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humanos e chimpanzés (como se diz numa iz numa iz numa iz numa citação amplamente citada, os humanos

3.1. Sob o espelho…ESQUERDA OU DIREITA?!

“vivemos em quebra de tensão político ideal, sob adormecimento ideológico, em grave desequilíbrio político, onde a esquerda tarda a definir um claro rumo ideal e onde a direita é tudo e o contrário de tudo” (Santos, 1999: 66).

“Só existem duas famílias no mundo, como a minha avó costumava dizer: os ricos e os pobres” (Sancho Pança em Dom Quixote de la Mancha, Miguel Cervantes ) (PNUD, 2005: 50)

(…) à medida que a democracia perde a sua capacidade para redistribuir riqueza social, estamos a caminhar para sociedades que são politicamente democráticas mas socialmente fascistas;

(…) o perigo não é o neofascismo, é pensar-se que um mundo mais solidário, não é possível nem desejável… (Santos, 2002b: 42)

A atualidade é frequentemente perpassada por discursos de erosão e pulverização ideológica que, desconstruindo ao extremo as barricadas da tradição, procuram reorganizar nos escombros novos modelos, que tentam resistir ao hibridismo centralista, lutando de forma inebriada por afirmar a sua singularidade. E apesar de nos confrontarmos com a impossibilidade de escapar à globalidade consciente, estes pequenos artifícios continuam iludindo a globalidade tentando em última análise defender “o bom nome de família”.

Na realidade duvidamos, que “nada mais se possa acrescentar”. Parece-nos que no essencial é necessário reavaliar quer o conceito de riqueza e pobreza, tendo em linha de conta a verdadeira dimensão que o conceito de “família” assume em termos da globalidade. Assim, mais do que reincidir na perspetiva que tende a afirmar as diferenças entre hemisféricas fações, deveria procurar-se meios que permitam favorecer a “família global” no seu todo, deixando que essas diferenças ao invés de favorecerem a sorte e o

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acaso próprio da natureza, constituam substância e racionalidade. Um progressivo nivelamento em termos de acesso a um nível de qualidade de vida elementar.

Em tão grande empresa, e perspetivado de um ponto de vista ideológico, não pode presidir uma política teoricamente dicotómica e antagónica de confronto entre famílias, mas tão só a assunção de um modelo cooperativo em que componentes distintos ocupam um lugar intrínseco às características que os definem.

Aquilo que conhecemos como princípios ideológicos de esquerda ou de direita (em si, desde logo opostos em termos semânticos) não pode continuar a legitimar uma dialética filosófica e política que legitima o domínio inevitável do acaso e do acidente das leis naturais sobre o agir coletivo/ racional concertado. Em ambos os lados paira uma nebulosa argumentativa fundamentada em opções e comportamentos políticos e sociais, que entorpece a perceção dos aspetos explícitos de seleção de tipo darwinista que aí existe de forma transferida.

Por outras palavras, tentamos convocar a atenção para o facto de hoje o neoliberalismo (liberalismo económico) prevalecer impunemente sobre a racionalidade e a concertação coletiva de vontades e necessidades. Pior que isso, será mesmo vermos o cinzentismo com que algumas posturas pretensamente contestatárias, devido às raízes militantes em que dizem inserir-se, prestam vassalagem a um modelo triunfante de sentido contrário à sua ideologia. Até mesmo esses que se lhe opõem, ou afirmam fazê-lo parecem ter dificuldade em acreditar profundamente nessa realidade dicotómica (Anexo 39). A verdade é que um adversário inseguro e volátil é precisamente o ingrediente que o dominador necessita para afirmar e legitimar a sua vitória numa luta (teoricamente) entre iguais (ideologias), mas supostamente opostos na originalidade de conceber a realidade social. Ora, aquilo a que temos assistido à medida que avançamos em termos de civilização e capacidade reflexiva, é justamente um suplantar, a muitos níveis, da força sobre a razão. A pergunta a colocar-se será obviamente; para quê uma razão que apenas consegue fazer percetível a dimensão elaborada da força?! Na realidade, se ninguém domina a natureza, ela autorregula-se dentro dos seus próprios ritmos e limites. Como regular numa perspetiva emancipada?!

A perspetiva que defendemos não é a da oposição radical à natureza e às suas leis seletivas, mas também não é a da contestação conivente (conveniente) e rendida.

