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Quadro metodológico

1.5. A resignação não explica Nada…

Ora se, por um lado, o colapso da União Soviética e a queda do muro de Berlim significaram o fim do paradigma revolucionário, a crise do Estado-Providência nos países centrais e semiperiféricos significa que está igualmente condenado o paradigma reformista. (Santos, 2002a: 34)

A teoria marxista já não está na moda, e é pena que assim seja porque a noção de contradição é fundamental para se perceber o mundo actual (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 129).

Um dos aspetos críticos do projeto da modernidade na atualidade, reside no facto de a sua instituição de referência (o estado) não conseguir mais o papel regulador da vida social que então se previa. O sucesso do capitalismo mercantil (Santos, 2002a) ao sair do âmbito territorial do estado-nação para uma dimensão transnacional esvaziou progressivamente a dimensão política e a capacidade de intervenção dos estados na condução do rumo da economia e dos efeitos do consenso neoliberal ou consenso de

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Washington13. Este processo de globalização económica (Anexo 12) desenhada a partir do centro do sistema deixa aos países semiperiféricos e periféricos duas opções: ou a exclusão, ou a inclusão subalterna (Santos, 2002a: 71) (Anexo 13). Nesta perspetiva o centro define as normas pelas quais os restantes países se devem reger e adaptar, no sentido de acederem a esse centro (Anexo 14). No entanto este expediente dissimula uma política subversiva de reprodução da exploração e dependência, dos primeiros relativamente aos segundos.

(Anexo 15)

Gráfico 1. Tributação perversa em operação (PNUD, 2005: 127).

Os estados nacionais periféricos que não têm dimensão ao nível da decisão, segundo as normas das instituições internacionais que regulam a atividade económica (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio), assumem contudo relevância jurídica de agentes económicos quando lhes são creditadas as dívidas decorrentes desse mesmo modelo de produção e consumo, devido aos fortes condicionamentos de decolagem impostos pelas potências económicas. O que equivale a dizer, que é uma forma (não muito) subtil de assegurar a existência da periferia, como garante da existência de um centro.

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“por ter sido em Washington em meados dos anos oitenta, que ele foi subscrito pelos estados centrais do sistema mundial, abrangendo o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do estado na economia” (Santos, 2002a: 33).

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As regras da OMC reconhecem, em princípio, que os países em desenvolvimento não deveriam ter de assumir compromissos incompatíveis com o seu estatuto económico e as necessidades de desenvolvimento. Na prática, a provisão de tratamento especial e diferenciado não proporcionou um quadro para alinhar as obrigações da OMC com um compromisso em relação ao desenvolvimento humano. Isto foi reconhecido na declaração de Doha, que pedia regras “mais precisas, eficazes e operacionais”. Porém, os países em desenvolvimento ficaram sob pressão para liberalizar as importações a uma taxa incompatível com as suas necessidades de desenvolvimento. (PNUD, 2005: 148)

Se a liberalização de importações pode oferecer vantagens para o desenvolvimento humano, ela deveria ser aplicada de modo sequencial e consistente com as estratégias de redução da pobreza e os ODM14, com os quais as regras da OMC deveriam estar alinhadas. (PNUD, 2005: 148)

Efetivamente, fruto de uma proposta adotada em Gleneagles, na Escócia, durante a cimeira do G8, durante o ano de 2005, os países e instituições do mundo desenvolvido (Banco Mundial, FMI…) acordaram um perdão da dívida aos países mais endividados. Também se verificou a redução generalizada das taxas de transação de produtos comerciais, com exceção dos EUA que mantêm taxas diferenciadas para a importação de roupas e têxteis de países da Ásia (UN, 2011c).

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Há cinco anos, no início do novo milénio, os governos de todo o mundo uniram-se para fazer uma promessa notável às vítimas da pobreza em todo o mundo. Reunidos nas Nações Unidas, assinaram a Declaração do Milénio – uma promessa solene de “libertar os nossos semelhantes, homens, mulheres e crianças, das condições abjetas e desumanas da pobreza extrema”. A declaração apresenta uma visão arrojada, firmada num compromisso partilhado com relação aos direitos humanos universais e à justiça social, e apoiada por metas com prazos bem definidos. Essas metas – os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) – incluem a redução da pobreza extrema para metade, diminuição da mortalidade de crianças, provisão de educação para todas as crianças do mundo, redução das doenças infeciosas e a promoção de uma nova parceria mundial para produzir resultados. O prazo para atingir os Objetivos acaba em 2015 (PNUD, 2005: 1)

