• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

2.4 A Corte Interamericana de Direitos Humanos

2.4.4 As medidas de não repetição

A partir da declaração de responsabilidade internacional do Estado, a sentença internacional impõe obrigações ao condenado na tentativa de reparar as violações cometidas. Cabe, então, ao Estado condenado acatar a decisão internacional e internalizar os seus mandamentos, cumprindo com suas obrigações e cooperando com a Corte Interamericana, porquanto o respeito às suas decisões também fortalece e legitima o sistema interamericano.

No caso do Brasil especificamente, o artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (que possui status constitucional) dispõe que nosso Estado propugnará pela criação de um tribunal internacional de direitos humanos. Logo, faz todo sentido que ele respeite a Corte Interamericana, respeite sua jurisdição e cumpra com suas sentenças, cooperando com este tribunal internacional.

Uma vez proferida a sentença condenatória pela Corte Interamericana, ela deverá ser executada pelo Estado-parte de acordo com seu ordenamento

jurídico interno, ou seja, há liberdade quanto à forma de execução das sentenças. Esta decisão será executada conforme a normatividade interna de cada Estado. Isto é, desde que cumpra em um prazo razoável, porquanto o descumprimento da sentença implica nova violação das obrigações internacionais.

Como visto acima, as sentenças da Corte Interamericana geralmente fixam indenizações pecuniárias (pelos danos materiais e morais) e algumas obrigações de fazer consistentes em reparação ao mal causado. Dentre estas obrigações de fazer, encontram-se as medidas de não repetição.

Também como já analisado, desde a primeira sentença condenatória contra o Brasil, no Caso Ximenes Lopes, que a União passou a prever rubrica orçamentária com destinação de verbas para pagamento das indenizações impostas por organismo internacional, facilitando o cumprimento desta parte da sentença.

Então, por fim, as indenizações estabelecidas pelas sentenças da Corte Interamericana mostraram-se a parte mais simples de ser cumprida pelo Estado condenado, pois resumem toda a complexa discussão em pagamento pecuniário.

No entanto, a indenização nunca é suficiente por si só. Em casos de violações de direitos humanos, como do direito à vida e à integridade física, a volta ao status quo ante é muito difícil (e, às vezes, impossível). Assim, geralmente, são fixadas outras medidas de reparação, dentre elas, inclusive, medidas com o fim de que o Estado evite futuras outras violações.

As medidas de não repetição são reparações impostas pela Corte Interamericana consistentes em obrigações ao Estado condenado no sentido de adotar medidas administrativas ou mesmo legislativas para prevenir outras violações de direitos humanos como a ocorrida e declarada pela sentença.

Dentro do conceito de reparação integral, está incluída a garantia de não repetição, pela qual o Estado deve assegurar que os atos lesivos ocorridos não se repetirão.

Pode-se mesmo dizer que se trata de imposição internacional de que o Estado adote políticas públicas tendentes à concretização dos direitos humanos que restaram violados.

Esta obrigação internacional aplicada pela sentença da Corte se dirige ao Estado soberano, pessoa jurídica de direito internacional, por exemplo ao Brasil. Já no âmbito interno, quando da internalização da sentença, a obrigação imposta

pode ter que ser cumprida por qualquer um dos três poderes do Estado, executivo, legislativo ou judiciário, e ainda pode ter que ser cumprida por qualquer dos entes da federação: União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Tanto a garantia de não repetição como as demais obrigações de fazer impostas na sentença da Corte Interamericana são direcionadas ao Estado brasileiro em sentido amplo, devendo ser cumprida pelo Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, de todos os entes federados.

Cita-se o último caso brasileiro julgado pela referida Corte, o Caso da Guerrilha do Araguaia45: a obrigação de investigar e sancionar os responsáveis é, internamente, obrigação do Poder Judiciário e, pode-se mesmo dizer que é também uma obrigação imposta ao Ministério Público, que no Brasil é a quem cabe a titularidade da ação penal pública.

Após a prolação da sentença, a Corte Interamericana acompanha o seu cumprimento pelo Estado condenado e, anualmente, faz relatórios que são enviados à Assembleia Geral da OEA.

