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O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL

1.2 O significado da “Virada” do Serviço Social

Para entender as forças que particularizaram a ―Virada‖ do Serviço Social, faz-se necessário entender o cenário que se desvelava nos fins da década de 1970, identificando os elementos macroestruturais que emergem sob a égide do capital. Assim, só é possível refletir sobre este acontecimento singular da profissão ―do ponto de vista da totalidade [que] considera que sua possibilidade foi resultado de determinações internas e externas ao Serviço Social‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 125).

A ruptura mais significativa em relação à ética, ao conservadorismo teórico, com rebatimentos no exercício profissional e nos seus valores, será sentida mais claramente no início da segunda metade dos anos 1980, com o Código de 1986. Porém, ressalte-se que, antes desta ruptura, outro acontecimento engendrara e definira novos papéis e sujeitos no processo de ruptura, como a ocorrência do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979 (III CBAS), conhecido como o ―Congresso da Virada‖ (ABRAMIDES, 2006).

Conceber e entender a importância do ―Congresso da Virada‖ leva-nos à reflexão do que este Congresso representou (e representa) para o coletivo profissional e para a sociedade, no marco da sociabilidade burguesa, do seu lugar no centro de um influxo conservador determinado por fatores internos e externos (GUERRA; ORTIZ, 2009), pressupondo alguns elementos essenciais para o debate.

O cenário mundial, entendido como totalidade da vida social operada pela lógica capitalista deflagrada nos países centrais (Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo) no final

da década de 1970, marca profundamente as particularidades do Serviço Social latino- americano. Para a América Latina, os influxos das determinações monetárias, ideológicas, culturais e militares provocam marcas indeléveis aos trabalhadores e aos direitos sociais. Contraditoriamente, observa-se, também, maior mobilização da classe trabalhadora.

[...] pelo dinamismo e expansão do capitalismo, a classe operária se desenvolve e amadurece do ponto de visa da sua consciência de classe e de sua organicidade. A revolução cubana (1959), as novas lutas de classe na Guatemala (1960), a influência dos movimentos desencadeados no maio francês de 1968, o Cordobazo argentino (1969), a unidade popular do Chile (1970-1973), a grande mobilização social que levou a vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) em 1979; a recuperação de parte da soberania do Canal do Panamá (1977) pelos Tratados Torrijos-Carter, a guerra de libertação em El Salvador (1980-1992), são marcos que confirmam que ―em contato com essa realidade, as classes vão forjando sua consciência política, que, portanto, não surge por geração espontânea‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 125).

É notório que todo movimento operado pela lógica do modo de produção capitalista, tipicamente norte-americano, não pode ser observado apenas por suas determinações estruturais. Para sua reflexão, faz-se necessário apontar a contradição deste movimento, operado pelas fileiras revolucionárias latino-americanas, que desempenharam um papel decisivo na correlação de forças no cenário macroestrutural, evidenciado pelo amadurecimento político dos movimentos situados à esquerda, como uma expressão da luta de classes, da defesa das particularidades latino-americanas, além da luta contra as ditaduras sangrentas patrocinadas pela lógica capitalista.

Neste cenário, o desenvolvimento das forças do Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americana ganha força, apesar dos ataques sofridos constantemente, fundando na profissão a adesão e o alinhamento de correntes do movimento à luta geral dos trabalhadores, a aproximação aos movimentos sociais opositores dos regimes autocráticos, além do claro posicionamento em defesa de uma nova sociabilidade.

As particularidades do Brasil inserem-se na mesma direção social desses movimentos opositores, que eram definidos pela autocracia como perigosos à democracia e à ordem. Tais movimentos foram fortalecidos principalmente com a emergência do movimento operário, legatário da resistência ao regime autocrático, aqui entendido em sua totalidade.

Na dimensão profissional do Serviço Social, dada sua histórica adesão ou acriticidade em face da lógica do capital, merece destaque o marco que assinalou a construção de um projeto contra-hegemônico a essa perspectiva histórica: III CBAS, mais conhecido como o ―Congresso da Virada‖. Esse projeto, de caráter inovador, foi calcado em elementos supressores da sociabilidade do capital, na construção da emancipação humana e social.