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Gráfico 2. Net official development assistance from OECD-DAC countries as a proportion of donors’ gross

national income to all developing countries and to the least developed countries (LDC’s) 1990-2010 (percentage) (UN, 2011c: 59)

Forty countries are eligible for debt relief under the Heavily Indebted Poor Countries (HIPC) initiative. Of these, 36 countries have reached the “decision point” stage in the process and have had future debt payments reduced by $59 billion (in end-2009 net present value terms); 32 countries that subsequently reached their “completion point” have received additional assistance of $30 billion (in end-2009 net present value terms). The debt burdens of countries included in the HIPC initiative are below the average for all LDCs (UN, 2011c: 62)

Como se não bastasse, e apesar da disfuncionalidade gerada, estes blocos sob uma atitude aparentemente altruísta que visa melhorar a condição dos perdedores, continuam a fornecer “ajuda” que (perversamente e de forma enviesada) acaba por beneficiar sobretudo as suas empresas agregadas.

A ajuda ligada inclui um retorno oculto do contribuinte para empresas do país doador. Esse retorno deveria ser deduzido da ajuda relatada, juntamente com a componente ligada da assistência técnica. Toda a ajuda ligada deveria ser suprimida progressivamente, entre 2006 e 2008. (PNUD, 2005: 109-110)

(…) Nem todo o dólar de ajuda tem o mesmo valor no financiamento da redução da pobreza. Muito do que é relatado como ajuda acaba voltando para os países ricos, uma parte na forma de subsídios de que beneficiam grandes empresas. Talvez a forma mais flagrante de minar a eficiência da ajuda seja a prática de ligar as transferências financeiras à compra de serviços e bens dos países doadores. (PNUD, 2005: 102)

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O secretário-geral adjunto das Nações Unidas para o Desenvolvimento Económico Jonathan. K. Sundaram tem vindo também a alertar para o facto de o condicionamento de os países destinatários terem que gastar os montantes da ajuda em projetos e ajuda dos países doadores, muitas vezes visando a aquisição de serviços e bens sobrevalorizados ou assistência técnica supérflua. Estes países limitam um real fortalecimento dos orçamentos nacionais. Por outro lado, o alívio da dívida dos países extremamente pobres são duplamente computados, distorcendo a estatística da ajuda. Ora como um empréstimo em condições privilegiadas e novamente, como perdão de dívida.

Por outras palavras, poderíamos dizer que «no que respeita aos países periféricos e semiperiféricos, as políticas de ajustamento estrutural e de estabilização macroeconómica – impostas como condição para a renegociação da dívida externa ou para atribuição de apoios – cobrem um enorme campo de intervenção económica, provocando enorme turbulência no contrato social nos quadros legais e nas molduras institucionais15 em que a imposição de normas de alinhamento e participação no mercado mundial dos “vencedores” se faz, a expensas da desagregação e enfraquecimento do poder do estado local. (…) “O retraimento do estado, não pode ser obtido senão através da forte intervenção estatal. O Estado tem de intervir para deixar de intervir, ou seja, tem de regular a sua própria desregulação” (Santos, 2002a: 45) Se ainda restassem dúvidas acerca do poder arbitrário e destrutivo da economia liberal sobre o político e o cultural, bastaria olhar com atenção para este facto. “(…) Os responsáveis políticos desejam doravante que o seu território seja um porta-aviões capaz de atrair os investimentos directos estrangeiros, e não já o vector de uma economia social de mercado” (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 132).

A reter, devemos salientar neste processo como fator preponderante, o facto de, através do sucesso do capitalismo mercantil os estados perderem soberania quanto à capacidade de regular e intervir nos aspetos económicos internos e o facto de o capitalismo ser na sua essência um processo que tende a contaminar os restantes aspetos da vida social

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“a liberalização dos mercados; a privatização das indústrias e serviços; a desativação das agências regulatórias e de licenciamento; a desregulação do mercado de trabalho e flexibilização do mercado salarial; a redução e a privatização, pelo menos parcial dos serviços de bem-estar social (privatização dos sistemas de pensões, partilha dos custos dos serviços sociais por parte dos utentes, critérios mais restritos de elegibilidade para prestações de assistência social, expansão do chamado terceiro setor , o setor privado não lucrativo, criação de mercados no interior do próprio Estado, como, por exemplo, a competição mercantil entre hospitais públicos); uma menor preocupação com temas ambientais; as reformas educacionais dirigidas para a formação profissional mais do que para a construção da cidadania, etc.” (Santos, 2002a: 45). “A economia é assim dissocializada, o conceito de consumidor substitui o de cidadão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a solvência” (Santos, 2002a: 40).

