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A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas

O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL

1.1 A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas

O traço conservador, de natureza positivista, presente no Serviço Social cunhou, com muita particularidade, a identidade profissional do assistente social, bem como marcou a formação acadêmica, o trabalho profissional e a formulação dos seus fundamentos éticos. Características destes elementos conservadores podem ser observadas na organização do I Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) ocorrido em 1947, com clara sequência de continuísmo no Congresso de 1961.

Sistematizaremos, neste item, alguns elementos destes dois eventos científicos e políticos do Serviço Social, além de apresentar, de maneira sucinta, as protoformas da organização coletiva da profissão. Estas reflexões possibilitam a compreensão dos rebatimentos da presença conservadora em todos os aspectos da profissão, dentre os quais sua organização político-científica.

Faz-se necessário compreender que foi a ocorrência dos I e II CBAS a partir das bases que engendrou a profissão. Em seu percurso sócio-histórico, em que pesem diversos elementos constitutivos, destaca-se a presença da organização econômica capitalista, que mesmo tardia, impingiu consequências à sociedade. Esta organização pode ser observada a partir da inscrição do Brasil na órbita do capitalismo central e no interesse do Estado em adotar o modelo de desenvolvimento econômico, com características americanizadas. Assim, esta presença ideopolítica e econômica

[...] alcançou inúmeros segmentos da vida latino-americana. A América do Norte passou a ser o novo ―empório‖ de ideias, a nova referência de modelos e ações, inclusive no sistema de bem- estar-social. Este fato, inevitavelmente, atingiu também o Serviço Social brasileiro, que buscou, no correlato norte-americano, desde o suporte filosófico, as teorias do conhecimento que dessem conta, principalmente, de responder as necessidades, até um suporte teórico-científico e técnico para a prática profissional (ANDRADE, 2008, p. 8).

Estes elementos se configuram na clara intencionalidade do fortalecimento do modelo americano de formação e trabalho profissional do Serviço Social, como forma de consolidar a presença do poder econômico central na condução de todas as esferas da vida social, política, econômica, cultural e intelectual dos países latino-americanos, dentre os quais o Brasil. A ideologia de americanização da vida social nos países periféricos vai se constituir em diversos aspectos, dentre os quais sua presença no Serviço Social brasileiro, sendo que este processo encontra ressonância no meio acadêmico, a partir da concessão de bolsas de estudos às assistentes sociais, sendo seu marco de referência estabelecido no Congresso Interamericano de Serviço Social, no ano de 1941, acentuando o traço de dependência intelectual da profissão aos modelos conservadores, de caráter psicologizante do Serviço Social norte-americano.

Seguindo o percurso de reorientação do Serviço Social brasileiro, pautado no modelo americano de formação e trabalho profissional, é criada a Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (Abess), a partir das indicações no I Congresso Pan-Americano de Serviço Social, ocorrido em 1945, no Chile, com o objetivo de promover uma interlocução entre o Serviço Social nos países latino-americanos. A criação da Abess se justificava ―com a finalidade de congregar as Escolas de Serviço Social, promover um intercâmbio entre elas, garantir um padrão mínimo de ensino e representar os interesses coletivos das escolas‖. (ANDRADE, 2008, p. 19).

Além da reflexão sobre a necessidade de instituições representativas no âmbito científico, emerge a Associação Brasileira de Assistentes Sociais (Abas), órgão representativo do Serviço Social, instituição esta que vai, em setembro de 1947, editar a primeira formulação ética da profissão. Este conjunto de elementos constitutivos da profissão caminhou paralelamente a interesses socialmente determinados, tendo em vista o seu fundamento teórico, de concepção conservadora e estritamente positivista-funcionalista. É nesta direção que a profissão busca sua legitimação dentro do conceito jurídico, evidenciado pela clara necessidade de regulamentação da profissão pela esfera estatal.

Atravessado por diversas particularidades, partindo da totalidade da vida social, o Brasil sedia, em 1949, o II Congresso Pan-Americano de Serviço Social, em que o temário

central era o ―Serviço Social e a Família‖ (ANDRADE, 2008), demonstrando seu fundamento de cunho moralizador, com clara orientação controladora, tendo na figura institucional da família os germes da sociedade saudável, seguindo assim, as normatizações burguesas e positivistas daquele determinado momento histórico da sociedade e da profissão. No Pan- Americano de 1949, afirma-se a concepção do Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade, além da incorporação da psicologia, sendo estas concepções originárias do modelo americano de formação trabalho profissional. (ORTIZ; GUERRA, 2009). Fortalece-se, então, a concepção do pan-americanismo monroísta, com clara ascendência ideológica americana.

Seguindo a métrica imposta e fundada na necessidade de articulação e diálogo (sem deixar de ressaltar o claro alinhamento do Serviço Social latino-americano), ocorre, em 1961, o II CBAS, tendo como tema central ―Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social‖ (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000). Evidencia-se o alinhamento a partir do modelo desenvolvimentista de JK (1956/1961), fundado no franco desenvolvimento das forças produtivas, na inserção do trabalhador brasileiro na esfera do consumo, intermediado e mistificado pelo conceito do Welfare State ―à brasileira‖. A concepção de Estado de Bem- Estar Social funda-se, segundo Gomes (2006, p. 203), na compreensão de

[...] um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir certa ―harmonia‖ entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente.

Deste modo, a finalidade do Welfare State consistia na acomodação da conflituosa relação calcada entre o aprofundamento do desenvolvimento das forças e formas produtivas do capital, associado ao atendimento das necessidades materiais da classe trabalhadora, como forma de elevar as condições de vida, numa clara justificativa de harmonização entre o desenvolvimento das forças produtivas do capital e as necessidades básicas da classe operária, consequentemente.

Nesta complexa trama ideológica, política e econômica de reprodução da vida social, o Serviço Social se inscreve na cena, pelas particularidades que lhe conferem o pesado status de uma profissão a serviço do grande capital, do Estado e da elite burguesa, na condução do amortecimento dos conflitos advindos das relações sociais de produção capitalistas.

Assim, o Congresso Brasileiro de Serviço Social de 1961 tem a clara intenção de capacitar os assistentes sociais para a participação na XI Conferência Mundial de Serviço Social, que seria realizada em 1962, no Brasil. A ocorrência destes dois últimos eventos

indica a necessidade de ―uma nítida interlocução do Serviço Social brasileiro com os processos de caráter macroscópico ocorridos no país e na América Latina e a franca necessidade de responder e se articular a estes‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 124).

Observa-se que os eventos político-científicos da profissão na quadra histórica apresentada denotam a direção intelectual, política e científica do Serviço Social definida pela lógica burguesa imperialista norte-americana e fundamentada nas correntes conservadoras e positivistas das ciências, que oferecem e reforçam as matrizes conservadoras da/na profissão.

Relacionada aos marcos da direção político-científica da profissão, podemos destacar, apoiados na literatura, que a ruptura significativa com os tradicionais congressos é observada apenas no ano de 1979, na emergência das forças da vanguarda do Serviço Social, no III CBAS, mais conhecido como ―Congresso da Virada‖.