A ―Virada‖ do CBAS pode ser considerada como resultante de todo o movimento político e ideológico do Serviço Social brasileiro que estava profundamente alinhado ao movimento da sociedade na contracorrente da ditadura e à situação político-econômica e às condições precárias postas aos trabalhadores. Desse movimento, podem ser considerados elementos que, associados a um gradual reposicionamento da profissão frente à sociedade, dinamizaram o processo de busca pela ruptura com a direção conservadora que ainda se mantinha no poder das entidades profissionais, refletindo, ainda, a característica marcante do conservantismo profissional.

A efervescência política da transição dos anos 1970 para os anos 1980 define, portanto, as bases de sustentação do projeto ético-político (PEP), pois é na ambiência da construção de uma nova sociedade, que

[...] desenvolve-se amplo processo de mobilização das classes trabalhadoras no país, tendo no ―novo sindicalismo e na classe operária do ABC paulista seu protagonismo‖, e que vem a expandir-se pelos setores assalariados em geral que se mobilizam e se organizam em um contexto social de grande e vigorosa efervescência política a partir dos interesses das massas trabalhadoras (ABRAMIDES, 2006, p. 79).

Não se pode analisar a ―Virada‖ sem compreender o movimento operado pelos trabalhadores, pelos movimentos sociais organizados, pela luta da profissão na direção de um novo ordenamento societário, além da busca do Serviço Social pelo fortalecimento da sua direção social definida nas/pelas mesmas bases dos trabalhadores.

Neste processo, é inconteste a participação de assistentes sociais sindicalistas, baseadas na direção de apoio às lutas populares, tendo como eixo central as políticas públicas como elementos necessários à construção de uma sociedade mais justa. Esta vinculação tem conotações com a luta pela construção de uma nova sociedade, para além da constituição destas políticas públicas e serviços sociais na esfera dos direitos sociais, associando ao fato de que, tradicionalmente, estas políticas constituírem-se em espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais (ABRAMIDES, 2006).

Nesse processo de definição de uma nova direção sócio-política do Serviço Social, destacam-se alguns elementos que contribuíram para a ruptura com o conservadorismo profissional: a efervescência sócio-política profundamente caracterizada pelo processo de erosão da ditadura; o arrocho salarial imposto aos trabalhadores por meio de ajustes econômicos perversos, com vistas a atender os ditames da política imperialista americana, nova organização sindical brasileira e o reposicionamento dos movimentos sociais na cena. Mediado pelos primeiros contatos com o pensamento crítico haurido da teoria de Marx e

potencializado pelo momento político do final da década de 1970, o ―Congresso da Virada‖ tem suas bases de ruptura com vertentes conservadoras mais delineadas.

O Congresso de 1979 representa um marco nesta ―virada‖ do conteúdo ideopolítico presente na profissão desde sua institucionalização. Isso porque o coletivo profissional se vê na condição de agentes vetores da negação da presença de agentes estatais no evento, os quais se situavam na contramão: (1) da participação popular, bem como do questionamento da organização do congresso pelo seu profundo enraizamento na vertente conservadora; (2) da histórica busca pela reativação do movimento sindical da profissão e do papel político do movimento estudantil; e (3) da ―opção pelo claro compromisso com as lutas dos trabalhadores e pelo reconhecimento de sua missão histórica e revolucionária‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 124).

Na passagem dos anos 1970 para os anos 1980, a profissão alcança uma maturidade teórica, com profunda articulação prática e política, evidenciada pela busca de um projeto coletivo, que redesenhou a categoria e sua consciência de classe no seio da profissão, na divisão social do trabalho e claro, nas relações sociais de produção. Ou seja, buscou-se a redefinição do lugar do Serviço Social enquanto profissão dentro da cena contemporânea, ou no contexto da realidade concreta. Esta construção coletiva de um projeto igualmente coletivo representou, naquele momento, a pavimentação dos compromissos da profissão com a classe trabalhadora e o claro entendimento do Serviço Social como uma profissão assalariada.

