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A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social

DESVELANDO UBERABA (MG): O CENÁRIO DA PESQUISA E OS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DOS SUJEITOS

3.2 A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social

3.2.1 A formação profissional e as diretrizes curriculares gerais

A proposta das diretrizes curriculares gerais para os cursos de Serviço Social surgem num momento em que as diretrizes anteriores, no caso de 1982, já não mais abarcavam toda a compreensão da totalidade social na qual o assistente social se insere, derivando desta insatisfação a urgência na redefinição dos padrões de qualidade da formação profissional, com o objetivo de capacitar o assistente social para compreender, desvendar, refletir e intervir na realidade social, profundamente determinada pelo capital.

O momento de revisão do currículo mínimo da formação profissional, que perdurava desde 1982 (Parecer CFE nº 412, de 4 de agosto de 1982), ocorreu durante a XXVIII Convenção Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess), realizada em Londrina (PR), em outubro de 1993. Essa revisão se impôs em face dos movimentos contemporâneos causados pela agudização das relações entre capital e trabalho, que tem na questão social e suas múltiplas expressões sua indelével marca.

Na busca pela ruptura com um currículo anacrônico, que já não atendia as demandas do Serviço Social, a Abess promoveu, em parceria com o Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social (Cedepss), o então Conselho Federal de Assistentes Sociais (Cfas), a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso), representantes da categoria profissional, estudantes e pós-graduandos, cerca de 200 oficinas em 67 unidades acadêmicas filiadas à Abess. Ocorreram, também, duas oficinas nacionais e 25 estaduais, com a finalidade de aprofundar os debates em torno das transformações societárias em curso e da formação do assistente social na contemporaneidade.

Adensaram-se os desdobramentos dos debates em torno da revisão curricular, que foi aprovada na XXIX Convenção Nacional da ABESS, em 1995, no Recife. Finalmente, em 1996, o processo de constituição de uma nova lógica curricular a faz mais próxima da realidade acadêmica, política e social do país. A Abess encaminha a proposta de renovação curricular no ano de 1996 ao Conselho Nacional de Educação para sua apreciação e aprovação.

A formação profissional do Assistente Social sob a nova concepção curricular indica que:

―1. O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da questão social, expressa pelas contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista.

2. A relação do Serviço Social com a questão social — fundamento básico de sua existência — é mediatizada por um conjunto de processos sócio-históricos e teórico-metodológicos constitutivos de seu processo de trabalho.

3. O agravamento da questão social em face das particularidades do processo de reestruturação produtiva no Brasil, nos marcos da ideologia neoliberal, determina uma inflexão no campo profissional do serviço Social. Esta inflexão é resultante de novas requisições postas pelo reordenamento do capital e do trabalho, pela reforma do Estado e pelo movimento de organização das classes trabalhadoras, com amplas repercussões no mercado profissional de trabalho.

4. O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações estruturais e conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das políticas e lutas sociais‖ (ABEPSS, 1996).

Estes pressupostos da formação profissional marcam a busca por uma nova lógica curricular que abranja toda a dinâmica da sociedade e suas interferências no cotidiano profissional do assistente social, sempre polarizadas pelos interesses de classes e tendo como cerne a critica à sociedade capitalista.

Com relação ao cenário dado na institucionalidade da política de educação, especialmente a superior, observamos que

No Brasil, a atual configuração pedagógica e sócio-institucional da formação profissional toma forma na reestruturação do sistema nacional de educação, cujos contornos são dados pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394, de 20/12/1996, ao estabelecerem os dispositivos jurídico-institucionais das alterações que viriam a ocorrer no quadro geral da educação e, em particular, no nível superior (KOIKE, 2009, p. 204-5).

No que tange à formação profissional, observa-se, na atualidade, que os combates empreendidos pelo coletivo profissional na configuração da nova lógica curricular entram em rota de colisão com o projeto burguês de orientação da formação superior, particularmente o Serviço Social, tendo em vista o processo de formação em massa, com vistas a atender as requisições do mercado e, principalmente, no atendimento da lógica do lucrativo setor de educação superior de origem privada.

