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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Reginaldo Pereira França Júnior

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Reginaldo Pereira França Júnior

Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional

e Seu Debate

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Reginaldo Pereira França Júnior

Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional

e Seu Debate

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência Parcial para a obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob a orientação da Professora Doutora Maria Lucia Silva Barroco

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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I

FOLHA DE APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Profª Drª Maria Lucia Silva Barroco — Orientadora

PUC SP

________________________________________ Profª Drª. Edvânia Ângela de Sousa Lourenço

Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, Franca

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II

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III Dedicatória

Ao grande mestre João Antonio Rodrigues, por me fazer perceber que Marx não está ―morto‖ e que a existência de um mundo em que o homem possa ser a medida de tudo está em nossas mãos!

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IV

AGRADECIMENTOS

Esta dissertação não é apenas uma síntese de reflexões teóricas, é um trabalho que foi construído por várias mãos... Mãos amigas que me afagaram as cabeleiras despenteadas de muitos finais de semanas e noites em claro... Mãos que me fortaleceram e me seguraram quando precisei. Por essência, é um trabalho solitário, mas, na solidão das noites, dias e finais de semanas absorto nas reflexões, encontrei nos amigos e familiares o apoio necessário para minhas insistentes e inconclusas considerações.

Expresso aqui meu eterno agradecimento à minha mãe, mulher de fibra, perseverante, que desde cedo me ensinou os caminhos do estudo, da honestidade, da inteireza do homem e do respeito à diversidade. Mulher com alfabetização básica, mas dona de um conhecimento da vida e do mundo que nenhuma pós-graduação pode oferecer. Peço desculpas pelas ausências constantes e, nos últimos meses, por um insistente, porém necessário ―encastelamento‖ para que o produto deste trabalho chegasse a este momento. Agradeço aos meus irmãos (João Henrique e Lorena) pela compreensão dos momentos de fadiga, de impaciência, de irritação e pela ausência.

Ao meu pai, pela singeleza e simplicidade, mas que nunca, mesmo distante, deixou de me incentivar nos estudos na busca pelo constante pelo conhecimento.

Aos amigos do peito e de perto que acompanharam todo meu processo de construção. Vocês foram essenciais na direção constante do meu equilíbrio nos momentos de desânimo, angustia e preguiça. Estes amigos não podem ser classificados, enumerados... Eles são sentidos na minha essência: Luana Braga, companheira de luta desde a época da graduação, mulher forte, sensível, estimuladora, irrestritamente compromissada com os valores da nossa profissão, um exemplo a seguir; Jaqueline Barros, carioca da gema, mulher esperta, de mente ágil como de uma águia, assistente social e docente do mais alto nível, dona de uma sensibilidade enorme; é meu amor incondicional, transcendental, diria até sobrenatural; nossa amizade não se explica, se sente... Afinal, amigo é casa!

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V

Agradeço os alunos e ex-alunos do Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba, fonte inspiradora das minhas inquietações teóricas, filosóficas e políticas... Parceiros inseparáveis na construção cotidiana... Vocês me ensinaram a aprender... Um agradecimento especial aos meus alunos da disciplina Serviço Social e Processo de Trabalho, pelo compromisso com os usuários e com a profissão.

Aos meus alunos da Faculdade Frutal, gente simples, hospitaleira, guerreira... Mentes críticas em efervescência, nossa esperança em um futuro melhor, construtores da direção social da profissão... Vocês me estimulam e me dão a energia necessária para a caminhada.

Aos professores do Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba, sobreviventes dos constantes furacões que insistentemente tentam varrer nossas concepções filosóficas, teóricas e políticas... Turma de guerreiros, solidários e solitários na luta contra os desmandos institucionais que tentam minar a formação profissional de qualidade. A vocês, Luana Braga, Marcia Cristina, Cacildo Teixeira, Josiele Fernandes, minha eterna gratidão pelo apoio nas horas mais difíceis... É bom saber que, mesmo com inúmeros furacões, seguimos de braços dados na contracorrente. Meu agradecimento especial a Valquíria Alves Mariano, docente competente, compromissada com uma formação profissional sólida, mulher inteligente, sensível. Na condição de minha eterna professora, desde os tempos da graduação, dedico as linhas que se seguem nesta dissertação a você e a tantos outros que colaboraram com minha formação. Suas aulas foram memoráveis...

Aos companheiros do Sanatório Espírita de Uberaba pelo apoio incondicional nestes momentos finais... Cristiano Boaventura, Pollyanna, Viviane, Marcio Arduini, Dr. Eurípedes... Vicentina, Sirlei, André, Marli... São tantos... Aos pacientes que me ensinaram que a loucura não está restrita à capacidade mental, apenas — a loucura expressa-se numa sociedade onde o ter é maior que o ser — e que a estrutura perversa do capital é, sim, uma loucura...

A Rosemeire dos Santos, minha caipira magrela, companheira e incentivadora em todos os momentos do mestrado. Mesmo distante, seu apoio foi determinante. Seus gritos ao telefone serão inesquecíveis... Esta dissertação também é sua!

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VI

Ao companheiro de todas as horas Rafael Nunes... Mesmo que distante das reflexões do Serviço Social, suas críticas e reflexões sobre Marx, revolução proletária, nova ordem societária foram inestimáveis... Em breve, teremos um médico marxista, revolucionário... Pensei que seria incompatível, mas percebi que não! Existem médicos que pensam além do biológico!

Um agradecimento especial à banca examinadora da qualificação, pelo rigor teórico exigido e pela doçura nas colocações. Profª Edvânia Ângela e Profª Bia Abramides, guerreiras defensoras dos trabalhadores e dos povos oprimidos. Obrigado por aceitarem o desafio da qualificação e agora da Banca de Defesa. As reflexões de vocês são essenciais para o enriquecimento deste trabalho. Agradeço às professoras Carmelita Yazbek e Maria Liduína, por aceitaram participar da banca, na condição de suplentes. Tenho certeza que as contribuições de vocês serão essenciais.

Agradeço aos sujeitos que ousaram participar desta pesquisa. Suas contribuições foram e serão inestimáveis para a pavimentação da crítica na direção dos compromissos profissionais.

Aos assistentes sociais compromissados com um mundo melhor, em que o homem seja a medida de tudo. Aos trabalhadores, classe donde emergem as possibilidades revolucionárias de construção de um mundo novo!

Ao casal amigo Rosimár e Aragão... Um agradecimento de coração pelo apoio e incentivo em todos os momentos... À Maria Clara, esperança no futuro!

Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP, por me proporcionarem inquietações constantes. Dentre eles, destaco especialmente Evaldo Vieira, Mariangela Belfiore Wanderley, Carmelita Yazbek, Raquel Raichelis, Maria Lucia Martinelli, Celso Frederico, Marco Aurélio Nogueira e Marilda Iamamoto.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao Programa de Serviço Social, por me proporcionarem o acesso ao conhecimento crítico. Agradeço ao CNPq pelo incentivo financeiro nesta empreitada.