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(política e cultura), para a seguir… prosperar. Em todo este processo em que se fala sobretudo de lucro e eficiência, não podemos por isso menorizar a perspetiva descrita anteriormente (no excerto do manual de economia) que descreve a história económica, como um confronto e um crescente nível de especialização que surgiu ao nível grupal dos seres recolectores que viviam isoladamente em pequenas comunidades. Este movimento evoluiu posteriormente a tribos mais numerosas e organizadas, às povoações sedentárias, às vilas e cidades comerciais, às cidades-estado e aos estados-nação e por último às regiões macro-económicas e ao planeta no seu todo.

Aqui chegados, podemos estender privilegiadamente o nosso olhar retrospetivo e reflexivo mais longe, no tempo e no espaço, que qualquer um dos nossos antepassados. E, ao fazê-lo regressivamente, apercebemo-nos que a história do sucesso visto numa ótica de lucro e eficiência, reside na existência de desigualdades e níveis de desenvolvimento díspares. Descobrimos tensões que simultaneamente competem entre si, num cenário próximo ao sugerido pelo sócio-darwinismo. Por vezes porém, os Estados marginais ensaiam (a um nível interno/micro/local), a capacidade de coordenação interna para suprir as vantagens adversárias que vão surgindo em redor16 através de agregados populacionais concorrentes que emergem a um nível progressivamente mais amplo (macro) (Apêndice 3), como a expressão de uma vantagem sobre outrem. Sendo que esse outrem, é cada vez mais entendido numa perspetiva dúplice: a perspetiva do indivíduo que toma perceção não apenas da sua tribo mas da sua espécie; e também a perspetiva do indivíduo que por se rever ao nível da espécie se questiona acerca da natureza da sua condição de indivíduo.

É certo que seria reducionista atribuir os êxitos e fracassos da história, à ação humana, exclusivamente empreendida segundo a atividade económica, desenvolvida como forma de assegurar o acesso e domínio da escassez de recursos. Contudo, sob o risco de nos tornarmos naquilo que mais pretendemos evitar, não podemos ignorar o ‘espaço’ que esta dinâmica representa (hoje como ontem) na definição da(s) sociedade(s)17.

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Ainda que tal coordenação ocorra num contexto de subalternidade relativamente ao centro do sistema económico global, a preocupação principal destes estados de segunda e terceira linha, é sempre a perspetiva da recuperação e de perseguição dos níveis dos países centrais. Mesmo que para o conseguir tenham que simultaneamente alimentar os adversários que correm à sua frente. O que em termos práticos equivale a dizer que, a manutenção ou a evolução do status quo destes estados, requer muito mais que um mero otimismo funcional pragmático; requer um otimismo teórico transcendente

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“Os políticos fazem economia e os mercados fazem política, trata-se de uma inversão completa do papel do político e da finança…” (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 132).

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A profunda integração global através do comércio não é uma coisa sem precedentes. (…) O comércio tem sido um dos motores mais potentes na condução da integração global. (PNUD, 2005: 114)

(...) Os níveis de vida, tanto nos países ricos, como nos pobres, dependem cada vez mais do comércio. Por detrás da economia complexa, a globalização produz um resultado que é muito, muito fácil de compreender: a metafísica prosperidade de qualquer país no sistema de comércio mundial está cada vez mais dependente da prosperidade de outros. É verdade que a interdependência é assimétrica: os países em desenvolvimento continuam a ser mais dependentes dos países industrializados como mercados de exportação, do que os países industrializados estão dos países em desenvolvimento. Mas no mundo globalizado do princípio do século XXI, as fortunas de todos os países estão a tornar-se inextricavelmente ligadas. (PNUD, 2005: 114-115)

Neste trilho evolutivo, a noção de identidade amplifica-se gradualmente na proporção geográfica e no sentido do local para o global, onde a propensão para o confronto/competição coabita com a propensão para cooperação, sendo que a segunda se tem vindo a inscrever na dinâmica da primeira. Contudo, a anulação progressiva do espaço externo desconhecido, torna mais credível a dúvida sobre a real capacidade cooperativa do espaço interno global e por isso abre caminho a uma noção de cooperação global, como exigência racional de coesão, mais que uma reação necessária ao empreendimento de uma atitude beligerante de confronto com o espaço exterior.