Grande parte dos mais destacados dirigentes políticos, usam a ideologia (no discurso pré eleitoral) e posteriormente capitalizam (defraudam) a confiança dos eleitores em favor das políticas (de sentido inverso) que pretendem pôr em prática, com o

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argumento de que face à globalização da economia e aos seus efeitos indomáveis, não existem alternativas nem lugar a “caprichos” ideológicos. Nesta perspetiva, na atualidade, ao invés de falar-se de esquerda ou direita como opção ideológica, poderíamos apenas falar de nuances/ caprichos neoliberais. – as duas “caras” de uma mesma moeda. O aspeto mais preocupante deste expediente é que à medida que o poder opressor e vencedor de uma minoria se acentua sobre uma maioria cada vez mais desprotegida e desprovida de direitos/ vulgo capacidade económica (face a um padrão de vida/IDH/IPG), se agudiza a necessidade de alternativa capaz de conter esse fluxo. Num aumento exponencial da população geral, a distribuição da riqueza ocorre num plano secundário e assinala sobretudo a assimetria entre estratos.

Contudo, os vencedores contam antecipadamente com dois aspetos a seu favor: 1. o facto de se encontrarem numa posição dominante em que é possível mitigar

as alternativas, assimilando-as no seu modus operandi, através da apropriação e subversão da democracia liberal, através de uma elaboração progressivamente mais fina do discurso e práticas políticas associadas em função da conjuntura (suposta e cumulativamente indómita) – o pretexto essencial na arte da dissimulação. A parte de trás do espelho democrático é essencialmente oligárquico;

2. a capacidade de fazer acreditar a essa maioria periférica (pela indução do desespero) da necessidade de testar alternativas inclusivas66. As dicotomias normalmente fazem crer que em uma das partes se encontra a solução em que cada indivíduo se poderá rever. Quando na realidade, por detrás do vidro espelhado, os líderes do sistema instituído soltam fartas gargalhas, perante a ingenuidade e convicção com que as massas se deixam enredar, nos topos conceptuais virtuais (esquerda/direita) por si patrocinados como forma conveniente de perpetuar uma série de outras dicotomias, e essas progressivamente mais percetíveis (dominador/dominado; vencedor/vencido; mais apto/menos apto; incluído/excluído; ou simplesmente razão/força). E assim, enquanto persistirmos em não questionar determinadas quimeras com que se mantém ocupadas as massas, em busca de uma suposta lateralidade filosófica, continuaremos a permitir que a montante, o nosso sentido de culpa e inaptidão, sirva o propósito de fortalecimento daqueles para quem o

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subterfúgio dicotómico esquerda/direita, mais não é que o pêndulo visível de um relógio oculto. Não importa se o relógio está certo ou sequer se existe; contudo o simples facto de o pêndulo oscilar incessantemente cria a sensação anestésica de alternância e ritmo capaz de marcar a cadência necessária à conceção de tempo por parte das massas entorpecidas, e da energia necessária para a leitura e escrita do tempo real, por parte das elites dirigentes. Assim, uma qualquer conquista aparente no campo da equidade, corresponde, normalmente, a uma premeditada vantagem da parte de quem permite tal cedência67.

Se quisermos podemos comparar a dicotomia razão/força ao sistema financeiro empreendido pelas instituições bancárias. Quando permitem o crédito, estas últimas, asseguram premeditadamente a restituição, não apenas do valor cedido, mas sobretudo do juro que reforça a sua sobrevivência e posição dominante no processo. A este processo Keynes atribuiu o termo medieval “usura” (Skidelski, 2010: 205).

Queremos com isto dizer que qualquer esforço que não passe pelo esclarecimento do modelo de confluência unidirecional, apenas servirá como uma manobra subversiva de fortalecimento desse centro. Parece-nos que numa dicotomia força/razão, do ponto de vista humano (universal), apenas a força necessita de um credor – não o contrário. Sobretudo quando percebemos que nessa dicotomia, uma das partes apenas existe para sofisticar argumentativamente a prevalência daquela parte, que para o restante mundo animal é uma condição inerente – a força. Seremos apenas “chimpanzés enlouquecidos”?! Ou poderemos ousar parar o pêndulo, para procurar o relógio?!