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VII

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o processo de apropriação e da objetivação da teoria social de Marx e seus rebatimentos no projeto ético-político profissional junto aos assistentes sociais. Pretende-se ainda, analisar qual a contribuição da teoria social de Marx para a profissão e sua consequente materialização no cotidiano do trabalho profissional. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, tendo como procedimento a revisão de literatura e pesquisa de campo, por meio de entrevista semiestruturada com três assistentes sociais da cidade de Uberaba, MG, no ano de 2012, sendo um da área da saúde, um da docência e um do Tribunal de Justiça. Este trabalho justificou-se pelos questionamentos sobre as formas de apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais e as formas de objetivação do projeto ético-político profissional no cotidiano do trabalho profissional. Observou-se que há uma relativa apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais, constatando entraves no processo de formação profissional que incidiram nessas deficiências de bases teórico-metodológicas. Da relativa dificuldade em apropriar-se do arcabouço teórico de Marx apontam-se as limitações para a objetivação do projeto profissional no cotidiano de trabalho. Dessa forma, os sujeitos compreendem a centralidade do projeto profissional no Serviço Social contemporâneo, porém se veem limitados nesta objetivação, dadas as relações sociais de produção capitalista e dos limites institucionais. Observou-se que a dificuldade na adesão ao projeto de classe não pode ser atribuída exclusivamente aos limites institucionais ou do capital; esse projeto necessita ser pensado como um compromisso que supere as determinações e situe o homem como a medida de todas as coisas.

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VIII

ABSTRACT

The objective of this work is to review the process of ownership and objectification in Marx‘s social theory and its ethical-political effects on the social workers‘ ethical-political professional project. It is also intended to analyze the contribution of Marx‘s social theory for the profession and its subsequent materialization in daily life of professional work. It is a study of qualitative approach, including a literature review and a field research, through semi-structured interviews with three social workers — one of the healthcare area, another a teaching and a third of the Judiciary — in the city of Uberaba, MG, in the year 2012. This work was justified by questioning the forms of appropriation of the Marx‘s social theory by social workers and the forms of objectification of the ethical-political professional project in daily professional work. It was noted that there is a degree of ownership of Marx‘s social theory by social workers, as well as obstacles in the process of vocational training that fell on these theoretical-methodological bases deficiencies. The limitations for the objectification of professional project in daily work come from the relative difficulty in taking ownership of Marx's theory. The subjects understand the centrality of contemporary Social Service professional project, but they are limited in this objectification, given the social relations of capitalist production and institutional boundaries. It was noted that the difficulty in joining the class project cannot be attributed solely to institutional or capitalist limits; that project is to be thought of as a compromise to overcome the determinations and locate man as the measure of all things.

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IX

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1

Capítulo I O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO

PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL 15

1.1 A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas 26 1.2 O significado da “Virada” do Serviço Social 29 1.3 Os rebatimentos da “Virada” no Serviço Social nos anos 1980 37 1.3.1 A revisão curricular de 1982: as protoformas de uma formação crítica para o

assistente social 40

1.3.2 O Código de 1986 e a Constituição de 1988: marcos e conquistas da sociedade e

do Serviço Social 44

Capítulo II A CATEGORIA TRABALHO E A RESSIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA

PROFISSIONAL 51

2.1 A centralidade ontológica do trabalho 51 2.2 A divisão social e técnica do trabalho e o Serviço Social enquanto

especialização do trabalho coletivo 56

2.3 A capacidade ético-política do Serviço Social 60

Capítulo III DESVELANDO UBERABA (MG): O CENÁRIO DA PESQUISA E

OS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS 80

3.1 Um esboço da história social e econômica de Uberaba 60 3.2 A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social 92 3.2.1 A formação profissional e as diretrizes curriculares gerais 92 3.2.2 Os núcleos de fundamentação da formação profissional 96 3.3 O Sistema Único de Saúde como espaço sócio-ocupacional do assistente social 99

3.4 A saúde pública em Uberaba 103

3.5 O Poder Judiciário: desvelando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,

comarca de Uberaba 105

Capítulo IV A PESQUISA 108

4.1 Apresentação 108

4.2 Análise dos dados 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

REFERÊNCIAS 161

ANEXOS 170

Roteiro de entrevista semiestruturado 171

Roteiro de entrevista semiestruturado — Roteiro para docente 172

Termo de consentimento livre e esclarecido 173

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho objetiva compreender o processo de apropriação e objetivação da teoria crítica e do projeto ético-político do Serviço Social no contexto do trabalho profissional, na região de Uberaba (Minas Gerais), em 2012. Para tanto, a proposta é conhecer a contribuição da teoria social crítica para a profissão; desvelar as formas de apropriação dos fundamentos da teoria crítica pelos profissionais e a identificar a materialização do projeto ético-político do Serviço Social no cotidiano do trabalho profissional.

O interesse por esse tema emerge da necessidade de aprofundar a compreensão dos resultados concretos, no cotidiano profissional e na vida social, da adesão sócio-histórica e ético-política do Serviço Social brasileiro ao arcabouço teórico-metodológico da teoria social de Marx, bem como a um projeto social de caráter emancipador.

Assim, baseada nos fundamentos da teoria social crítica de Marx, a articulação da concepção teórica com o exercício profissional cotidiano suscitou questionamentos acerca do entendimento da categoria profissional sobre o lugar do debate ―marxista‖ no aparato teórico -metodológico apropriado no trabalho profissional e seus rebatimentos no compromisso ético-político do Serviço Social, pela via da objetivação cotidiana.

De forma empírica, expõe-se que a observação do cotidiano mostra que, muitas vezes, os assistentes sociais apontam um discurso vinculado à teoria social de Marx, porém, seu entendimento ainda segue enviesado por fundamentos teóricos adversos a essa base e subjacentes a um conservadorismo, ora remanescente, ora figurado no conceito de pós-modernidade, com forte impacto no seu exercício profissional. É necessário, pois, apontar elementos acerca do debate sobre a conceituação da teoria social de Marx, para compreensão e explicação da sociabilidade capitalista, e, consequentemente, refletir sobre os desdobramentos desta apropriação no cotidiano profissional do assistente social.

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relações efetivas pela razão teórica; o concreto, pois, não se mostra faticamente, na empiria, imediatamente‖. Assim, estes autores afirmam, fundados no pensamento de Marx, que o concreto não se desnuda empiricamente, apenas. A compreensão da totalidade como síntese de múltiplas determinações supõe ultrapassar a facticidade, evidenciando a necessidade de estabelecer as mediações abstratas às ações efetivas do cotidiano, ou seja, partir do concreto pensado (realidade capturada pela abstração) para o concreto vivido (a base material, o concreto).

Marx desenvolve seus estudos e reflexões sobre a sociedade capitalista a partir do pressuposto essencial de que as formas de consciência social (superestrutura) estabelecem mediações intrínsecas à infraestrutura (estrutura econômica) da sociedade a ela inerente. Deste modo, é factível afirmar que as determinações econômicas, operadas sob a égide do capitalismo em sua fase monopólica, incidem decisivamente nas formas da consciência social, nos modos de vida, na cultura e em outros componentes da essência humana. Assim, Marx (s/d, p. 301) assevera que ―não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência‖.

No que tange ao processo de (re)produção da sociedade capitalista, faz-se necessário entender que o capital possui sua lógica ética estruturada na acumulação e na apropriação dos meios de produção, com vistas à sua (re)produção sociometabólica (MÉSZÁROS, 2004). E fundado na crítica desses fundamentos éticos do grande capital, emerge na Alemanha, em 1923, o Instituto para a Pesquisa Social, idealizado por Félix Weill, que futuramente ficou conhecido como a Escola de Frankfurt (Institut für Sozialforschung). Após sua criação, assume como diretor o historiador Grunberg, que buscou trazer para o debate, no contexto das ciências sociais, a temática relacionada ao movimento operário e ao socialismo, tomando como cenário de sua análise o momento histórico vivenciado pela classe operária na Alemanha. Tal destaque é relevante na medida em que a perspectiva histórica de análise da sociedade capitalista sobrepuja nas ciências sociais o ideário conservador de forte cunho positivista que marcou (e ainda marca) o início do século XIX (ABRÃO, 2004).