Se antes a luta era a favor da tríade educação pública, laica e de qualidade, hoje se soma a esta a direção de combate a favor de uma educação pública e, infelizmente, com a aceitação do privado, laica, de qualidade e presencial. Hoje, a educação a distância (EaD) representa uma grande fatia do comércio da educação superior, revelando a intencionalidade deste tipo de formação, travestida da falaciosa e já desgastada retórica de acesso à educação

superior e da justiça social, como forma de justificativa da assombrosa oferta de vagas no ensino a distância. O conceito de justiça social e de facilitação do acesso ao nível superior esconde a face escurecida do capital da educação que, por meio das suas tecnologias na era informacional, descaracteriza e vem paulatinamente assoreando a dimensão política da profissão pela via do empobrecimento intelectual do assistente social. Este empobrecimento levado a cabo pelo atual panorama universitário brasileiro ―compromete a direção social do projeto profissional que se propõe hegemônica, estimulando a reação conservadora e regressiva no universo acadêmico e profissional do Serviço Social brasileiro, com repercussões no processo de organização dessa categoria‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 441).

O cenário que se desvela na atualidade indica que o processo de formação acadêmica em massa possibilitará um inequívoco adensamento do exército industrial de reserva, posto a atender as demandas determinadas pelo fluxo do capital, na direção de precarização das condições de trabalho, nas questões salariais, do empobrecimento da práxis política do assistente social, com sérios rebatimentos no comprometimento com o projeto da profissão.

A questão do ensino a distância assumiu centralidade nos debates da profissão em suas dimensões constitutivas (Abepss, Cfess, Cress e Enesso). Porém, é necessário pontuar nesta pesquisa que as mudanças em curso têm determinado um padrão de formação profissional em Serviço Social que extrapola o debate da modalidade (presencial ou a distância), pois seu cerne situa-se na formação acadêmica.

O combate contra o ensino a distância acabou por ocultar, mesmo que momentaneamente, a proliferação dos cursos presenciais nas unidades privadas, que tem seu projeto de formação voltado para atendimento do mercado, expresso pela otimização do tempo de formação (cursos de menor duração), na desqualificação do debate sobre as questões centrais da profissão e da sociedade.

Associa-se a estes elementos o desmonte da universidade pública, com a proposta de formação de ciclos comuns, patrocinados pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que promoveu, por meio do conceito de multidisciplinaridade, a fragilização do processo de reflexão crítica dos assistentes sociais em formação. Além destes elementos, a universidade pública sofre com um processo de sucateamento, que tem mediações inequívocas com a fragilização da sua autonomia, orientada no sentido de ―reduzir a participação financeira do Estado na manutenção da universidade pública, a favor de sua crescente privatização, através de mecanismos que corroem, por dentro, a sua natureza pública‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 448).

A crise no processo de formação acadêmica em Serviço Social não se restringe à formação profissional, apenas. Ela possui mediações e determinações que necessitam ser debatidas, analisadas e aprofundadas, sob a lógica de compreendê-la e situá-la na totalidade. Esta crise esconde o franco processo de desmonte dos direitos e das condições de trabalho dos trabalhadores da educação, dentre eles, os professores, que veem seus salários achatados, condições precárias de trabalho, a inexistência de planos de carreiras e o esfacelamento da tríade: ensino, pesquisa e da extensão.

Mesmo com um cenário especialmente adverso, a proposta de formação profissional, tem como objetivo uma formação profissional essencialmente distanciada do conservadorismo, tendo como primazia a busca de uma compreensão crítica da dinâmica social enfrentada pelo assistente social, definindo que estas diretrizes deveriam implicar numa capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, que possibilite a compreensão da sociedade capitalista e a inserção do assistente social na esfera da (re)produção social.

Deste modo, a formação profissional necessita ter como direção: ―1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade;

2. investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país;

3. apreensão do significado social da profissão desvelado às possibilidades de ação contidas na realidade;

4. apreensão das demandas – consolidadas e emergentes – postas ao Serviço Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre público e privado;

5. exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor‖ (ABEPSS, 1996).

