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CAPÍTULO 1 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

1.5 A internalização dos tratados internacionais de Direitos Humanos

1.5.1 Análise da prisão civil do depositário infiel

A prisão civil do depositário infiel é o melhor exemplo de norma constitucional (artigo 5º, LXVII, CF) conflitante com tratado internacional de direitos humanos.

Dispõe o inciso LXVII, do artigo 5º da Constituição Federal: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

Por sua vez, o Pacto de San José da Costa Rica (ratificado e aprovado pelo Decreto Legislativo n° 27, de 25 de setembro de 1992)45 e o Pacto de Direitos

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Conforme disposição de seu artigo 7: [...] 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

BRASIL. Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992. Aprova o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José) celebrado em São Jose da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, por ocasião da Conferencia Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 28 maio 1992. p. 6586. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=136444>. Acesso em: jun. 2011.

Civis e Políticos (adotado na legislação interna por força do Decreto Presidencial n° 592, de 06 de julho de 1992)46, proíbem tal coerção, admitindo somente a prisão civil do inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia.

Como visto anteriormente, a Constituição de 1988 inovou no seu artigo 5º, parágrafo 2º, o qual dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” E no parágrafo 1º deste mesmo artigo impõe que: “[...] os tratados de direitos humanos têm incorporação automática no ordenamento constitucional brasileiro.”

Ainda, o artigo 27 da Convenção de Viena dispõe que: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa para o inadimplemento de um tratado.”

Logo, a prisão civil do depositário infiel e das figuras a ele equiparadas representava nítida afronta aos direitos humanos previstos nos tratados internacionais assinados pelo Brasil.

Por consequência, surgiram várias discussões sobre a interpretação de qual seria a eficácia dos tratados sobre direitos humanos perante a Constituição Federal de 1988 e se possível ou não a prisão civil do depositário infiel e do alienante fiduciário (Decreto-Lei n° 911/6947).

De acordo com Flávia Piovesan48, havia quatro posicionamentos sobre a questão: a) o que defende a natureza constitucional dos Tratados de Direitos Humanos; b) o que defende que os Tratados de direitos humanos possuem status paritário ao da lei federal (primeira posição do STF); c) o que acredita na força

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Conforme seu artigo 11: Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

BRASIL. Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 7 jul. 1992. p. 8716. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990- 1994/D0592.htm>. Acesso em: jun. 2011.

47 Id. Decreto-Lei n. 911, de 1 de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 3 out. 1969. p. 8361.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0911Compilado.htm>. Acesso em: jul. 2011.

48 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 68.

supraconstitucional desses tratados; d) o que sustenta a força infraconstitucional dos tratados tradicionais, porém a força supralegal dos tratados de direitos humanos.

E Piovesan49 sempre defendeu o primeiro posicionamento, que o tratado de direitos humanos deve ter força de norma constitucional:

Acredita-se, ao revés, que conferir hierarquia constitucional aos

tratados de direitos humanos, com a observância do princípio da prevalência da norma mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com sua racionalidade e principiologia. Trata-se de

interpretação que está em harmonia com os valores prestigiados pelo sistema jurídico de 1988, em especial com o valor da dignidade humana – que é valor fundante do sistema constitucional.

No entanto, a posição do STF era que os tratados internacionais sobre direitos humanos tinham a mesma hierarquia e força de lei ordinária no ordenamento jurídico interno, sendo, portanto, possível a prisão do depositário infiel, como mostra o entendimento do Ministro Celso de Mello50 no ano de 2000:

[...] A QUESTÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS - A ordem constitucional vigente no Brasil - que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) - não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República. Precedentes. A Convenção Americana

sobre Direitos Humanos, além de subordinar-se, no plano hierárquico-normativo, à autoridade da Constituição da República, não podendo, por isso mesmo, contrariar o que dispõe o art. 5º, LXVII, da Carta Política, também não derrogou - por tratar-se de norma infraconstitucional de caráter geral (lex

generalis) - a legislação doméstica de natureza especial (lex specialis), que, no plano interno, disciplina a prisão civil do

depositário infiel.

49

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 64. (grifo nosso).

50

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 80035. Relator Ministro Celso de Mello. Segunda Turma. Jul. 21/11/2000. DJ 17-08-2001 PP-00053 EMENT VOL-02039-01 PP-00463. Disponível em <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=depositario+infiel+e+tratado+e+lei +ordinária&base=baseAcordaos>. Acesso em: maio 2011. (grifo nosso).

No entanto, a Emenda Constitucional n° 45, de 08 de dezembro de 2004, trouxe o seguinte §3º ao artigo 5º: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Com este dispositivo constitucional, não havia mais dúvida quanto aos futuros tratados internacionais sobre direitos humanos, que teriam força constitucional se aprovados com quórum qualificado51.

Porém, manteve-se a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre qual seria a hierarquia dos tratados de direitos humanos ratificados antes da EC n. 45/04, que não foram aprovados pelo quórum qualificado.

Depois de muito discutir a respeito, predominaram duas correntes na Suprema Corte brasileira: a defendida pelos ministros Celso de Mello, Cesar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que acreditavam que os tratados ratificados antes de 2004 também situavam na mesma hierarquia constitucional; e a posição majoritária dos demais ministros, a qual defendia que os tratados internacionais de direitos humanos aprovados antes da EC n° 45/04 possuíam força supralegal, ou seja, acima da lei, mas abaixo da constituição federal.

Defendida pela primeira vez no HC n° 79.785/RJ, pelo Min. Sepúlveda Pertence, essa é a corrente que predomina hoje no STF, a partir do RE n° 466.343/SP52:

[...] parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém,

51 No site da Presidência da República, encontra-se a informação de que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foi aprovado, em 2009, pelo Congresso Nacional com quórum especial, sendo, portanto, equivalente a Emendas Constitucionais.