Não querendo repetir incessantemente o sucesso e o papel aglutinador que o modelo económico neoliberal tem exercido na contração hegemónica; até porque

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É certo que o progresso face à barbárie nua e crua já não ocorre pelo fio da espada ou pelo estalo do chicote, hoje vivemos, grosso modo, sob uma matriz enformadora, de democracia. Uma democracia onde a equidade das desvantagens no acesso à qualidade de vida é em termos globais maior e progressivamente tão contundente quanto aquelas, ainda que o estalido e o urro vistam agora fato e gravata.

“A grande burguesia constitui uma pequena fração da população (talvez menos de 2%) e mesmo acrescentando e média burguesia essa fração continua pequena. Portanto, a burguesia não dispõe de membros suficientes para preencher todos os postos superiores e médios de comando tanto da economia como da política. Para isso ela recorre a membros de outras classes sociais, principalmente das classes médias, onde ela encontra indivíduos com formação educacional superior, treinamentos específicos para aqueles postos (e a burguesia, diretamente ou através do Estado, cria escolas para isso), e frequentemente ansiosos para ascender socialmente. Esses indivíduos, quando bem treinados, diligentes e prestativos (para não mencionar outras qualidades), acabam por ocupar cargos de direção ou gerência em empresas privadas, em órgãos públicos, e mesmo cargos políticos de menor ou maior importância (inclusive ministérios e chefia de governo). É claro que eles são pagos para isso, mas também por ambição, proximidade física e identidade ideológica, tornam-se aliados 'naturais' da grande burguesia” (Miglioli, 2002: 122).

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subscrevemos o princípio de que o espaço económico é uma dimensão fulcral da vida em sociedade68, consideramos essa reflexão essencial.

Uma sociedade não é linear, existem distintas aptidões e sensibilidades que desencadeiam uma série de permutas de interesses que motivam uma crescente especificação, especialização e diversificação papéis. “As receitas de trabalho variam devido às diferentes capacidades e intensidades do trabalho (tanto em horas como em esforço) e devido às diferenças de remuneração entre profissões que são o resultado de diferentes quantidades de capital humano, entre outros factores” (Samuelson & Nordhaus, 1999: 365).

Gostaríamos no entanto, de suspeitar da forma autocrática dissimulada apoiada numa apropriação, monopólio e subversão dos instrumentos democráticos por parte da ‘família vencedora’, no intuito de fazer crer que a pobreza ou riqueza são realidades passíveis de ser submetidas à seleção natural e à inevitabilidade estratificante dos indivíduos e das sociedades locais/regionais.

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Tal como no livro infantil A crise explicada às crianças: para miúdos de esquerda vs. para miúdos de

direita, onde as abelhas assumem o papel dos mercados e o urso o papel do défice. …um pouco de mel não

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Figura 12. Sistema mundo atual

De tão evidente cenário, se tivéssemos que encontrar no comportamento coletivo do género humano civilizacional um correlato que melhor exprimisse a realidade acidental/biológica teríamos por certo que enredar-nos filosoficamente por tortuosas, cíclicas e inconclusivas opiniões esteticistas, mais que estatísticas. O que, por certo, perante as evidências, seria uma perda de tempo.

As cores utilizadas fazem referência às dimensões do projeto da Modernidade (pág. 52). As circunferências (laranja/ mercado) dispostas em torno de um centro tentam ilustrar a perspetiva económica como denominador principal dos aspetos da vida. Por essa razão, o socialismo apenas existe nas margens (ao nível dos indivíduos – tracejado verde) como uma vã esperança mitigada. Por isso surge entre aspas. Também entre aspas surge a ONU no centro do sistema neoliberal, por considerarmos que esta instituição não possui uma estrutura autónoma, imparcial e equidistante que permita uma ação mais efetiva da sua missão; mais plural e menos atreita a condições e monopólios encetados pelo seu núcleo duro de países centrais, pontualmente integrando um outro pais semiperiférico ou periférico no Conselho não Permanente de Segurança para manter algum pudor e credibilidade.

“O político em democracia está tão preocupado em não cair da montada que não tem tempo para saber para onde corre o cavalo do poder” (Shumpeter, 1942, cit. in Murteira, 2003: 100)

Note-se que no interior da circunferência central a cor verde (Comunidade/cultura) e azul (política/Estado) intercala com a cor laranja (economia/mercado) tentando assim dar conta do efeito hegemónico da globalização e da forma como o mercado absorveu as outras duas dimensões.