Esta direção impressa à formação profissional objetiva capacitar o assistente social em formação para analisar, interpretar e intervir na realidade concreta, realidade esta profundamente atravessada pelas relações sociais de produção capitalistas, constituídas historicamente. Objetiva, ainda, a reflexão sobre a centralidade da questão social, concebida como objeto de intervenção do assistente social, potencializando o profissional para sua compreensão e enfrentamento no cenário das lutas. A partir deste direcionamento na formação profissional, as propostas das diretrizes curriculares seguem na construção de ―conteúdos (teórico-ético-políticos-culturais) para a intervenção profissional nos processos sociais que estejam organizados de forma dinâmica, flexível, assegurando elevados padrões de qualidade na formação do assistente social‖ (ABEPSS, 1996).

Estes conteúdos versam sobre a capacidade do profissional entender o processo vivenciado no seu cotidiano, capacitando-o de forma a enfrentar criticamente esta realidade tão presente na práxis profissional do assistente social, elevando seu conhecimento teórico- crítico, para assim apreender a realidade e ser um profissional competente e compromissado com os valores assumidos coletivamente.

3.2.2 Os núcleos de fundamentação da formação profissional

Fundamentos teórico-metodológicos da vida social

Este núcleo visa à compreensão do ser social enquanto sujeito histórico, fundamentando os seus aspectos particulares da vida social na sociedade brasileira, buscando por meio de concepção calcada em um fundamento histórico-metodológico que possibilita conhecer o processo de institucionalização da profissão sob determinações sociais, ideológicas e históricas. Outro aspecto importante é a compreensão da vida social do país, articulando as refrações do passado e os seus significados na contemporaneidade, trabalhando aspectos como: propriedade privada, divisão social do trabalho, divisão de classes e as relações sociais no âmbito do trabalho.

Enfatizando todo o processo de produção e reprodução da vida social, das lutas de classes e das múltiplas expressões da questão social, este núcleo traz um aporte crítico quanto ao conhecimento da realidade cotidiana vivenciada pela classe trabalhadora, inclusive o assistente social, frente ao avanço do capitalismo na sua fase monopólica e sua participação direta no contexto ideopolítico da classe dominante frente à classe trabalhadora. Este eixo determina um novo olhar perante o painel ideológico determinado pelo capital, buscando por meio dele uma reflexão crítica de toda totalidade social a qual o homem se situa, produz e reproduz.

Fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira

Este núcleo objetiva o conhecimento da constituição da lógica capitalista no cenário da sociedade brasileira, seu processo de (re)produção sociometabólica e de interferência na vida material e espiritual da força de trabalho. Objetiva, também, as reflexões sobre os impactos das relações sociais de produção no cotidiano da sociedade brasileira.

Amparado em uma fundamentação teórica fundada no arcabouço da teoria social crítica, este eixo busca a compreensão das relações entre o Estado, a sociedade e o capital, mediado pela forte influência nas políticas sociais, numa visão econômica, sócio-histórica e política. A dinâmica de existência da classe trabalhadora enquanto segmento de resistência e necessária à (re)produção do modo de produção capitalista, subsidiando desta forma a compreensão desta realidade de forma crítica e (re)pensar seu trabalho profissional na dinâmica das relações sociais vigentes.

Núcleo de fundamentos do trabalho profissional

Este núcleo compreende o estudo da constituição do Serviço Social enquanto profissão inserida na divisão sócio-técnico do trabalho, sendo considerada uma especialização do trabalho coletivo, realizando o seu fazer profissional como uma materialização de um ―processo de trabalho que tem como objetivo as múltiplas expressões da questão social‖ (ABEPSS, 1996).

Este eixo em sua totalidade engloba os conhecimentos da tríade profissional, os fundamentos teórico-metodológicos, ético-político e técnico-operativos, relacionando estes eixos importantes da formação profissional numa direção profissional que propicie uma apreensão de todo o processo constituinte em que o assistente social se depara no decorrer de seu trabalho profissional, buscando por meio deste uma fundamentação crítica sobre o processo das relações sociais de produção e a inserção do serviço social na divisão sócio- técnico do trabalho.

Dentre estes aspectos importantes do processo de formação profissional, faz-se necessário o entendimento sobre a mediação teórico-prática, constituindo o estágio curricular obrigatório e a supervisão acadêmica de estágio como um importante instrumento capaz de fortalecer o trabalho profissional do assistente social, na direção do seu compromisso profissional. A ação profissional plasmada pelo estágio e a formação acadêmica embasada numa concepção teórica sólida, não pode ser vista e concebida como maniqueísta, e, sim, como a necessidade de se compreender a importância deste único processo que media de forma substancial a formação profissional crítica e comprometida.