Assim, o processo de produção (capitalista) é elemento fundante e igualmente determinante na formação da consciência de classe, sendo que à medida que o processo de (re)produção se posiciona como elemento central ou como causa ou como ação, a consciência se põe como resposta ou reação a esse processo ou a uma situação típica dele.

Para Marx e Engels, a concepção de luta entre classes antagônicas (capital versus trabalho) é entendida como um processo transitório, e a sua superação está condicionada à própria superação da sociedade de classes, sociedade esta patrocinada pelas relações sociais de produção do grande capital. Isso porque a condição de classes não pode ser concebida como um ―elemento eterno e natural da sociabilidade‖ (PAULO NETTO, 2004, p. 65).

Segundo Marx e Engels, os trabalhadores organizados (classe) são concebidos como sujeitos revolucionários. Paulo Netto, fundado nos pensadores alemães, destaca que

[...] não bastava a existência histórico-concreta de uma classe social revolucionária para que emergisse uma consciência de classe revolucionária — era preciso a elaboração teórica da perspectiva desta classe, e esse passo não derivava, nem era uma simples resultante, daquela existência (PAULO NETTO, 2004, p. 63).

Ainda para Paulo Netto, a classe é considerada como resultante particularmente teórica que objetiva superar o conceito fundado na imediaticidade de questionamentos políticos sobre determinada conjuntura histórica (―classe em si‖), sendo esta

[...] constituída pela população, cuja condição social corresponde com determinado lugar e papel no processo produtivo, e que, independentemente de sua consciência e/ou organização para luta na defesa dos seus interesses, caracterize uma unidade de interesses comuns em oposição aos de outras (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 97).

Neste sentido, a conquista dos trabalhadores, enquanto potenciais sujeitos revolucionários, não pode ter como medida a conquista da redução da jornada de trabalho ou de melhorias salariais apenas, mas a efetiva organização de caráter coletivo, tendo como horizonte as possibilidades para a construção de uma nova sociedade sem classes, o que pressupõe uma sociedade livre do julgo do capital (―classe para si‖), classe esta que, ―consciente de seus interesses e inimigos, se organiza para a luta na defesa destes‖ (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 97).

Uma classe oprimida é a condição vital de toda a sociedade fundada sobre o antagonismo de classes. A libertação da classe oprimida implica, portanto, necessariamente a criação de uma sociedade nova. Para que a classe oprimida possa se libertar, é preciso que as forças produtivas já adquiridas e as relações sociais existentes não possam mais existir umas ao lado das outras. De todos os instrumentos de produção, a classe revolucionária é ela mesma a maior força produtiva. A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças produtivas que puderam engendrar no seio da sociedade antiga (MARX, 1985, p. 159).

Em decorrência, no processo de construção da consciência de uma classe potencialmente revolucionária, é indispensável a compreensão sobre a totalidade da vida social, entendida a partir das determinações das relações sociais de produção (condições objetivas e subjetivas) sob o patrocínio do capital, e o (re)conhecimento de uma condição de ―classe que se dispõe à luta‖. Deste modo, a perspectiva de classe é, pois, um ―constitutivo ineliminável no projeto e no processo da revolução que se projeta para o comunismo [nova sociedade sem divisão em classes]‖ (PAULO NETTO, 2004, p. 63).

Continuando nossas reflexões sobre consciência de classe, Mészáros (2006) situa-a a partir do lugar da classe trabalhadora no contexto da sociabilidade burguesa e sua relação com o capital. O autor afirma que a consciência de classe proletária é, pois, a consciência que o trabalhador tem de sua existência social ancorada no antagonismo estrutural necessário (à reprodução sociometabólica) à sociedade capitalista, o que contrasta com a contingência da consciência de grupo que percebe só uma parte mais ou menos reduzida dessa configuração global.

Deste modo, o desenvolvimento da consciência de classe somente pode ser compreendido por meio da dialética, pelo fato de ser este um processo igualmente dialético. É, nas palavras de Mészáros, uma

[...] inevitabilidade histórica precisamente enquanto a tarefa se realiza por uma necessária mediação de um agente humano consciente de si mesmo. Isto, inevitavelmente, requer algum modo de organização. ―Dito de outro modo, o desenvolvimento ―espontâneo‖ e ―direto‖ da consciência de classe proletária — seja sob o impacto das crises econômicas ou a consequência de uma iluminação pessoal do indivíduo — é um sonho utópico‖ (MÉSZÁROS, 1973, p. 126).