Dessa forma, os acontecimentos antecessores à criação dessa Escola são emblemáticos e determinam a exegese do pensamento frankfurtiano.

A derrota dos movimentos proletários de esquerda na Europa Ocidental após a Primeira Guerra Mundial, o colapso dos partidos de massa de esquerda na Alemanha, que se transformaram em movimentos ou reformistas ou dominados por Moscou, a degeneração da Revolução Russa com o estalinismo e a ascensão do fascismo e do nazismo. Esses acontecimentos suscitaram questões fundamentais para aqueles que se inspiravam no marxismo, mas estavam dispostos a reconhecer como eram enganosas e perigosas as concepções dos que sustentavam que o socialismo era uma

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automaticamente da promulgação da linha partidária ―correta‖ (BOTTOMORE, 1993, p. 127-128).

Criada em 1923, a Escola de Frankfurt agrega, nos anos seguintes, uma considerável gama de pesquisadores, que dariam vida à sua revista e às pesquisas realizadas pelo Instituto. Dentre os pesquisadores-pensadores, destacam-se Horkheimer, Benjamim, Adorno, Pollock e Eric Fromm, que colaboraram decisivamente para a construção de um pensamento crítico na Alemanha e na Europa Ocidental.

Na década de 1930, a ―Revista para a Pesquisa Social‖, criada com a intenção de difundir o pensamento crítico alemão, é transferida para a França e posteriormente para os Estados Unidos, fugindo da perseguição do nazismo, após a ascensão de Hitler ao poder.

Os estudos e reflexões do Instituto e da ―Revista‖ pautaram-se, basicamente, por uma direção teórica de características particulares, diante dos acontecimentos ocorridos após a Revolução Russa de 1917, a proclamação da Alemanha em 1918 e as insurreições operárias ocorridas entre 1918 e 1923. Visava, pois, dar um tratamento crítico à crítica de Marx. A crítica formulada contra o formalismo teórico da Escola foi evidenciada por Lukács, que afirmou que a Escola era um ―hotel de luxo à beira do abismo‖, pelo fato de se constituir como um espaço distanciado da luta de classes e, por sua vez, elitizado (FREDERICO, 2005, p. 107). Assim, como difusor do pensamento crítico do século XX e com claro direcionamento esquerdista, o pensamento frankfurtiano não mantinha um posicionamento tipicamente revolucionário.

A teoria social de Marx tem como objeto de reflexão e estudos os elementos constitutivos da sociedade burguesa, sendo esta sociedade resultado dos processos de produção e reprodução da vida social sob a égide do grande capital. As preocupações de Marx têm como objetivo compreender a sociedade moderna, situando-se no marco da Revolução Francesa de 1789 e, mais especificamente, a partir da explosão da Revolução Industrial, já no século XIX, que efetiva as bases necessárias para compreensão da sociedade moderna, ou ―a construção da modernidade‖ (LARA, 2009, p. 54), dada na esfera da sociedade capitalista.

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Nesta direção de crítica à sociedade do capital, que está centrada na propriedade privada, na exploração da força de trabalho e no domínio do homem pelo homem, apontam-se elementos para a reflexão da inserção do Serviço Social como (re)produtor desta lógica perversa e das possibilidades da manutenção deste status quo ou da permanente luta na direção da (re)construção de uma nova sociedade, fundada no homem, sendo este a medida de todas as coisas (IAMAMOTO, 2008).

Polarizada por interesses ideológicos e políticos diversos, a profissão do Serviço Social situa-se numa arena de conflitos de interesses antagônicos, o que revela a própria caráter contraditório da sociedade do capital. Porém, mesmo polarizada por interesses distintos (capital versus trabalho), a profissão mantém, por meio da sua direção social, um projeto profissional de caráter societário, que tem como bandeira de luta a construção da superação da sociedade posta. Tal superação se constrói por meio de um posicionamento político-ideológico de repercussão prática no cotidiano profissional facilitado pela necessária apreensão/reflexão e ação decorrentes da visão crítica proporcionada pelos fundamentos da teoria social de Marx, largamente difundida e debatida pela profissão. Mas esta difusão e este debate ainda não foram incorporados criticamente pelo coletivo profissional, dada sua heterogeneidade e pluralidade de ideias.

Observa-se, nos elementos constitutivos da base material (concreto vivido), um estranho esvaziamento do conteúdo teórico-metodológico e de comprometimento com os valores profissionais, traduzido por um discurso conservador. Veja-se o posicionamento de Brant e Paulo Netto (2010, p. 72), os quais sugerem que um ―grosseiro viés [...] anda a permear certas afirmações que têm livre curso entre assistentes sociais (e não só)‖.

Destarte, a realidade concreta, pensada de maneira descolada do movimento societário atual, coloca o pensar/agir profissional sob ―[...] largos espectros positivistas e neopositivistas, fundamentados na recepção da objetividade imediata dos processos e fenômenos sociais como sendo sua realidade estrutural‖ (BRANT; PAULO NETTO, 2010, p. 72). Dentre outros elementos, justifica-se o fato inconteste de que a profissão ainda não se livrou totalmente do pesado conservadorismo burguês de cunho positivista, característico do seu trabalho profissional, evidenciado ainda por uma prática igualmente conservadora sob a égide capitalista.

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Deste modo, o cotidiano é espaço privilegiado para o desenvolvimento do ser humano genérico, pois é onde o homem coloca em movimento todos os seus ―sentidos, todas as capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, paixões, ideias e ideologias‖ (HELLER, 2008, p. 31). Pensado a partir da essência da vida cotidiana, espaço onde se põe em movimento todas as potencialidades do homem, faz-se necessário reconhecer que a base material da cotidianidade se funda como concepção orgânica desta; o trabalho e a vida privada, por exemplo. Concebida a partir da satisfação das suas necessidades, o contínuo movimento do cenário do cotidiano, tem como regulador, as relações sociais de produção (HELLER, 2008).

Mediando este debate para o Serviço Social, temos, na condição de assistentes sociais, a possibilidade de uma leitura crítica, baseada na historicidade, na existência concreta da contradição determinada pelo capitalismo em sua fase monopólica. É neste cenário antagônico entre tais determinações e incidências na cotidianidade que a profissão tem seu espaço ocupacional e político.

Assim, esse cotidiano, espaço onde se situa o homem (singular e genérico), possibilita a fruição da vida do próprio homem e é entendido como início e fim de toda atividade humana (FREDERICO, 2005). Deste modo, ―o cotidiano é visto como um rio em seu permanente fluxo, dentro do qual tudo se movimenta, se transforma, se espalha e retorna ao seu leito‖ (FREDERICO, 2005, p. 111). Fica evidente para o autor que o cotidiano tem a finalidade de possibilitar o desenvolvimento das capacidades humanas postas na busca pela satisfação de suas necessidades mais distintas, e nesse espaço cotidiano residem as possibilidades construtoras do ser social.