Com vistas à consolidação da formação profissional, a Resolução CNE/CES nº 15, de 13 de março de 2002, define normas curriculares para os cursos de graduação em Serviço Social, em consonância aos pressupostos do Currículo Mínimo de 1996. Esta resolução define que o projeto pedagógico do curso deverá explicitar os pontos indicados a seguir.

1) Perfil dos formandos: este perfil tem como objetivo a uniformização de um único perfil de formando, estando este capacitado para o enfrentamento das refrações da questão social e o conhecimento da dinâmica na qual a classe trabalhadora está inserida.

2) Competências e habilidades: podem ser resumidas constando que esta formação profissional lhe ofereça condições de reflexões teóricas, metodológicas, conhecimento ético- político, buscando o fortalecimento do compromisso assumido pela categoria perante a classe trabalhadora e as competências técnico-operativas que visam à compreensão das ações da profissão. É necessária a compreensão e reflexão no trato em relação às habilidades, para que o assistente social não venha reproduzir a lógica tarefeira do trabalho profissional.

3) Organização do curso: tal organização visa à articulação de outros conteúdos acadêmicos aos conteúdos e disciplinas ministradas, buscando uma formação que possibilite a compreender toda a realidade social na qual o profissional estará inserido. Outro aspecto importante é o exercício da pluralidade, evitando o ecletismo, para que não deforme a formação deste assistente social e a indissociabilidade teórico-prática.

4) Conteúdos curriculares: por meio desta lógica curricular buscam-se os conteúdos curriculares necessários à formação do assistente social, uma fundamentação sólida dos eixos temáticos descritos acima, associando as atividades extensionistas, seminários temáticos, atividades complementares como forma de integrar o currículo e a formação acadêmica.

5) Estágio supervisionado e trabalho de conclusão de curso (TCC): o estágio curricular é uma atividade obrigatória ao acadêmico do curso, buscando a articulação teórico-prática, desvelando as dificuldades e êxitos obtidos pelo profissional no desenvolver do seu processo de trabalho. Esta inserção no espaço sócio-ocupacional visa capacitar o aluno para a sua inserção no mundo do trabalho profissional de forma competente e crítica. Já o TCC é uma atividade acadêmica obrigatória que vem demonstrar a apreensão do aluno durante todo o processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo ao final um trabalho científico de pesquisa, em tema correlato ao exercício profissional. Atualmente, as propostas neoliberais das universidades, principalmente privadas, visam à eliminação do TCC ou monografia dos projetos pedagógicos dos cursos, demonstrando o desmonte do ensino superior que relega ao segundo plano à formação profissional e do incentivo à pesquisa, fortalecendo interesses puramente econômicos;

6) Atividades complementares: propostas que visam ao enriquecimento curricular, buscando por meio de atividades de iniciação científica, monitorias, participação em seminários e atividades de extensão a autogestão de interesses do próprio discente. As atividades curriculares propõem uma formação mais sólida; porém, verifica-se que esta

modalidade requer mudanças na sua organização para um melhor aproveitamento na vida acadêmica.

As novas diretrizes curriculares vieram balizar uma nova apreensão da sociedade contemporânea frente às refrações da questão social, produzidas pelo modo de produção capitalista, buscando por meio da teoria social de Marx o seu desvelamento e sua compreensão, contribuindo na direção de uma intervenção profissional no trato da questão social de forma crítica, compreendendo de maneira histórica o processo social vivenciado pela classe trabalhadora.

Nesse contexto, o assistente social vem buscando uma constante (re)construção de um projeto profissional crítico e atuante, estabelecendo as convergências do mercado de trabalho, já que a profissão se inscreve na divisão sócio-técnico do trabalho e é assalariada.

Discutir o processo formativo dos futuros assistentes sociais, considerando os aspectos que envolvem essa formação, evidencia a necessidade do debate coletivo, tencionando sempre a competência teórico-crítica, possibilitando novas propostas de atuação profissional, alicerçadas pela Lei de Diretrizes e Bases, por Diretrizes curriculares, pelo Projeto Político Pedagógico e em consonância ao projeto ético político da profissão.