Da análise das resoluções de supervisão de sentenças emitidas pela Corte, verifica-se que os países que aceitaram sua jurisdição vem cumprindo regularmente com as sentenças que lhe foram impostas, alguns de maneira mais rápida, outros encontrando maiores dificuldades. Mas nenhum deles se opôs ao seu cumprimento de forma explícita, negando sua jurisdição ou sua competência. Aliás, isso somente poderia ser feito com a denúncia do tratado, pelo qual o Estado deixaria de participar do Pacto de San José.

Nessas resoluções, é nítido que os Estados cumprem com mais facilidade a obrigação de indenizar monetariamente as vítimas. Por outro lado, enfrentam grandes empecilhos para o cumprimento das medidas de não repetição, notadamente no tocante à realização de políticas públicas para dar efetividade aos direitos humanos violados.46

As obrigações não pecuniárias têm sido menos cumpridas pelos Estados condenados, principalmente, por não existir um consenso sobre qual o

45

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund y Otros. Guerrilha do Araguaia vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf>. Acesso em julho/2011.

46

MAEOKA, Erika. O acesso à justiça e a proteção dos direitos humanos: os desafios à exigibilidade das sentenças da Corte Interamericana. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/04_109.pdf>. Acesso em: fev. 2011.

procedimento a ser adotado, como quando falta legislação interna a orientar o órgão administrativo responsável pela distribuição dos comandos da sentença.

Muitas vezes, são necessárias medidas que demandam tempo para serem resolvidas, por exemplo, políticas públicas na área da saúde, políticas de reforma agrária, políticas de implementação de direitos trabalhistas, dentre outras. Não raro o problema detectado pela Corte é uma pendência histórica do Estado, que há anos vem se tentando eliminar.

Realmente, não é fácil a tarefa da Corte em condenar um Estado exigindo que o mesmo adote medidas legislativas, administrativas e mesmo judiciárias, objetivando à concretização dos direitos humanos, porque várias questões por ela tratadas exigem um alto gasto público e o sistema interamericano é formado em sua maioria por países em desenvolvimento, com economias instáveis.

Convém observar que o artigo 2º da Convenção Americana preleciona ser dever do Estado-parte adotar disposições de direito interno, de acordo com as suas normas constitucionais, para tornar efetivos os direitos e liberdades nela mencionados.

Portanto, pode-se entender que a Convenção permite também que o Estado adote as medidas de não repetição de acordo com as suas condições financeiras, fazendo o melhor dentro do possível.

De toda forma, o Estado não pode se esquivar do cumprimento da sentença, alegando impossibilidade financeira de cumpri-la. O importante é cumprir as medidas de não repetição com razoabilidade e seriedade, de forma apartidária e em prol da população como um todo.

O artigo 2º da Convenção estabelece a necessidade de se criar um procedimento de execução para as sentenças internacionais, conferindo-lhe agilidade e eficiência. Sendo a obrigação internacional uma obrigação de resultado, como visto acima, independem os meios para se assegurar os direitos humanos.

Quando a Corte Interamericana condena um Estado-parte, impondo a ele a realização de determinada política pública, é possível equiparar esta sentença a uma sentença nacional para fins de execução, ou seja, ela será cumprida nos limites da proporcionalidade da condenação, observando a realidade estrutural e orçamentária existente.

É certo que as obrigações não pecuniárias impostas aos Estados têm como objetivo a punição e a prevenção de novas violações, com a pretensão de eliminar as deficiências da rede interna de proteção dos direitos humanos.

A eficácia do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos está diretamente vinculada ao êxito da execução dessas decisões da Corte. A Justiça internacional somente cumprirá efetivamente seu papel de promover os direitos humanos no momento em que as suas decisões forem acatadas de boa-fé e com lealdade pelos Estados parte.

A experiência mostra que as políticas públicas podem ser promovidas por meio da jurisdição, seja ela nacional ou internacional, o que muito contribui com a realização dos direitos humanos.

No capítulo seguinte, será estudada a implementação de políticas públicas por meio de sentenças judiciais, com o intuito de equiparar a execução dessas sentenças à execução das sentenças internacionais.

Será possível notar que as mesmas dificuldades encontradas na execução das sentenças nacionais se aplicam, mutatis mutandi, às sentenças da Corte Interamericana no tocante às medidas de não repetição, enquanto adoção de políticas públicas.