• Nenhum resultado encontrado

Quadro metodológico

1.1. A divisão do trabalho

A divisão do trabalho, de que derivam tantas vantagens, não procede originalmente da sabedoria humana, na sua tentativa de prever e procurar atingir a opulência geral que ela ocasiona. É antes consequência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa propensão para cambiar, permutar ou trocar uma coisa por outra. (…) É comum a todos os homens e não se encontra em quaisquer outros animais, que parecem desconhecer esta e todas as outras espécies de contratos. (Smith, 1981: 93)

(Anexo 2)

1

“[Esta expressão não era corrente, se é que alguma vez tenha sido usada antes. A sua utilização aqui é provavelmente devida a um trecho da Fábula das Abelhas, de Mandeville, parte II, diálogo VI, p. 335:

“CLEO… Uma vez que os homens passam a ser governados por leis escritas, todo o resto evolui

rapidamente… Uma vez que desfrutem de paz e não se vejam na necessidade de temer o próximo, os homens não tardarão a aprender a dividir e subdividir o seu trabalho. HOR. Não te compreendo. CLEO. O homem, como já antes dei a entender, gosta de naturalmente imitar o que vê os outros fazer: é por isso que entre os selvagens todos fazem a mesma coisa, o que os impede de melhorar a sua condição, embora o desejem constantemente. Mas se um deles se aplicar inteiramente à manufatura de arcos e flechas, enquanto um outro se ocupa da alimentação, um terceiro constrói palhoças, um quarto trata do vestuário e quinto das ferramentas, eles não só se tornarão úteis uns aos outros, como os seus ofícios e ocupações, no mesmo número de anos, serão beneficiados, por aperfeiçoamentos muito superiores do que se cada um deles tivesse seguido indiscriminadamente pelos outros cinco. HOR. Creio que nisso tens toda a razão. E a verdade do que dizes salta especialmente no fabrico de relógios que atingiu já um grau de perfeição superior ao que lhe teria sido possível alcançar se toda a atividade tivesse continuado entregue a uma só pessoa; e estou convencido de que a profusão de relógios de todos os tipos de que dispomos, bem como a sua precisão e beleza, se devem principalmente à divisão dessa arte em grande número de tarefas”. No índice remissivo aparece: “Trabalho, Da vantagem de o dividir e subdividir”…] (Smith, 1981: 81-82).

Volume I _____________________________________________________________________________________________________________________________

…O homem necessita quase constantemente do auxílio dos seus congéneres e seria vão esperar obtê-lo somente da sua bondade. Terá maior probabilidade de alcançar o que deseja se conseguir interessar o egoísmo deles a seu favor e convencê-los de que terão vantagem em fazer aquilo que ele deles pretende.(…) Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o seu egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das vantagens deles. (Smith, 1981: 94-95)

(Anexo 3)

“…todo o saber começa por ser uma metáfora de outro saber” (Louçã, cit. in Murteira, 2003: 11)

Desde George Buffon (1707-1788) e Thomas Malthus (1766-1834) que se passou a admitir, com algum vigor, a hipótese de que

o efectivo de uma população cresce mais depressa que os seus recursos. Assim, sob o efeito da pressão demográfica, todos os grupos humanos tendem espontaneamente para um estado de falta, que provoca uma competição severa em cada geração. Essa luta acaba por fazer descer o número de indivíduos para limites aceitáveis (ou seja, compatíveis com os recursos naturais), graças ao triunfo dos mais bem armados e ao desaparecimento dos outros. (Malthus, cit. in Ruffié, 1982: 9)

Esta perspetiva associada a uma vaga2 de novos saberes então adquiridos lançou um inevitável olhar sobre a noção de evolução.

As analogias com o domínio humano, não tardaram em chegar e conduziram distintos cientistas (de época) (Anexo 4) a teorizar sobre a sociobiologia e o darwinismo social durante o Séc. XIX. Em alguns casos, firmando o seu papel na história como pais do “racismo pseudocientífico”.

2

Jean-Baptiste Lamarck, Adam Smith (economia liberal), Kant e Laplace (astronomia), Hutton e Lyell (geologia), Herbert Spencer, Huxley (zoologia), Hooker (botânica) entre tantos outros; homens de ciência que precederam Charles Darwin, e que de alguma forma questionaram a condição humana para além da perspetiva criacionista e fixista vigente até então; e abriram caminho à afirmação do racionalismo moderno na forma de pensar e organizar as sociedades em termos económicos e políticos, segundo a perspetiva de um ‘movimento transformista’ e dinâmico que agora brotava.

_____________________________________________________________________________________________________________________________

Contudo, o que queremos reter é o facto de a capacidade humana não se coibir de considerar todas as possibilidades inteligíveis na capacidade de organização social, na gestão, aproveitamento e distribuição da escassez de recursos disponíveis.