As setas tentam dar conta do movimento descendente (up-down) em que a dinâmica de poder flui. “A divisão internacional da produção da globalização tende a assumir o seguinte padrão: os países centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países periféricos cabe tão só a escolha de globalismos localizados. Os países semiperiféricos são caracterizados pela coexistência de localismos globalizados e globalismos localizados e pelas tensões entre eles” (Santos, 2002a: 71-72).

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Colocando-nos sob uma condição simplista, sem receio de estalar o verniz da sapiência e do politicamente correto, podemos constatar, hoje (globalmente) melhor que ontem, que no essencial toda a conquista da civilização apenas nos conduziu à conclusão que, no essencial, somos ainda tendencialmente impelidos a uma ação não cooperativa69, ou se quisermos, cooperativo-beligerante (numa óptica nacional ou de bloco70):

As comparações com a despesa militar são instrutivas. Por cada dólar investido na ajuda ao desenvolvimento, outros 10 são gastos em orçamentos militares.

Nenhum país do G-7 tem um rácio de despesa militar para ajuda inferior a 4:1. Este rácio cresce até 13:1 para o Reino Unido e até 25:1 para os Estados Unidos. Num mundo em que os países ricos reconhecem cada vez mais que as ameaças à segurança estão ligadas à pobreza global, desigualdade e esperança insuficiente para muitos segmentos da população mundial, este rácio de 10:1 da despesa militar para a despesa com a ajuda não faz sentido. Em qualquer avaliação das ameaças para a vida humana, há uma extraordinária desproporção entre orçamentos militares e necessidades humanas.(PNUD, 2005: 93)

Como anteriormente referimos, a origem das sociedades ter-se-á desenvolvido com base em fatores homeostásticos e também como necessidade de assegurar a satisfação de necessidades de alimentação e segurança das comunidades emergentes. Contudo, nos

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“Daí surge a pergunta: por que preservar essa classe, que não cumpre a função social que lhe deu origem e a promoveu como classe dominante, e cuja função está deixando de ser reconhecida pelo conjunto da sociedade? A resposta é a de que a burguesia é uma classe em extinção. Mas ela pretende sobreviver, e para isso tem de lançar mão de seu monumental poder econômico e militar tanto para persuadir (não importa de que modo) como para reprimir seus opositores” (Miglioli, 2002: 124).

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Einstein afirmava que “o nacionalismo era um doença infantil da humanidade”.

Gráfico 8. Despesa militar versus ajuda ao

desenvolvimento (PNUD, 2005: 94)

Gráfico 9. A despesa militar excede a ajuda pública ao

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últimos anos, ao nível destes dois últimos aspectos, é notória a (qualquer sujeito sensocomunizado) a assimetria que ilustra o quotidiano global… Sente-se.

O sistema capitalista elimina valores e crenças que não lhe servem e cria outros em seu benefício. Em linhas gerais (…) o capitalismo foi abandonando valores morais de longa tradição (como honestidade, solidariedade, dignidade, etc,) e mesmo valores aceitos ou pelo menos propagados pela “velha burguesia” (como a dedicação ao trabalho, a frugalidade, o apreço à família, etc.) e substituindo-os por valores e princípios de caráter exclusivamente econômico (como eficiência, competitividade, sucesso etc). Isso sem dúvida provoca o desgaste moral do capitalismo, principalmente quando sua “imoralidade” pública ou privada é exibida através de relatos de acontecimentos reais. (Miglioli, 2002: 123)

Defender a globalização, ao mesmo tempo que se ignora as preocupações de equidade global, é uma abordagem cada vez mais anacrónica dos desafios que a comunidade internacional enfrenta.

Para países de desigualdade elevada e largas camadas populacionais na pobreza, transferir mesmo uma pequena parcela do rendimento dos 20% do topo poderia elevar grande número de pessoas acima da linha de pobreza. Para o Brasil e México, a transferência de 5% do rendimento dos 20% mais ricos teria os seguintes efeitos: • No Brasil, cerca de 26 milhões de pessoas seriam elevadas acima da linha de pobreza de 2 dólares por dia, reduzindo a taxa de pobreza de 22% para 7%. (PNUD, 2005: 65)

Gráfico 11. Mais ricos mas menos generosos: a

riqueza cresce mais depressa do que a ajuda (PNUD, 2005: 88)

