, 21 países, dos 24 Estados- partes da Convenção, reconheceram sua jurisdição até o momento.22 O Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte mediante o Decreto Legislativo nº 8923, de 3 de dezembro de 1998, para os casos ocorridos a partir daquela data:

Art. 1º É aprovada a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional.

É importante notar que a Corte nunca substitui a jurisdição interna dos Estados, nem opera como uma quarta instância. A sua competência está relacionada à análise dos atos estatais conforme as obrigações assumidas em decorrência da ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos. A respeito da competência contenciosa da Corte, afirma Antônio Augusto Cançado Trindade24:

Os Tribunais internacionais de direitos humanos existentes - as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos – não substituem os Tribunais internos, e tampouco operam como tribunais de recursos ou de cassação de decisões dos Tribunais internos. Não obstante, os atos dos Estados podem vir a ser objeto de exame por parte dos órgãos de supervisão internacional, quando se trata de verificar a sua conformidade com as obrigações internacionais dos Estados em matéria de direitos humanos.

22 CONFERÊNCIA ESPECIALIZADA INTERAMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. B-32: Convenção Americana de Direitos Humanos: Pacto de San José de Costa Rica. 22 nov. 1969b. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm>. Acesso em: jun. 2011.

23

BRASIL. Decreto Legislativo n. 89, de 3 de dezembro de 1998. Aprova a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 4 dez. 1998. p. 2. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=150844>. Acesso em: jul. 2011.

24 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, DF, v. 46, n. 182, p. 33, jul./dez. 1993.

A Corte Interamericana, portanto, jurisdicionalizou a proteção dos direitos humanos em âmbito internacional, isto é, fora dos limites de soberania de cada Estado.

Quando os Estados reconheceram a jurisdição da Corte internacional, romperam com a clássica definição de soberania, ligada ao absolutismo e ao imperialismo, e adotaram a sua mais nova concepção, que é a de elemento de legitimidade do poder: “O princípio da soberania do povo estabelece um procedimento que, a partir de suas características democráticas, fundamenta a suposição de resultados legítimos.”25

Conclui-se, então, ser legítimo que em nome da proteção dos direitos humanos o Estado se submeta à jurisdição de uma Corte internacional da qual ratificou seu tratado de criação, sem que isso signifique o enfraquecimento de sua soberania. Pelo contrário, o Estado está fortalecendo sua democracia e promovendo os direitos fundamentais elencados na sua Constituição.

Sendo assim, a sentença da Corte Interamericana nunca é um ato de intervenção não autorizada na soberania estatal. Trata-se de decisão proferida por um órgão internacional, do qual o Estado julgado aceitou expressamente a sua jurisdicionalidade, seja por razões políticas, seja por princípio constitucional como o da primazia dos direitos humanos.

Outro dado relevante a ser observado é o de que a jurisdicionalização dos direitos humanos não precisa aspirar à universalidade para legitimar-se. Não é pelo fato de apenas alguns países aceitarem a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos que a validade de suas sentenças esteja comprometida.

A atuação da Corte tem fundamento na teoria da responsabilidade internacional do Estado e independe de reciprocidade, porquanto baseada no tratado que ratificou a sua criação.

A jurisprudência da Corte, apesar de recente, tem sido eficaz na proteção dos direitos humanos, principalmente quando as instituições nacionais se mostraram omissas ou falhas.

No entanto, para maximizar essa eficácia ainda é necessário que os Estados criem legislação interna relativa à implementação das decisões internacionais em matéria de direitos humanos, isto é necessário que os Estados

25 HABERMAS, Jürgen. Sobre a legitimação pelos direitos humanos. In: MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz (Org.). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003.

definam a forma a ser adotada no processo de internalização da sentença internacional.

O artigo 2º da Convenção Americana estabelece o dever de o Estado- parte adotar disposições de direito interno para poder cumprir com as obrigações que assumiu no âmbito da comunidade internacional interamericana, inclusive para executar a sentença que eventualmente lhe seja imposta pela Corte Interamericana. Tudo visando a realizar na prática os direitos humanos pela Convenção

anunciados. O teor do artigo 2º é o seguinte:

Art. 2º. Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no art. 1o ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. O sistema interamericano de direitos humanos é bastante atuante, havendo mais de 200 casos julgados pela Corte26 desde 1987 sendo cinco casos contra o Estado brasileiro até julho de 2011.

Da análise das condenações do Brasil na Corte Interamericana, pode- se constatar que elas refletem os principais problemas relacionados às violações de direitos humanos em nosso país. A primeira condenação, no Caso Ximenes Lopes, avaliou a questão da saúde pública, que apresenta muitas falhas, apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) ter sido criado como um modelo ideal para a social democracia.

Em outras duas condenações, Caso Escher e Caso Garibaldi, foi possível discutir os conflitos agrários do nosso Estado e a questão da reforma agrária. Enfim, na última condenação, Caso Gomes Lund e Outros, a Corte analisou os crimes da ditadura militar, que foram uma mancha na história brasileira.

A legitimidade ativa para atuar na Corte é da Comissão Interamericana, como já visto, mas também de outros Estados-partes (artigo 61 da Convenção), apesar de até o momento nenhum Estado Americano ter feito denúncia contra outro na Corte. A legitimidade passiva, por sua vez, é sempre de um Estado que tenha aceitado expressamente a jurisdição da Corte, o que, aliás, está prevista na Convenção Americana como cláusula facultativa, conforme já analisado.

26 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Jurisprudência: casos contenciosos. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm>. Acesso em: jul.2011.

A defesa técnica do Brasil perante esta Corte é feita pela Advocacia- Geral da União (artigo 131, da Constituição Federal), instituição essencial à justiça, prevista constitucionalmente com competência para representar a União judicial e extrajudicialmente. No entanto, a representação da República Federativa do Brasil perante a Corte é também feita pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Portanto, há uma equipe multidisciplinar de experts no assunto para a defesa do Brasil perante a Corte, dentre advogados, diplomatas e membros do governo.

Deste modo, no exercício da sua função jurisdicional, a Corte, de fato, julga o Estado acusado e profere sentença que, sendo condenatória, declara a responsabilidade internacional do Estado pela violação de direitos humanos.