1.6. Modernidade (a)pós modernidade

O projeto da modernidade que emergiu do confronto entre a perspetiva metafísica/divina e a perspetiva antropocêntrica/racionalista, como uma aspiração utópica totalizante da espécie humana, no sentido de realizar os seus desígnios universais (liberdade, igualdade e fraternidade), acabou também por forçar uma conceção da capacidade de projetarmos e reconhecermos a nossa individualidade, naquilo que possui de positivo e menos positivo. Como a parte e o todo de nós próprios. Para melhor entendermos este processo reportemo-nos à análise do texto (Anexo 16), segundo o qual a exaustão do projeto da modernidade se deve, simultaneamente, ao excesso e défice de cumprimento das suas promessas.

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Finais Séc. XIX - Séc. XX (Déc. 60)

I (apogeu – Anos 20 – Choque petrol.)

REGULAÇÃO REGULAÇÃOREGULAÇÃO REGULAÇÃO Pricípio do Estado (Hobbes) Pricípio do Mercado (Locke) Pricípio da comunidade (Rosseau) EMANCIPAÇÃO EMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃO EMANCIPAÇÃO Discurso do método – Descartes (razão) Racionalidade estética-expressiva Racionalidade cognitivo-experimental Racionalidade moral-prática Pilares da Modernidade Capitalismo Organizado Modernismo

“well Fare State” Estado de Providência Fordismo Capitalismo desorganizado O Homem ao serviço do capitalismo Modernização “work fare” Crise do Est. de Prov. Pós-Fordismo Capitalismo Liberal Modernidade Séc. XVI Séc. XVIII (Rev. Industrial) Séc. XIX (1860/70) . Surto de Industrialização, mecanização. . Explosão do comércio. . Ciência como força produtiva . Produção em massa (uniformidade e padronização) . Regulação do Estado. . Produção em pequenos lotes e aumento da oferta. . Transnacionalização da economia.

. Erosão do Estado como regulador.

. Desestruturação como nova forma de organização. . Rápida renovação do conhecimento e das tecnologias. Séc. XX (Déc. 60) - Séc.XXI ‘P ó s -M o d e r n id a d e ‘M o d e r n id a d e d e t r a n s ã o ‘M o d e r n id a d e R e fl e x iv a ”…

“O paradigma cultural da modernidade constituiu-se antes do modo de produção capitalista se ter tornado dominante. A sua extinção é complexa porque é em parte um processo de superação e em parte um processo de obsolescência. (…) mas que é a nível mais profundo, uma situação de transição. Como todas as transições são simultaneamente semicegas e semi- invisíveis, não é possível nomear adequadamente a presente situação. Por esta razão lhe tem sido dado o nome inadequado de pós-modernidade. Mas à falta de melhor, é um nome autêntico na sua inadequação.”

(Santos, 1994: 70)

Projeto sociocultural da modernidade

Adapt. esquemática de: “Pela mão de

Alice; O Social e o Político na Transição Pós-Moderna.”

(Santos, B., 1994: 69 – 99)

Figura 2. Projeto sociocultural da Modernidade.

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(…) a pujança do capitalismo produziu dois efeitos complementares: por um lado esgotou o projecto da modernidade, por outro lado, fê-lo de tal modo que se alimenta desse esgotamento e se perpetua nele. O vazio que ele produz é tão global que não pode ser preenchido no contexto do paradigma da modernidade. Isto explica que a pujança do capitalismo enquanto sistema económico, corra de par com a fraqueza ideológica de muitos dos seus princípios e que, quanto maior é esta fraqueza, mais fraco (e não mais forte quanto seria de prever) é o apelo ideológico dos princípios que se lhe deviam opor, os princípios do socialismo. (Santos, 1994: 91)