Continuando a discussão sobre o cotidiano, Frederico (2005) busca em Lukács sua essência:

[...] dele (do cotidiano), se depreendem, em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte; diferenciam-se, constituem-se de acordo com suas finalidades específicas, alcançam sua forma pura nessa especificidade — que nasce das necessidades da vida social — para logo, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar de novo na corrente da vida cotidiana (LUKÁCS, apud FREDERICO, 2005, p. 111).

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Esta concepção simplista e superficial tem eco na profissão, materializado na compreensão simplista e míope dos fundamentos da vida social, do trabalho profissional e, claro, nas mais variadas compreensões sobre o projeto ético-político e sua direção social.

É necessário reconhecer neste estudo que a evidência de uma prática conservadora encontra ressonância no cotidiano profissional pelo fato de que nem todos os assistentes sociais incorporaram de maneira crítica o direcionamento político-profissional. A presença destas práticas conservadoras é recorrente, uma vez que se observam cotidianamente assistentes sociais que ainda policiam os comportamentos dos usuários, cerceiam sua condição de sujeito e sua liberdade e imprimem seus juízos de valor pessoais nos atendimentos prestados aos usuários. Nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais, profissionais intervêm na realidade ainda com vista à adaptação do sujeito ao meio, pautando-se na retórica das famílias e sujeitos depautando-sestruturados, com clara entonação e ação positivista e igualmente conservadora. Associa-se a este grave problema a presença deletéria do conservantismo com profundas bases religiosas, o qual, em determinado momento, recupera a problemática do messianismo que, consequentemente, enviesa sua intervenção.

Este tipo de orientação ideológica provoca o que Paulo Netto (1991) chamou de ―reatualização do conservadorismo‖, sendo este um resultado direto dos problemas e dificuldades na apropriação, compreensão e reflexão da ontologia do ser social de Marx, com forte rebatimento no direcionamento da formação profissional e do trabalho profissional do assistente social e, ainda, sem sombra de dúvidas, na materialização do projeto ético-político da profissão.

Pode nos parecer distante este tipo de comportamento, dado o direcionamento político-institucional da profissão impresso nas últimas décadas. Cabe, porém, a reflexão que este direcionamento não é homogêneo na compreensão e no fazer profissional. Em decorrência da heterogeneidade da profissão, este projeto impregna-se de um ranço conservador que sempre está à espreita e, como dissemos, produz deletérias e prejudiciais interpretação e reflexão quanto à realidade concreta e a consequente intervenção.

Enfatize-se que, mesmo perpassado por uma visão crítica (enviesada) da sociedade do grande capital e suas inflexões, o cotidiano e suas formas de compreensão encontram-se ainda ―[...] veladas por sofisticações formalistas (metodologistas e epistemologistas), [pois] estas posturas não rompem com a faticidade empírica em que se dá a imediaticidade da vida cotidiana‖ (BRANT; PAULO NETTO, 2010, p. 72).

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do Serviço Social: a aproximação à tradição marxista no redesenho do compromisso ético-político do assistente social — não só a aproximação histórica, mas sua consolidação como fundamento, base teórico-metodológica que permite vislumbrar a concretude do trabalho profissional.

Esse elemento de base mantém profundas raízes com a emergência dos movimentos sociais nos anos 1960, bem como com a aderência da profissão às bases progressistas do movimento estudantil. Esta aproximação funda o projeto de resistência dos trabalhadores (aqui, entende-se a própria profissão) na luta contra o autoritarismo da ―ideologia de 1964‖, patrocinada pelos ―gestores do capitalismo atrófico‖ (RAGO FILHO, 2004).

A autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991) marca um momento particular desta aproximação, visto o largo processo de supressão da vida social, do cerceamento das ideias, do arbítrio, com clara essência ―protetora‖ da ordem estabelecida pelos ―gestores do capitalismo atrófico‖. Assim, mesmo com esse conteúdo ideopolítico, este processo se construiu a partir de ―inúmeras simplificações geradas por leituras equivocadas da profissão, vem como diferentes orientações teóricas, frequentemente ecléticas, que também subsidiaram as diferentes concepções formadas antes, durante e depois do ‗processo de reconceituação‘‖ (SILVA, 2007, p. 284).

A relação da ditadura com os movimentos sociais necessita ser analisada a partir de vetores claramente determinados, visto que o embate das ideias e ideais está nitidamente circunscrito na luta de classes, causada pelo arbítrio patrocinado pela autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991), além das refrações causadas pelo ―milagre econômico‖. Tal fenômeno associou-se ao complexo jogo ideopolítico e econômico da ditadura, impondo aos trabalhadores uma pesada carga: o arrocho salarial, péssimas condições de trabalho e vida, perda evidente do poder aquisitivo, prolongação da jornada de trabalho, etc. — sempre com objetivos ideologicamente determinados, operados pela lógica imperialista norte-americana (COIMBRA, 1998).

Neste complexo contexto, ―novos personagens entraram em cena‖ (SADER, 1988), na contracorrente da ondem conservadora e igualmente burguesa, inserindo-se na luta de classes contra as determinações da ditadura e seus aliados. Os movimentos sociais são situados como sujeitos importantes no processo de busca pela liberdade, pela tentativa de construção de uma nova sociedade.

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combinações de classe, configurações e cruzamentos que não estavam dados previamente. (SADER, 1988, p. 48).

Na esteira dos movimentos sociais, é necessário destacar a presença marcante do sindicalismo brasileiro, na direção político-ideológica da resistência ao regime que aglutinou em suas fileiras trabalhadores insatisfeitos com as condições objetivas e subjetivas de trabalho e salários, além de incorporar, como exemplos, a luta contra o arrocho da vida cotidiana e da liberdade.

A luta geral dos trabalhadores representou, naquele contexto sócio-histórico adverso, a reconstrução do seu objeto e sua inscrição na luta de classes, resultando, pois, na organização dos trabalhadores em torno de objetivos coletivos socialmente determinados. Os sindicatos, representantes legitimados dos interesses da classe trabalhadora, buscaram romper, naquele determinado momento histórico, com o ranço peleguista herdado do governo Vagas. Contudo, esta ruptura é cravada de convergências e divergências, visto a heterogeneidade dos conflitos de interesses instalados e, é óbvio, o contexto ideológico sustentado pela organização capitalista, que se sustentava no arrefecimento dos tensionamentos causados pelo profundo processo de opressão.

A inserção dos trabalhadores organizados nesse cenário de acordos políticos, sociais e econômicos determinados pela lógica autocrática da ditadura — alinhada aos interesses internacionais —, ficou conhecida como a emergência do ―Novo Sindicalismo‖ (ABRAMIDES; CABRAL, 1995), ou seja,

Um sindicalismo que procurava romper com práticas estabelecidas pelo passado, forjadas pelo sindicalismo de ―colaboração de classes‖, da herança varguista, e afastado de outras

possibilidades, no período ditatorial. Trazia a negativa a um sindicalismo populista que, distanciado dos trabalhadores e do chão de fábrica, era corporativista e assistencialista por essência. Em seu lugar, um sindicato reivindicativo, que mesmo voltado para os interesses da categoria que representava, tinha como norte a classe. Novo, porque próximo da ação direta, do confronto aberto com o patronato e o Estado. Novo, pois queria ser conhecido como interlocutor político legítimo pelos patrões e Estado, mas, ao mesmo tempo, referência política para os trabalhadores (COIMBRA, 1998, p. 150).

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trabalhadoras que culminou com a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983 e a ―solidificação do polo cutista‖ (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 29).

A esta organização política do novo sindicato, associa-se grande processo de

[...] mobilizações e greves de categorias de trabalhadores e greves gerais, na ampliação de sindicalizados e de entidades combativas, luta pela conquista de liberdade e autonomia sindical, construção de uma nova estrutura sindical por ramo de atividade econômica e quebra do corporativismo, aprofundando o grau de consciência dos trabalhadores, o que configurou como um sindicalismo classista, de massas e de lutas (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 29).

Neste contexto, o Serviço Social aproxima-se das lutas empreendidas pela classe trabalhadora, com um direcionamento político-ideológico e com conteúdo interventivo, vinculado organicamente às entidades de forte raiz político-sindical, dentre as quais a Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical (Anampos), com vinculação à Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais dos Assistentes Sociais (Ceneas) e, posteriormente, à Associação Nacional dos Assistentes Sociais (Anas). Esta vinculação, associada a outros importantes acontecimentos no marco da profissão, tornou-se decisiva para a construção de uma opção política de compromisso com a luta e o projeto de sociedade da classe trabalhadora, isto é, de uma direção social definida nas bases de construção de uma nova sociedade que não se fundamenta na exploração do homem.

Assim, esta pesquisa tem como proposta a discussão sobre o compromisso ético-político assumido historicamente pelos assistentes sociais, buscando (re)construir alternativas para reflexão/ação da posição da teoria social de Marx no contexto da permanente construção e objetivação do projeto ético-político.

Não obstante a opção constante do projeto ético-político profissional por valores centrais na defesa da profissão, dos usuários dos serviços sociais, com uma clara definição do seu caráter de projeto social, associam-se a estes elementos valores que ―[...] voltam-se para um projeto coletivo, concretizado e embasado na prática profissional individual e coletiva dos assistentes sociais‖ (RODRIGUES, 2003).

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expansão dos indivíduos sociais, no contexto da radicalização da democracia e da liberdade, entendidas como valores ético-políticos elementos centrais.

Pensar o projeto ético-político do Serviço Social pressupõe compreender o processo engendrado nas fileiras progressistas da profissão, além da sua direção social determinada, a partir do alinhamento do coletivo profissional à luta geral dos trabalhadores no final da década de 1970 e na década seguinte, alinhamento este que contribuiu para a consciência política do trabalho profissional. Assim, os princípios do projeto ético-político

[...] são focos que vão iluminando os caminhos a serem trilhados, a partir de alguns compromissos fundamentais acordados e assumidos coletivamente pela categoria. Então, ele não pode ser um documento que se ―guarda na gaveta‖: é necessário dar-lhe vida por sujeitos que, internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão tecendo o novo projeto profissional no espaço ocupacional cotidiano (IAMAMOTO, 2000a, p. 78).

Deste modo, a opção dos assistentes sociais pelos princípios do projeto ético-político sugere a necessidade urgente de romper com o caráter nitidamente endogenista presente na profissão, partindo das mediações necessárias para compreender e situar o Serviço Social na dinâmica capitalista, como elemento que carrega um inestimável contributo à construção de um projeto que se objetive na cotidianidade.

É na perspectiva de entender o processo de objetivação dos princípios do projeto ético-político, na base material do trabalho profissional do assistente social, que esta dissertação busca apontar elementos para a reflexão, o debate e a proposição.

Para entender como se deu a aproximação da profissão à tradição marxista, torna-se necessário situar as forças que engendraram a emergência desta profissão no Brasil. Para tanto, explicita-se que a institucionalização do Serviço Social se funda no bojo das relações sociais de produção (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000), aqui entendidas como espaço privilegiado de produção e reprodução de ideias, do modo de vida, da moral, da cultura — enfim, da sociabilidade burguesa, esta patrocinada pelo modo de produção que regula as relações sociais de produção. A institucionalização do Serviço Social emerge no cenário de emergência da consolidação do modo de produção capitalista, em seu processo de passagem do período cafeeiro para a implantação das bases industriais no início do século XX. Assim, a inscrição do Brasil na cena capitalista foi determinante nos condicionantes de emergência do Serviço Social brasileiro.

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qualitativo da classe operária urbana e pelas lutas sociais que esta desencadeia contra a exploração do trabalho e pela defesa dos direitos sociais e de cidadania (MARTINELLI; RAICHELIS; YAZBEK, 2008, p. 7).

Assim, no seio da contradição da sociedade capitalista brasileira, o Serviço Social se institucionaliza sob o patrocínio da elite, tendo as correntes conservadoras e positivistas como fundamento de valor. É na contraposição desse arcabouço conservador, determinante nas décadas iniciais da profissão, que se gesta um projeto de ruptura cujas dimensões se ampliam para além das necessidades da profissão, se estendendo ao projeto de sociedade da classe trabalhadora.

A busca pela ruptura com a herança conservadora1 presente na profissão expressou, naquele momento, a definição da direção social, que pressupõe o entendimento do lugar do trabalho profissional, edificando a busca pela superação da visão fatalista, messiânica, na direção dos elementos básicos e fundando o exercício profissional na vertente da consolidação da cidadania, da justiça social, na defesa da radicalização da democracia, além de refletir sobre o agir profissional diante das contradições inerentes ao processo de acumulação capitalista: uma crítica e uma ação política compromissada com os ideais da classe trabalhadora. A este processo, cabe agregar a reflexão sobre a urgência de superar o conceito limitado de cidadania, centrado no discurso burguês, para o conceito de emancipação humana que configuraria

[...] uma forma de sociabilidade na qual os homens sejam efetivamente livres, supõe a erradicação do capital e de todas suas categorias. Sem essa erradicação, é impossível a construção de uma autêntica comunidade humana. E essa erradicação não significa, de modo algum, o aperfeiçoamento da cidadania, mas a sua completa superação (TONET, s/d, p. 4).

Os elementos necessários à reflexão sobre a emancipação humana e política somente são manifestadas no Código de 1993, com uma clara intencionalidade pela construção de uma nova sociedade. Assim, nesse momento de ruptura, o Serviço Social

[...] luta para alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do assistente social, que, reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício profissional, busca colocar-se, objetivamente, a serviço dos interesses dos usuários, isto é, dos setores dominados da sociedade (IAMAMOTO, 1997, p. 37).

Nesta nova direção social, a proposta de ruptura com a herança conservadora propõe ―[...] que o assistente social aprofunde a compreensão das implicações políticas de sua prática profissional, reconhecendo-a como polarizada pela luta de classes‖, o que exige também da

1 Chave heurística do projeto ético-político do Serviço Social. Para maior compreensão ver Paulo Netto (1991),

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profissão ―[...] aprofundamento teórico rigoroso, criando assim, condições de reflexões teórico-críticas, oriundas da tradição marxista, com vistas à consolidação do projeto profissional” (IAMAMOTO, 1997, p. 37).

Profundamente atravessado pelas mais expressivas manifestações objetivas e subjetivas do grande capital, o Serviço Social (re)constrói alternativas, na perspectiva de um constante enfrentamento às investidas do capital. Contudo, essa permanente (re)construção perpassa pelo entendimento do seu lugar na dinâmica social, cravejada por relações sociais perversas, associada a um projeto político profissional que adere às necessidades mais concretas da classe trabalhadora.

Este processo não pode ser analisado de maneira a-histórica, acrítica, deslocada de todo o conteúdo que avança do particular para a totalidade da vida social, sob a égide da sociedade do capital.