BRASIL. Decreto n. 6.949, de 25 agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 ago. 2009. p. 3. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em: jun. 2011.

52

Id. Supremo Tribunal Federal. RE 466.343/SP. Relator Ministro Cesar Peluso. Jul. 03/12/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf>. Acesso em: jun. 2011. (grifo nosso).

diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de

supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos

humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico.

Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana. Conclui-se também que as normas de hierarquia

inferior perderam a validade, não importa se for anterior ou posterior o tratado sobre direitos humanos.

Comentando o julgado, observa André de Carvalho Ramos53:

Essa nova posição prevalecente no STF foi capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, que, retomando a visão pioneira de Sepúlveda Pertence (em seu voto no HC 79.785/RJ) sustentou que

os tratados internacionais de direitos humanos, que não forem aprovados pelo Congresso Nacional no rito especial do art. 5º, § 3º, da CF/1988, tem natureza supralegal: abaixo da Constituição,

mas acima de toda e qualquer lei. Caso o tratado tenha sido aprovado pelo rito especial do art. 5º, § 3º, da Constituição, este será equivalente à emenda constitucional.

Especificamente sobre a prisão civil, analisando as constituições passadas, verifica-se que a Constituição de 1934 já vedava, sem qualquer exceção, a prisão civil por dívida, multas ou custas.

Somente a partir da Constituição de 1946, e em seguida com a Constituição de 1967, excepcionou-se a prisão por dívida civil, admitindo a prisão de devedor alimentício e a prisão do depositário infiel. Porém, no texto destas duas constituições, havia disposto que a prisão civil era admitida “na forma da lei” e, a partir disso, foi possível a interpretação que aceitava a prisão de qualquer depositário, inclusive das figuras equiparadas, como o alienante fiduciário.

Com a Constituição de 1988, a previsão de prisão civil continuou a ser do devedor de alimentos e do depositário infiel, com a diferença da retirada da expressão “na forma da lei”. Por isso, muitos juristas passaram a defender que não se podia admitir a prisão civil do alienante fiduciário.

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RAMOS, André de Carvalho. Crimes da Ditadura Militar: a ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Crimes da ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. p. 177-178. (grifo nosso).

O STJ há muito tempo pacificou o entendimento no sentido de que, em caso de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, é inviável a prisão civil do devedor fiduciário, porquanto as hipóteses de depósito atípico não estariam inseridas na exceção constitucional restritiva de liberdade, inadmitindo-se a respectiva ampliação.

E não tardou para esta Corte evoluir na proteção dos direitos humanos e considerar também a prisão civil do próprio depositário infiel, contrária aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, mais conservador e preocupado com as questões de soberania nacional, demorou para reconhecer a ilegitimidade da prisão civil do depositário infiel. Foi no julgamento de 9 de junho de 2009 (HC n° 96772/SP54), cujo Relator foi o Min. CELSO DE MELLO, que se chegou à histórica decisão:

"HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE

DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? -

PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula n° 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n° 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui

54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 96772/SP. Relator Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 09.06.2009. DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811. RT v. 98, n. 889, 2009, p. 173-183. Disponível em:

<http://m.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5622>. Acesso em: jul. 2011.

hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e

Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que

prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação,

ao caso, do Artigo 7º, n° 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.

Portanto, neste caso específico, chegou-se à conclusão que, quando um tratado sobre direitos humanos vier a contrariar a Constituição, deve prevalecer a norma mais favorável ao ser humano (pro homine). No caso da prisão civil do depositário infiel, deve prevalecer a dignidade e a liberdade do ser humano, ou seja, devem prevalecer as regras dos tratados internacionais que proíbem esta prisão.

Assim, o entendimento sobre a prisão civil do depositário infiel restou totalmente pacificado, tanto pelo STJ (Súmula n° 41955), quanto pelo STF (Súmula n° 2556).

O artigo 5º, LXVII, da Constituição Federal ainda possui a redação que possibilita a prisão civil do depositário infiel, porém é tido como ineficaz. A única forma de prisão civil no Brasil ficou a do inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia.

Portanto, em regra, os tratados de direitos humanos possuem status supralegal. Esta é a atual posição do STF. Porém, especificamente no caso da prisão civil do depositário infiel, restou adotada a posição sustentada pelos monistas, anteriormente aventada neste estudo, de que: no conflito de normas de direitos humanos, prevalece aquela mais favorável à pessoa, seja ela de direito interno ou de direito internacional: in dubio pro libertate: libertas omnibus rebus favorabilior est (na dúvida pela liberdade: em todos os assuntos e circunstâncias, é a liberdade que merece maior favor).

No momento histórico atual, esta posição era esperada, visto que a liberdade e a dignidade do ser humano são direitos fundamentais priorizados por nossa Constituição. A abolição da prisão do depositário infiel e suas equiparações é hoje uma visão dominante no Brasil e reforça a ideia de uma nova pirâmide jurídica, em que as leis devem estar de acordo não somente com a Constituição, mas também a favor dos tratados internacionais de direitos humanos57. Essa é a posição que se espera seja cristalizada no Supremo Tribunal Federal.

55

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 419. Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num='419'>. Acesso em: jul. 2011.

56 Id. Supremo Tribunal Federal. Súmula 25. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Sessão Plenária de 16/12/2009. DJe nº 238 de 23/12/2009, p. 1. DOU de 23/12/2009, p. 1. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=25.NUME.ES.FLSV.&base= baseSumulasVinculantes>. Acesso em: jul. 2011.

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GOMES, Luiz Flávio. Decisão histórica do STF: fim da prisão civil do depositário infiel. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1993, 15 dez. 2008. Disponível em: