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Quadro metodológico

2.1. Antes de ser

O termo globalização, hoje banalizado entre nós, assume as mais diversas interpretações, e, ainda que subsistam dúvidas quanto à sua “substância”, ele é incessantemente utilizado, suportando esse seu peso quase que metafísico - inevitabilidade.

…pode ser que a globalização, bem se pode suspeitar, tenha sido mais o sucesso da globalização da ideia de globalização do que a própria globalização – se atendermos aos indicadores de desigualdade no mundo, podemos adivinhar que esta partição do planeta conduz a uma não-globalização (…), mas é só uma suspeita; (…) pensar a globalização é discutir os futuros do presente. (Louçã, cit. in Murteira, 2003: 9)

O que é a globalização? A globalização existe?!

Figura 4. Globalição (Imagem adaptada) (Estrada & Siné, 1975).

Esta é uma versão da velha distinção entre “libertação de” e “liberdade para”, mas a “liberdade para” tem de ser desenvolvida à luz de um enquadramento de realismo utópico. (Giddens, 1996: 111)

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Para alguns, por exemplo radicais leitores de Le Monde Diplomatique, «globalização» sugere o mal absoluto; para outros, por exemplo liberais leitores de The Economist, a mesma palavra poderá prometer possíveis e inesgotáveis felicidades para o género humano. Como seria de esperar, os primeiros contam-se entre os que se consideram excluídos, pelo menos marginalizados, nas economias e sociedades actuais ou entre os que, de qualquer forma, julgam necessário escutar aqueles que falam em nome daqueles; e os segundos são os privilegiados nessas economias e sociedades, embora porventura considerando que isso é apenas o justo prémio dos seus próprios méritos. (Murteira, 2003: 21-22)

Estas são as bivalências frequentes que percorrem a atualidade, talvez motivadas pelo uso indiscriminado do termo. Não obstante da ideia dinâmica implícita na palavra sugerir um processo de afunilamento da diversidade no sentido da homogeneização, convirá referir que a este respeito existem vários diagnósticos e vários vaticínios; pelo que a análise que se segue, assume na perspetiva mais otimista, um lugar entre a diversidade de profanas e discutíveis certezas sensíveis.

Figura 5. Dimensões da globalização sugeridas por Anthony Giddens (Giddens, 1996: 50).

O mais interessante para nós, é o facto de o uso indiscriminado do termo ter potenciado a procura da resolução dos problemas semânticos associados ao conceito - globalização; justamente pela via da globalização. Queremos com isto dizer que, a massificação do termo que migra do contexto académico (revestido de controvérsia) (Anexo 23) para o “senso comum”, por via do impulso dos meios de comunicação de massa, desencadeia uma necessidade de compreensão individual do fenómeno à escala da dita globalização (globo terrestre). Ainda que não existindo, ou estando confinado à metáfora sectorial dos analistas e críticos sociais, o significado do termo foi aculturando progressivamente todas as realidades, que de forma mais ou menos arbitrária a si se foram

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associando. Assim se reinventaram velhos dilemas e discussões que em última análise opõem o indivíduo ao cidadão, local ao global, o centro à periferia (sujeito-sociedade), na medida em que obriga o sujeito a buscar uma interpretação do conceito, num duplo sentido em que confronta a diversidade e a unidade30; ou, tendência para a homogeneidade, simultânea à descoberta e proclamação da heterogeneidade.

Tal como na metáfora da floresta vulgarmente utilizada para precisar o sentido do todo em relação às partes que o constituem, também em termos de globalização, a perceção crescente do quão interdependentes enquanto espécie somos, no contexto global, reforça a dimensão ‘absoluta’ da globalização como um todo, único e integrado. Slogans como

Aldeia Global (Marshal McLuhan, 1964), tentam justamente dar conta desta ideia de

contração. Porém, esta perceção coabita, senão mesmo rivaliza, com o sentimento de que cultura global, não existe senão, como expressão das “multiculturas” que a constituem, ou, por outras palavras, da forma como os fatores económicos, políticos, religiosos, jurídicos, tecnológicos(...) se combinam (Anexo 24) em cada local.