O conceito de consciência de classe em Mészáros parte da compreensão de que a consciência operária advém da sua situação de pertencimento, de vinculação, pelo fato de sua condição de expropriado, de não deter os meios de produção necessários à sobrevivência.

É com esta clareza de condição de pertencimento, da condição de trabalhador assalariado que o Serviço Social inicia, na década de 1980, a busca por um novo lugar neste cenário. Ou seja, as bases de compromisso com a classe trabalhadora estavam em efervescência, dados os acontecimentos operados naquele determinado momento histórico que, sem dúvida, legou uma consciência mais crítica a profissão, além da reflexão enquanto trabalhador coletivo, do seu lugar na construção de um sociedade diferente.

Este despertar de consciência tem suas bases no profundo papel político do Serviço Social a partir daquele determinado momento histórico. Deste modo, o momento histórico do ―Congresso da Virada‖ não pode ser entendido apenas como resposta da organização coletiva da profissão, pois se cola a este processo o próprio movimento da sociedade naquele determinado momento, com a efervescência dos movimentos sociais na busca pela construção de princípios democráticos que atendessem as legítimas necessidades da classe trabalhadora, na luta pelo redirecionamento das ações do Estado na condução da política econômica que, até 1979, mantinha o ideário do ―milagre econômico‖ como forma de sustentação do domínio militar (econômico, social, político e ideológico).

Deste modo, mantinha o crescente endividamento externo do país, como forma de sustentar o já insustentável boom do crescimento da economia nacional, porém os gestores do capitalismo atrófico perderam o ―controle sobre a inflação, a dívida externa e o balanço de pagamentos, fatores que acabaram gerando desemprego‖ (RODRIGUES, 2002, p. 102). Com a crise do petróleo, que já se anunciara em um primeiro momento em 1973, a autocracia burguesa tem seu milagre em processo de franca erosão.

A crise do petróleo e o arrefecimento econômico mundial vinham levantar o ―véu de euforia‖ que o ―milagre‖ produzira, desnudando o caráter desequilibrado da fase anterior, que estivera

dissimulado — e também agravado — por uma conjuntura internacional extremamente favorável. A crise do ―milagre brasileiro‖ caracterizou-se por duas peculiaridades: foi uma crise de endividamento e uma crise de fim do fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento (MENDONÇA; FONTES, 2004, p. 54).

O terreno de lutas em que o Serviço Social insere-se a partir da ―Virada‖ de 1979 situa-se no contexto da condição contraditória posta pelo capital, pois a profissão, reconhecida a partir de uma consciência coletiva na condição de trabalhadores assalariados e inseridos na divisão social e técnica do trabalho, não estava imune ao projeto liberal que se aproximava. A categoria profissional fazia parte desta coletividade, pois se situava na mesma arena conflituosa da relação antagônica entre capital e trabalho, dada sua condição de profissão assalariada.

A reflexão e o despertar de uma consciência crítica, de caráter coletivo da profissão fica fortalecida por sua organização e seu alinhamento à causa operária, centrados no paulatino fortalecimento do campo acadêmico-científico, com os cursos de graduação e os programas de mestrado e doutorado.

Nos anos 1970, o espaço acadêmico oferecia inicial solidez com a graduação e a recente pós- graduação em Serviço Social, o que proporcionava um caminho um pouco mais seguro para os questionamentos e o trabalho teórico-metodológico pretendido pelos protagonistas da perspectiva da intenção de ruptura (LARA, 2009, p. 51).

Associado a elementos político-ideológicos, um aporte teórico-metodológico e um claro direcionamento de organização profissional, por meio das associações profissionais e sindicatos, os germes potencializadores da ruptura ressoam no III CBAS como resposta teórico-política a todo o movimento conservador que ainda subjazia à profissão, inclusive nas instâncias representativas. Este processo pode ser concebido por meio do ―amadurecimento da vanguarda da categoria, que militando em outros movimentos sociais e sindicais, vai acumulando forças e competência teórico-política para conformar uma nova direção estratégica para a profissão‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 123).