É essa reavaliação da dimensão política da prática profissional e de seu vínculo com a cidadania de classe e com o aprofundamento da democratização ampla da vida social que pode nos conduzir a novas luzes na efetivação de um exercício profissional de nova qualidade, que contribua para o processo de construção de um novo bloco histórico na sociedade, com a hegemonia daqueles que criam a riqueza e dela não se apropriam (IAMAMOTO, 2004b, p. 130).

Essas análises e ações partem do pressuposto de um profundo estabelecimento de mediações da vida social com seus elementos constitutivos e de uma práxis (pensamento– ação) que consubstancie na objetivação dos valores profissionais.

Nesse sentido, esta pesquisa aponta a necessidade de debater os descaminhos da apropriação de Marx na profissão, notadamente em relação à consolidação e à objetivação do projeto ético-político, no momento sócio-histórico atual, em que as forças do ideário neoliberal grassam no contexto profissional nas mais variadas facetas, seja por meio de políticas públicas focalizadas, seja na desregulamentação do trabalho, seja ainda na desconstrução dos direitos sociais, humanos e trabalhistas e pela mercantilização da vida social.

É preciso que o posicionamento do assistente social caminhe na contracorrente da onda neoliberal, porque, além de se inserir na divisão social e técnica do trabalho na condição de assalariamento, o assistente social carrega um projeto de cunho ético e político de comprometimento com as demandas atendidas pela via da construção coletiva de uma nova sociabilidade, que deve ser

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existência das classes sociais, da criação de condições para uma (re)apropriação universalizante da riqueza humana construída historicamente (BARROCO, 2005, p. 190).

Este posicionamento frente à atual quadra histórica, em que o capitalismo demonstra seu poder econômico e ideológico, requer a apropriação crítica de elementos que colaborem para o embate no campo filosófico, teórico e concreto, visto que, à medida que o capital aprofunda suas formas execráveis de exploração do trabalho, emerge a necessidade de construção permanente de um projeto político com características superadoras, alinhadas aos interesses da classe trabalhadora, às suas lutas gerais em defesa de projetos supressores da ordem determinada.

Esta dissertação está dividida em quatro capítulos. No primeiro, objetiva-se uma análise do processo histórico-metodológico da emergência da profissão no cenário do capitalismo maduro, sob a organização da Igreja e do laicato burguês. Retomamos o percurso histórico-metodológico da profissão, fundada numa perspectiva crítica de análise, concentrando nossas reflexões no desenvolvimento das forças capitalistas no cenário mundial e no reposicionamento ideológico, político e econômico da hegemonia dos países centrais em relação aos países periféricos. Abordamos o processo de constituição das bases teórico-metodológicas da profissão e sua orientação ideológica, bem as formulações éticas de base conservadora, orientadas por valores morais, no trato moralizador da questão social e a inserção político-ideológica do Serviço Social conservador. O capítulo trata, também, dos processos políticos engendrados no Brasil e sua incidência no campo das políticas sociais e da direção conservadora do trabalho profissional do assistente social. Aborda-se, ainda, a presença da vertente de ruptura da profissão, bem como seu influxo operado pela reatualização conservadora. Em seguida, apresentamos a significação sobre a organização política da profissão, do papel das entidades representativas e da condução do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (III CBAS) no redirecionamento da práxis política da profissão, imprimindo, a partir de então, nova direção política à profissão. Outro aspecto relevante é o processo de revisão curricular deflagrada em 1982, na direção de ruptura com o conservadorismo nas bases de formação profissional do assistente social, buscando, por meio da reflexão das primeiras aproximações com a teoria social de Marx, uma compreensão da sociedade capitalista madura.

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Situamos o debate do trabalho como atividade autocriadora e autotransformadora, ou seja, dada pelo seu significado ontológico-social no cenário do capitalismo. Em seguida, abordamos o debate da divisão social e técnica do trabalho, momento em que situamos o Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo no âmbito da (re)produção da sociedade capitalista. Como resultado do largo processo de maturação do Serviço Social, tratamos da capacidade ético-política da profissão, na direção da intenção de ruptura defendida nos anos 1970, que se desdobra nos códigos de ética de 1986 e se consolida apenas em 1993, com um projeto ético-político profissional compromissado com a classe trabalhadora.

No terceiro capítulo realizamos a apresentação do lócus da pesquisa, evidenciando o contexto histórico da cidade de Uberaba, em Minas Gerais, seu desenvolvimento econômico, político e social. Em seguida, caracterizamos as políticas de saúde, o espaço da docência e o Tribunal de Justiça a partir de sua constituição histórica, suas diretrizes e sua inserção na esfera da prestação de serviços sociais.

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Capítulo I

O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO

PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL

É apenas no marco do desenvolvimento das forças do modo de produção capitalista que conseguimos situar o processo histórico da emergência do Serviço Social, adotando como partida para a reflexão o processo de acirramento do modo de produção capitalista, centrado no processo de acentuação da exploração da força de trabalho humano, na apropriação cada vez mais privada daquilo que é produzido coletivamente: como aponta Iamamoto (2000a, p. 27), a ―produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade‖.

Como resultado do processo de expansão do capitalismo, situamos a emergência da ―questão social‖, fenômeno este que possui íntimas ligações ao processo de consolidação do capitalismo tardio no cenário brasileiro, sendo que seu ―aparecimento diz respeito diretamente à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca profundamente seu passado recente‖ (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000, p. 125). Ou seja, a questão social advém das relações socialmente determinadas pelo sistema econômico vigente, incidindo na vida cotidiana da classe trabalhadora sob os mais variados matizes, associado a um profundo processo de (re)ordenamento da vida social, aqui considerada a totalidade da vida social.

É na questão social e suas mais variadas manifestações que o Serviço Social se identifica, pelo claro posicionamento ideológico do grande capital por cooptar uma especialização do trabalho coletivo para atendimento das suas necessidades imediatas de controle, de amortecimento dos conflitos entre as classes antagônicas, sendo que as funções deste profissional residiam ―frente à família operária, em face do matrimônio, da educação e do cuidado dos filhos, da destinação do salário, dos menores delinquentes, da segurança social, dos enfermos – tratava-se de uma atividade para reformar e melhorar os costumes‖ (CASTRO, 2000, p. 106).

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(Ceas), por um grupo de ―moças preocupadas com a questão social‖ (AGUIAR, 1995, p. 29), o que demonstra a força do laicato em relação ao trato com a questão social nesse período, tendo como influência o Serviço Social belga.

Com a intensificação do modelo capitalista de produção, a classe dominante busca no Serviço Social formas ideopolíticas de controle da massa trabalhadora que se encontrava solapada pelas precárias condições de vida e trabalho, configurando o caráter ideológico da profissão pautada no controle, no ajustamento e na ordem (MONTAÑO, 2003).

Durante o processo de institucionalização do Serviço Social — embalado pelo sentimento conservador e centralizador do poder —, a Igreja utiliza-se dos movimentos sociais, mantendo uma posição polarizada e antagônica entre poderosos interesses para pressionar o governo Vargas à definitiva legitimação da religião católica dentro da organização estatal brasileira. Este poder emanado da Igreja aparece nitidamente na Carta Constitucional de 1934, como assinala Carvalho (apud CASTRO, 2000, p. 102-103):

Além do reconhecimento explícito do catolicismo como religião oficial, como a indissolubilidade do matrimônio com a validação do casamento religioso pela lei civil, ela garantia o acesso da Igreja à educação pública e a todas as instituições de ―interesse coletivo‖. Garantia, pois, a institucionalização de alguns dos seus princípios fundamentais e posições no aparelho de Estado essenciais à sua função de controle social e político.