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Em suma, a perspetiva pró-eugénica parece suplantar a razão, bem como os esforços no sentido de suprimir essas desigualdades. Daqui ressaltam sobretudo as externalidades que uma visão neoliberal em termos económicos difunde a todos os aspetos da vida social, degradando progressivamente a estrutura redistributiva a favor de um centro, que absorve, se alimenta e desenvolve, a expensas de uma periferia e semiperiferia. Assim, sem erradicar nenhuma das nuances em jogo, acreditamos que seria possível desagregar esse modelo, balizando-o e enclausurando-o numa perspetiva panorâmica. O economista norte-americano de origem austríaca Schumpeter prognosticava o sucesso cumulativo do capitalismo71; e que esse seria porventura o seu ponto de falibilidade, dando lugar a um modelo de gestão económica socialista. Na atualidade o sucesso do capitalismo desorganizado, só poderá ser controlado se algo conseguir, senão extingui-lo, pelo menos restringir e delimitar o seu campo de ação.

Pois bem, tendo o capitalismo trespassado os limites e as soberanias locais/nacionais/regionais de uma forma progressivamente desregulada, apenas lhe resta emigrar e lançar-se na aventura interplanetária. Como tal cenário não se afigura razoável no imediato, e também porque o progresso por si despoletado nos dotou globalmente e em

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Joseph Alois Shumpeter (1883-1950) ficou conhecido como um dos economistas que melhor estabeleceu a relação evolucionária entre capitalismo e sociedade. Enquanto para Marx o lucro derivava do esforço/exploração dos trabalhadores, para si o lucro derivava da inconstância e progresso do sistema económico capitalista em evolução. Na sua perspetiva os momentos de inovação exerciam desequilíbrio “criativa destruição” e esse era gerador de ainda mais progresso capitalista, que iria assegurar a manutenção e criação de postos de trabalho. Esta visão cumulativa de sucesso não seria porém infindável e vaticinou o possível fim do sistema capitalista com base na tendência de ascensão de uma classe intelectual que atacaria sistematicamente pilares da sociedade capitalista como a propriedade privada e a liberdade individual. “Evaporação da substância da propriedade” (Schumpeter, 1961). “He argued that capitalism would be

destroyed by its own success. This would breed what we would now call the new class: bureaucrats, intellectuals, professors, lawyers, journalists, all of them beneficiaries of capitalism’s economic fruits and, in fact, parasitical on them, and yet all of them opposed to the ethos of wealth production, of saving, and of allocating resources to economic productivity. (…) And then he proceeded to argue that capitalism would be destroyed by the very democracy it had helped to create and made possible. For in a democracy, to be popular, government would increasingly shift income from producer to no producer, would increasingly move income from where it would be saved and become capital for tomorrow to where it would be consumed. Government in a democracy would thus be under increasing inflationary pressure” (Drucker, s.d.: 5). “O racionalismo promove o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da organização econômica, penetra nas artes, no estilo de vida, na política, estimula o espírito crítico em todas as áreas, inclusive na vida familiar e no modo de encarar até mesmo a religião e o próprio capitalismo. Assim, a crescente hostilidade ao capitalismo é criada por ele mesmo ao expandir e aprofundar a atitude racional crítica” (Migliloli, 2002: 107- 108). “O desempenho atual e prospetivo do sistema capitalista é tal que refuta a ideia de o seu colapso ocorrer sob o peso do fracasso económico, mas o seu próprio sucesso corrompe as instituições sociais que o protegem e ‘inevitavelmente’ cria as condições sobre as quais conseguirá sobreviver e que apontam fortemente para o socialismo universal como seu aparente herdeiro” (Shumpeter, 1976: 61, cit. in Santos, 2002a: 95).

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termos holísticos de uma consciência reflexiva global72 e do sentir das causas/efeitos de atitudes e comportamentos isolados, abriu-se lugar à emergência do sentir e pulsar global anti-hegemónico. Por outro lado o sentido utilitário de resposta às necessidades elementares migraram (pelo peso das assimetrias) do espaço local para o espaço planetário. Neste âmbito, também as questões dicotómicas de esquerda ou de direita ou perspetivas ornamentais de religiões apenas se consubstanciam como meros argumentos acessórios, apenas concebíveis no domínio do delírio artístico. No fundo estes aspetos são cada vez mais olhados e interpretados como parciais (Anexo 40), de um discurso central e