A consciência de classe construída pela profissão põe em movimento a intencionalidade de ruptura com todo o processo do evento, que mantinha estreitas ligações com a autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991), observado até mesmo no seu temário, que trazia com eixo central de debates o Serviço Social e a política social, cuja proposta de discussão estava assentada na mesma direção do movimento posto pelo fracasso do ―milagre econômico‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009).

O Congresso tem suas bases de organização científico-política duramente questionadas pela vanguarda, pelo fato de manter a anulação do diálogo entre a organização e

os profissionais, pela inexpressiva participação dos estudantes no evento e pela participação de agentes estatais, além do processo autoritário e antidemocrático.

Os questionamentos pautavam-se na crítica ao caráter monolítico do Congresso, representante do ideário conservador presente no seio profissional, como resultado da vinculação orgânica da organização do evento ao conservadorismo da ditadura evidentemente claudicante, porém, reatualizada na constante retórica para incessante tentativa de manter-se no poder. Deste modo, a vanguarda segue na direção da crítica à

[...] falta de construção democrática do evento e da postura antidemocrática adotada pelas entidades da categoria, o questionamento sobre a ausência de profissionais nas mesas em detrimento do quantitativo de representantes das entidades governamentais e sobre a limitação do número de estudantes participantes do mesmo (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 128).

Símbolo da ditadura militar, a anulação da participação popular, aqui entendida no coletivo profissional, demonstra o direcionamento e a intencionalidade em sufocar o movimento organizado e protagonizado por diversos atores (profissionais e sociedade) na busca pela crítica, pela denúncia, pela liberdade, pela democracia. Assim, ―foi visível o descontentamento de um segmento significativo de participantes no Congresso no que se refere à proposta e à dinâmica adotada, que impedia os debates e a manifestação verbal dos participantes‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 128).

Faz-se necessário refletir que o ―Congresso da Virada‖ é um marco que aponta a nova direção social da profissão no cenário em que se desenvolvem as forças produtivas do capital, bem como em que os movimentos sociais fervilham na busca pela construção de uma sociedade nova. Mas essa virada não é um momento factual da profissão, mas, sim, resultado de um adensamento político que não finda com a década de 1970, pois as conquistas alcançadas em 1979 terão seus desdobramentos nos anos 1980, associando elementos essenciais para o amadurecimento de um projeto ético-político profissional e a vinculação a uma nova direção social no cenário da divisão social e técnica do trabalho (PAULO NETTO, 1991).

O III CBAS teve a possibilidade de efetuar a reversão da hegemonia conservadora, instalada em sua concepção e dinâmica, impulsionada pela ação dirigente e organizada das entidades sindicais e pré-sindicais, coordenadas pela Coordenação Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (Ceneas), em uma ação coletiva unitária que publicamente assume a direção sociopolítica da profissão (ABRAMIDES, 2006, p. 119). Esta nova direção social da profissão seria o elemento necessário à consolidação do projeto

político-profissional na passagem da década de 1980 para a de 1990 e firma-se como um marco nesta direção que se despontava.

O enfraquecimento da ditadura e a emergência dos movimentos reivindicatórios são elementos decisivos neste processo; porém, na entrada dos anos 1980, os desafios aos trabalhadores e à profissão serão sentidos com o endurecimento das relações sociais de produção com o claro alinhamento do Brasil à lógica liberal dos países capitalistas centrais.

A década de 1980 reservou fecundas possibilidades de construção e reconstrução da profissão, além do embate na contracorrente pela democracia e pela consolidação dos direitos humanos, sociais, civis e políticos suprimidos por uma sequência de ditaduras. Somam-se ao processo macrossocial as bases que dariam concretude ao projeto profissional do Serviço Social. Quais elementos foram estes? Quais as novas-velhas lutas engendradas pelos trabalhadores nos anos 1980 e suas relações com a profissão?