Se pretendêssemos ser algo mordazes poderíamos, metaforicamente, dizer que o projeto da modernidade foi idealizado como uma cabeça de Jano (mas a três dimensões), que com o “sucesso” preponderante de uma dessas dimensões sobre as duas restantes, começou, a não conseguir neste contexto, fazer face à degenerescência que repousa na latência das insuficiências e contradições. Contudo, mais do que decretar a falibilidade do paradigma, tentando um substituto de prefixo “pós”, talvez seja prudente reavaliar e recombinar os ingredientes de acordo com a aprendizagem que colhemos do desenvolvimento recente acerca do conhecimento da natureza humana e das suas relações sociais, ao invés de destituir a História humana do seu passado. Assim, como procuraremos demonstrar mais adiante, pensamos ser possível uma evolução do paradigma da modernidade através de ajustes conceptuais, mantendo o esteio e conquistas que este modelo encerra, admitindo de forma determinada os défices e excessos enquanto tal. A verdade é que podemos trocar de automóvel ou até mesmo de estrada, contudo, é necessário perceber-se se a anomalia não estará no condutor. E para quê um novo automóvel ou uma outra estrada se à equação insistirmos retirar o condutor?!

O capitalismo, por assim dizer, capitalizou os domínios da modernidade. Se não levarmos em linha de conta alguns movimentos de resistência que se vão multiplicando numa orientação anti-hegemónica18, poderíamos sem grandes receios ir de encontro à perceção que sugere uma globalização, que denuncia na atualidade a presença quer de uma economia, quer de uma cultura e de uma política eminentemente orientadas segundo o rumo e sucesso do capitalismo mercantil. Falamos portanto de uma sociedade de feição capitalista, com tudo o que isso significa em termos sociais e humanos, no que se refere à igualdade de direitos e acesso de oportunidades económicas e sociais, equidade e qualidade de vida. Sobretudo, falamos, na gestão equitativa dos efeitos não desejados, ou

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externalidades19 (poluição, destruição de habitats naturais, e alarmantes desigualdades e agravamento do fosso entre os estratos sociais) resultantes de um processo de eficiência em que os vencedores são cada vez mais definidos antecipadamente. Esta parece ser uma globalização de perceção paradigmática onde se identifica uma bipolaridade no usufruto dos bens e recursos, entre incluídos (países centrais) e incluídos por subalternidade (países semiperiféricos e periféricos). Este modelo carece de um ajustamento de caráter subparadigmático, mas que tenha como orientação central a perspetiva de Património

Comum da Humanidade, capaz de operar a passagem gradual de uma noção geopolítica

vestefaliana rígida, para uma conceção em que os estados nação se definem como entrepostos entre o indivíduo (local) e o indivíduo (global); e ao nível institucional entre a autarquia/região administrativa e a ONU que neste contexto, designaríamos a Organização das Noções Ubíqua (Apêndice 4).

À medida que a economia saltava as fronteiras dos estados nacionais e estes perdiam capacidade regulatória sobre a máquina financeira, deixando de ser os atores centrais na definição das normas e regras da economia interna, tal facto levou a que grande parte dos países periféricos e semiperiféricos (sob o risco de exclusão) tivessem que aderir incondicionalmente aos modelos da economia transnacional. Como referimos anteriormente este processo emana de um núcleo de países vencedores (países centrais). Neste contexto, um dos aspetos a merecer grande preocupação foi, a transformação das preocupações com apoio social, darem progressivamente lugar a uma inevitável e crescente preocupação dos estados em manter uma economia interna eficiente e competitiva, como condição prévia à perseguição da sustentabilidade económica.

Nesta ótica, o consenso neoliberal acabou por se impor, relegando para as margens do sistema tudo o que constituísse um entrave ao seu desenvolvimento (Apêndice 5). A visão do mundo tendia desta forma a enquadrar e legitimar uma abordagem da vida social segundo a demiurgia capitalista.

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“Externalidades são: situações em que a produção ou consumo impõem a outras partes custos ou benefícios não compensados. Os bens com externalidades podem ser comparados com os bens económicos normais. As transações de mercado envolvem trocas voluntárias nas quais as pessoas trocam bens por dinheiro. Quando uma empresa usa um recurso apropriável escasso como a terra, o petróleo ou as árvores, compra o bem ao seu proprietário, que é totalmente compensado pelos custos de produção incrementais do