Ainda que hoje olhemos com a necessária e pudica distância algumas destas perspetivas que tentavam enquadrar e legitimar a odisseia colonialista dos Séc. XVIII, XIX e XX e a supremacia de uns povos sobre outros (anexo 5), a verdade é que elas tiveram lugar e apesar dos esforços em sentido contrário3, acabaram por assumir-se como uma das explicações e linha de pensamento possível, na interpretação do comportamento humano ao longo da História (recente).

Quando Marx e Engels publicam os seus primeiros escritos, introduzem a noção revolucionária de Transformismo social numa sociedade que crê cegamente na revelação, no fixismo, e que, a nível das classes dirigentes, se mostra convencida da excelência da sua organização. Os pais do socialismo científico encontraram um argumento de peso no transformismo das espécies defendido por Darwin4. - Se as espécies animais evoluem à procura de um melhor equilíbrio, por que razão as sociedades humanas não farão o mesmo? Em suma o socialismo resultaria do capitalismo como uma espécie superior nasce de uma espécie precedente, inferior. No plano social, a revolução equivale à especiação no domínio biológico. A “grande noite” anuncia uma humanidade nova. (Ruffié, 1982: 33)

Segundo a perspetiva destes dois autores, a burguesia capitalista, ocupava indevidamente, o topo da pirâmide através de uma relação de força/usurpação, baseada na apropriação e exploração coerciva da força de trabalho, que a posse cumulativa de capital lhes conferia. Comparando com a teoria evolucionista de Darwin, esta perspetiva pouco afastaria o género humano dos demais grupos do reino animal. No entanto, movidos pela

3

De assinalar os estudos e esforços desenvolvidos pelo médico Paul Broca (1824-1880) que criou a Sociedade Antropologia de Paris e criticou o uso indevido das teorias de Darwin no contexto social; pelo antropologista germano-americano Franz Boas (1858-1942); e pelas antrpologistas americanas Margaret Mead (1901-1978) e Ruth Benedict (1887-1941), entre outros, no sentido de contrapor e refutar os princípios do darwinismo social e da sociobiologia. Foram particularmente notórias as suas posições na defesa da ideia da não existência de raças puras e da não supremacia biológica de um grupo sobre outro.

4

A 19 de dezembro de 1860, Marx escrevia a Engels referindo-lhe que via na obra de Darwin “o fundamento fornecido pela história natural à nossa visão”; e a 16 de janeiro numa carta a Lassale acentuava “a base fornecida pela ciência da natureza à luta de classes” Karl Marx, carta a Lassale citada por Naccache, op. Cit., 1980, p. 18 (Ruffié, 1982: 35). “A história de qualquer sociedade passada é a história das lutas de classes, Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos, mestres artífices e artesãos, numa palavra, opressores e oprimidos, estiveram em oposição constante uns contra os outros e travaram uma luta sem tréguas, umas vezes dissimulada, outras vezes aberta, luta que, de cada vez acaba com a transformação revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em luta” (Karl Marx, 1848, cit. in Ruffié, 1982: 34).

Volume I _____________________________________________________________________________________________________________________________

convicção de que “ao nível humano, os fatores que intervêm na constituição e no valor dos grupos não são unicamente biológicos, mas também sociológicos e culturais” (Ruffié, 1982: 36), formularam uma teoria social e política (pretensamente) equitativa (Socialismo científico), que previa uma inversão desta tendência através da exaustão de uma luta de classes que culminaria na estatização da vontade do proletariado a nível global (Anexo 6).

Contudo, o que acabou por verificar-se (não obstante da expansão além do berço Europeu dos seus ideais, sobre as mais variadas aplicações) foi sobretudo, a subversão dos princípios inicialmente defendidos, esquecendo o seu devir marxista. O partido (nova classe que agora detinha o poder e a riqueza) abandonava o proletariado e as promessas de justiça e liberdade. “O todo servido por uma burocracia pesada [centralizada] e minuciosa ao extremo, mas notavelmente eficaz como aparelho de controlo, ou mesmo de repressão” (Ruffié, 1982: 40-41).

Mas quanto mais os animais lá fora olhavam, mais lhes parecia que alguma coisa de estranho se estava a passar. O que seria que se tinha alterado na cara dos porcos?... Mas o que seria que se estava desvanecendo e alterando?(...) Não havia dúvidas agora sobre o que estava acontecendo às caras dos porcos. Os que se encontravam lá fora, olhavam do porco para o homem, do homem para o porco e novamente do porco para o homem, mas era já impossível distinguir uns dos outros. (Orwel, 2013: 132)

A solução sucumbira, assimilando-se no problema. A antítese vergara-se à “grande noite”.