A partir da promulgação da Constituição de 1934, fica clara a intencionalidade do poder eclesiástico: legitimar sua participação na regulação da vida social e política do país. Esta legitimação é parte constante da ideologia da grande máquina capitalista, e pode ser encontrada nas reflexões de Mészáros (2004, p. 233):

as ideologias dominantes da ordem social estabelecida desfrutam de uma importante posição privilegiada em relação a todas as variedades de ―contraconsciência‖. Assumindo uma atitude positiva para com as relações de produção dominantes, assim como os mecanismos autorreprodutivos fundamentais da sociedade, podem contar, em suas confrontações ideológicas, com o apoio das principais instituições econômicas, culturais e políticas do sistema todo.

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Nesse período, a Igreja era depositária fiel da elite e consolidava seu papel na regência da vida social, política, econômica e intelectual do país. O Serviço Social absorve o conteúdo ideológico da doutrina social da Igreja e de um Estado regulador, ditatorial e conservador, embasando sua formação e atuação nos moldes conservadores aos quais eram impelidos, utilizando o modelo belga de formação profissional.

O conservadorismo acabou por constituir-se em traço profissional que por durante décadas esteve — e está — subjacente no meio profissional, revelando uma característica particular: a identificação da questão social fundada na concepção da problemática individual, na sua concepção de homem e de mundo. Assim,

o tratamento moral da ―questão social‖ é uma resposta política das várias forças sociais ao potencial emancipador das lutas proletárias; uma reação de caráter conservador que perpassa pelas estratégias do Estado capitalista, pelo projeto social da Igreja Católica e pelo Serviço Social no contexto de sua origem (BARROCO, 2008, p. 83).

Embalado nesta concepção conservadora e tradicionalista, o Serviço Social se institucionaliza no interior do aparelho estatal como profissão controladora, policialesca e acrítica, com vinculação ao poder da elite dominante. Em contrapartida, tal afirmação também nos remete à necessidade de reflexão do poder exercido pela classe operária, que, insatisfeita com as condições de vida, paulatinamente concretizava a luta de classes na direção da consolidação de melhores condições de vida e de trabalho. Assim, a ideologia conservadora reproduzia o aspecto moralizador da questão social como uma estratégia ideopolítica com evidentes reflexos econômicos na condução da crise entre as classes.

Neste cenário, polarizado por interesses antagônicos, o Serviço Social se inscreve, com seu forte traço conservador, originado das bases burguesas, que conferiram à profissão características controlistas, reformadoras do caráter e do comportamento dos trabalhadores — tidos como ―desviados‖— e de estabilização da crise.

Contudo, a necessidade de negação das bases conservadoras da profissão foi inconteste na (re)construção do Serviço Social, o que decorreu a partir do entendimento do seu lugar como contributo indispensável à (re)produção da vida social, por sua própria condição de trabalhador. Assim, a busca pela redefinição do Serviço Social foi sendo amalgamada a partir da tentativa de distanciamento dessas práticas conservadoras, pois, segundo Paulo Netto (1991, p. 128), nos quadros anteriores da profissão, era

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formal assepsia de participação político-partidária, carecia de uma elaboração teórica significativa e plasmava-se numa categoria profissional onde parecia imperar, sem disputas de vulto, uma consensual direção interventiva e cívica.

Deste modo, o Serviço Social dos quadros conservadores mantinha um exercício baseado na linearidade das práticas interventivas, pautado no direcionamento de um ―modelo‖ de exercício profissional, com clara demonstração de intencional neutralidade face aos acontecimentos impingidos à classe trabalhadora pela via do embrutecimento sistemático do sistema capitalista de produção. O rompimento deste Serviço Social funda-se, basicamente, a partir da sua laicização, quando ocorre a ―diferenciação da categoria profissional em todos os seus níveis e a consequente disputa pela hegemonia do processo profissional em todas as instâncias (projeto de formação, paradigmas de intervenção, órgãos de representação, etc.)‖ (PAULO NETTO, 1991, p. 128).

Mesmo com o esforço da busca pela ruptura, é evidente que o traço conservador ainda mantinha profundas ligações com uma prática messiânica, caracteristicamente marcada pelo fatalismo, imprimindo marcas no Serviço Social em todas as dimensões; dentre estas, destaca-se a predestaca-sença deste ranço histórico na primeira formulação ética do Serviço Social, que, no ano de 1947, estabelecia os fundamentos da ética tradicional, com pressupostos filosóficos metafísicos e uma concepção ética conservadora, com forte conteúdo messiânico.

Os princípios apresentados no Código de 1947 retratam os fundamentos da formação profissional e do exercício naquele determinado momento, com ênfase no discurso orientando a uma prática

voltada para o ―bem‖, com forte apelo moralista e igualmente preconceituoso, de cunho conservador, cabendo ao assistente social prestar ―ajuda‖ material, mas também, ―ajuda‖ aos considerados ―desajustados‖. O traço moralizante e conservador presente nos fundamentos éticos

e, consequentemente, no trabalho profissional é uma forma de alienação moral, pois implica na negação da moral como uma forma de objetivação da consciência crítica, das escolhas livres, de construção da particularidade (BARROCO, 2005, p. 48).

Tal conceito de ajustamento traduz o ideário positivista/ funcionalista, pois objetiva situar o homem como causa e, por sua vez, responsável pela resolução pacífica dos seus ―problemas sociais‖. Nesta direção, o trabalho do assistente social reforçava a característica da ética moralizadora da vida social, do seu comprometimento com os fundamentos da Igreja, atravessados pela ideologia conservadora fundada e conectada a princípios ideológicos do capital como forma de justificação das condições de vida e trabalho dos operários.

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NETTO, 1991, p. 135). Todavia, ressaltem-se as considerações de Paulo Netto (1991), ao explicitar que o processo renovador da profissão calca-se na busca por redefinição das suas bases teórico-prático-filosóficas, não registrando adesão profissional homogênea, mas, sim, hegemônica devido à herança conservadora presente na profissão.

Esta pesada herança conservadora balizava, ainda, algumas normatizações que são identificadas no cotidiano, evidenciadas por uma insistente retórica de ―reatualização conservadora‖ (PAULO NETTO, 1991) que transita na ambiência profissional, com rebatimentos expressivos no conteúdo ético-político da profissão.

Este processo não se constitui de maneira isolada, dada pela intencionalidade de indivíduos: esta reatualização conservadora parte de uma expressão macro, caracterizada e compreendida no contexto da totalidade da vida social, patrocinada pelas forças conservadoras que indicam caminhos ideológicos para a (re)produção continuada e em larga escala do capital.

Esta ―reatualização‖ conecta-se com a disseminação da cultura neoconservadora, em curso no capitalismo contemporâneo. A prática neoconservadora traveste-se a partir de demandas postas ao trabalho profissional, fundando-se em uma concepção metamorfoseada, que tem causado riscos ao projeto profissional e ao trabalho profissional do assistente social. A crise das hegemonias socialistas ou de esquerdas tem se constituído como um campo fértil para a reatualização conservadora, de base neoconservadora,

apoiando-se em mitos, motivando atitudes autoritárias, discriminatórias e irracionalistas, comportamentos e ideias valorizadoras da hierarquia, das normas institucionalizadas, da moral tradicional, da ordem e da autoridade. Uma das expressões dessa ideologia é a reprodução do medo social (BARROCO, 2011).