O que provavelmente nos emancipa relativamente à metáfora da “floresta” é a capacidade de nos movermos, nos deslocarmos crítica e inventivamente no sentido da procura da satisfação das necessidades individuais; a mobilidade no encalço da oportunidade, da luz sobre as dúvidas, dos interesses e paixões. E neste aspeto, sem nunca esquecer as ditas “sociedades tradicionais” (Anexo 25), não podemos descurar a realidade global percecionada enquanto ícone de uma ideia vaga de globalização, bem como, os vários locais que a constituem e para ela concorrem. E aqui, não obstante a todas as sensibilidades e inflexões aprofundadas, levadas a cabo pelos mais esclarecidos autores, o que verificamos é uma tendência migratória crescente, de sul para norte e de leste para oeste; dos países periféricos e semiperiféricos em direção aos países centrais. “(…) Muitas pessoas partiram para longe em busca de melhores condições de vida, assim abrindo vias de contacto e um canal de remessas monetárias que foram decisivas em muitas histórias económicas nacionais” (Neves, 2004: 115).

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Waters (1999: 41), subscrevendo Robertson (1992: 25-31), refere que “A globalização, enquanto manifestação de uma perceção holística que é própria do século XX, envolve a relativização dos pontos de referência nacionais e individuais perante os de natureza geral ou supranacional. Isto implica, pois, o estabelecimento de ligações culturais, sociais e fenomenológicas entre quatro elementos”. Que constituem o “campo global”:

(1) o próprio indivíduo (1-2-3-4) (2) a sociedade nacional (2-1-3-4)

(3) o sistema internacional de sociedades (3-2-1-4) (4) a humanidade em geral (4-1-2-3).

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Quadro 1. População estrangeira no mundo (Neves, 2004: 115).

Os acordos comerciais GATT 1947 e WTO 1995, fortaleceram o caráter inevitável da globalização; pois abriram caminho à globalização do consumo promovida por uma industria multinacional agressiva assente na ideologia económica do modelo neoliberal e dominada/gerida a partir dos “países centrais”.

Quadro 2. Exportações mundiais (Neves, 2004: 112).

Este exercício, motivado pela facilitação do acesso à informação, através dos média e das novas tecnologias da informação, trouxe uma perceção crescente de que, embora vivendo num mesmo planeta, somos diferentes na capacidade de conceber e experimentar a homogeneidade. Agora, tornara-se possível, não apenas conhecer os nossos vizinhos, como também sabermos quantitativa e qualitativamente comparar, refletir e relativizar os padrões de desenvolvimento, tornando evidentes as discrepâncias e sobretudo as (inter) dependências.

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Quadro 3. A situação económica mundial em 2001 (Neves, 2004: 134).

O lema iluminista: liberdade, igualdade e fraternidade que sustenta o paradigma social da modernidade, remete-nos na melhor das hipóteses, a considerar, que esta realidade adquire hoje, outros contornos quando analisada em termos globais.

Os nómadas sarianos, os camponeses dos Altos Andes, os negros da floresta africana, que até então viviam numa situação considerada como imutável, passaram a saber o que se passava para lá do seu horizonte familiar. Por isso, a injustiça passou a ser sentida como insuportável e os explorados insurgiram-se contra o explorador, muitas vezes por meios violentos. Hoje, todos os povos querem ter um mínimo de conforto, de segurança de saúde, de instrução… e de liberdade. (Ruffié, 1982: 123)

Serão os ideais de então, válidos para os dias de hoje? “pós-modernidade”!? O que falhou??

A melhoria no acesso à informação, a publicitação de estilos de vida do ocidente desenvolvido, o nível de qualidade de vida atrativo e a procura de melhores condições laborais e financeiras, motivaram grandes deslocações em termos geográficos. Hoje podemos ver os nómadas sarianos, os camponeses dos Altos Andes, ou os negros da floresta africana, em Paris, Londres, Nova York, Lisboa, Freixo de Espada à Cinta… Em qualquer um destes locais, um mesmo indivíduo perceciona o conceito (globalização) de

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maneiras diferentes. Por sua vez, é ele próprio interpretado de diferentes maneiras, à medida que se desloca de local para local31.

Como evidencia o quadro (População Estrangeira no Mundo), a percentagem crescente de estrangeiros que constituem a população dos países industriais entre 1965 e 2000 é de cerca de 1 décimo da população total dos países industrializados. Enquanto que a mobilidade no sentido oposto, também ocorreu mas não de uma forma evolutiva significativa, ao nível dos países de rendimento médio ou baixo.

É verdade que estes números escondem realidades muito diversas. Migração pode ser refúgio de guerra ou calamidade, escravatura, nomadismo e muitas outras realidades. Mas o facto de uma grande maioria desses estrangeiros, 62%, estarem nos países industrializados, situação que tem vindo a acentuar-se, mostra que os motivos económicos são muito importantes. (Neves, 2004: 116)

2.2. As cidades globais, multiculturalismo ou multi-individualismo: Ecumenismo