A autora continua suas reflexões na direção de compreender a motivação desta reatualização na profissão, pois esta é favorecida pelo profundo processo de

precarização das condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo técnico e teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e política, o que pode motivar a busca de respostas pragmáticas e irracionalistas, a incorporação de técnicas aparentemente úteis em um contexto fragmentário e imediatista. (BARROCO, 2011).

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acerca dos processos sociais, além do distanciamento da práxis política que tem deslegitimado paulatinamente a consciência de classe dos profissionais.

Tomemos o cuidado para não efetuar uma análise fatalista — sendo esta também expressão do neoconservadorismo, pois imprime a falsa ideia de que o que está determinado estaria determinado de modo absoluto, excluindo-se a possibilidade de contra-hegemonia, de lutas, de oposição e negação, correndo-se o risco de abandonar o confronto, esvaziando-se a prática política dos assistentes sociais. Assim, ―o enfrentamento teórico do neoconservadorismo é um empreendimento que supõe a desmistificação dos seus pressupostos e dos seus mitos irracionalistas que falseiam a história‖ (BARROCO, 2011).

Mesmo no centro do influxo conservador, a renovação promove uma ―articulação que lhes confere uma arquitetura que procura oferecer mais consistência à ordenação dos seus componentes internos‖ (PAULO NETTO, 1991, p. 131). Nesta esteira histórica, o Serviço Social adquire maturidade teórica, associada a uma reflexão filosófica, buscando sedimentar a reconfiguração da profissão frente à sociedade e ao Estado, mas, principalmente, à classe trabalhadora, por meio da mediação entre os substratos teóricos e sua materialização na base material, no cotidiano do exercício profissional. Podemos situar aqui, de forma breve, os ―documentos de Araxá‖ (de 1967), que, embalados pelo vetor modernizador presente na profissão, buscam dar os primeiros passos frente à ―afirmação da perspectiva modernizadora‖ (PAULO NETTO, 1991). Porém, o seminário realizado em Minas Gerais não consegue romper com o conservantismo reinante, cabendo ao seminário de Teresópolis (em 1970) cristalizar a perspectiva modernizadora.

Há de se salientar que a vertente renovadora da profissão viu-se polarizada em um complexo jogo político, econômico, ideológico e cultural, haja vista que o país encontrava-se, na ocasião, profundamente imerso em um sistema político completamente autoritário em que a busca por qualquer tipo de renovação ideopolítica representaria riscos à ordem estatuída pelo capital monopolista e mantida por um regime militar que tinha o ―terrorismo como lei do estado autocrático-burguês‖ (RAGO FILHO, 2004, p. 11).

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intelectuais, sociais e culturais na busca pela superação do conceito antidemocrático presente no militarismo. Estes elementos inscrevem-se nas agendas das lutas sociais como força motriz, mas seu enfrentamento é constituído pelo uso da força, da arbitrariedade patrocinada pelo terrorismo de Estado (RAGO FILHO, 2004).

Assim, a formulação ética do Código de 1965, durante a ditadura militar, ainda reproduz a lógica fundada no humanismo cristão. Contudo, avança em pontos importantes, ao indicar que o Serviço Social adquire uma dimensão científica e técnica (BARROCO, 2005). Além disso, ainda não é suficiente para responder por todo o contexto que a profissão e a sociedade vivenciavam naquele momento histórico.

Por isso, afirma-se que a reformulação e a aprovação do Código de 1965 não o distinguem muito do anterior, uma vez que seu artigo 9º, do Capítulo II, que trata dos deveres fundamentais dos assistentes sociais, remete à ―correção dos desníveis sociais‖ e indica que as ações profissionais deveriam se dar dentro de princípios fraternos, prestando serviços aos chamados ―clientes‖. Destaca-se, ainda, que tais ações eram baseadas em um ―espírito‖ de solidariedade, caracterizado pela harmonia entre as classes sociais, depositando no assistente social o papel de pacificador do conflito da relação entre capital e trabalho.

O Código de Ética de 1965 trouxe pouca ou nenhuma modificação substancial para a profissão. Permanecem a fundamentação neotomista, os pressupostos funcionalistas e a ―neutralidade política‖ que caracterizam a ética tradicional. No entanto, introduz elementos de uma visão liberal burguesa que serão excluídos da reformulação de 1975: a valorização do pluralismo profissional e da autonomia profissional, tratada como profissão liberal.

Apesar dessas modificações, as ações profissionais ainda eram concebidas a partir dos postulados éticos tradicionais fundados no neotomismo e referidos de modo abstrato ao ―bem comum‖ e à ―pessoa humana‖. Com suas mudanças frente ao Código de 1947, o de 1965 se insere na perspectiva que Paulo Netto designou como ―modernização conservadora‖, presente nos documentos de Araxá e Teresópolis.

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Como produto histórico, [o Código de 1975] já não expressa a tendência modernizadora evidenciada tanto no Código anterior (1965) como em Araxá ou Teresópolis, o que se confirma na consideração de Netto. Segundo ele, a perspectiva modernizadora perde sua hegemonia, no plano ideal, a partir de meados dos anos 70, quando emergem duas tendências que com ela se antagonizavam: a vertente de reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura (BARROCO, 2005, p. 130).

No contexto que assinala a crise da ditadura e o início do processo de redemocratização da sociedade brasileira entre final dos anos 1970 e a década de 1980, observa-se o avanço da profissão no campo da produção de conhecimento, a incorporação da reflexão crítica oriunda das apropriações do pensamento marxista e da aproximação com os movimentos de massa dos trabalhadores que se reorganizam nesse processo. Os questionamentos oriundos do movimento latino-americano de reconceituação e o processo de renovação da profissão, determinada desde os anos 1960 (PAULO NETTO, 1991), ganham novas configurações e possibilidades nesse contexto. A organização política da categoria, tendo como marco o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979, evidencia a construção de um projeto profissional de ruptura com o conservadorismo que irá se adensar daí para frente.

Assim, é no processo de efervescência social, econômica e política, verificado a partir do enfraquecimento da ditadura, da explosão da crise capitalista de produção e da inserção dos sujeitos políticos na cena da luta de classes, que inúmeros assistentes sociais questionam-se sobre o verdadeiro questionam-sentido social da profissão e igualmente sua direção social e o significado da profissão na divisão sócio-técnica do trabalho, possibilitando apreender o homem como sujeito de suas ações, considerando-o em sua totalidade, o que requer nova reformulação no Código de Ética da profissão.

Vale ressaltar que os fundamentos da profissão não podem, em momento algum, ser analisados por meio de reflexões pragmáticas, esvaziadas de conteúdo crítico, bem como não é possível desconsiderar todos os acontecimentos macrossocietários ocorridos na órbita do grande capital, associado à presença de um Estado cartorial e, naquele determinado momento histórico, a um Estado autocrático burguês (RAGO FILHO, 2004). As análises não apenas são dadas pela reflexão, mas, principalmente, direcionam nossa crítica para compreender e situar o Serviço Social no centro deste influxo, fundado em uma complexa relação de interesses, dentre os quais a necessidade da profissão em romper com o traço conservador e assumir seu compromisso com a classe trabalhadora.

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