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4. O ESTADO BRASILEIRO, A QUESTÃO AGRÁRIA E OS MOVIMENTOS

5.3 A Educação Brasileira e a Igreja Católica

A Igreja participou historicamente na questão educacional, desde o processo de colonização. No entanto, no século XX, essa participação resultou em posicionamento contrário ao financiamento exclusivo do poder público à educação e à escola pública. O que levanta dúvidas sobre a possibilidade de sua participação em favor de interesses universalizáveis de direito à educação pública, que seja mantida pelo Estado, uma bandeira de luta educacional do MST. O que, sobretudo, permite questionar a contribuição dessa instituição religiosa na organização e realização do PRONERA e, também, na Educação do Campo, uma vez que é histórica a posição da Igreja Católica contra a possibilidade de haver uma educação pública estatal.

Diante da presença da Igreja na formação do MST e da contribuição do cristão católico Paulo Freire na construção da Proposta Pedagógica do MST, convém questionar, dentre outras coais. Qual a ligação dos movimentos sociais com o poder público e organizações da Igreja com a questão educacional para as populações do campo, com o PRONERA e com as políticas públicas/estatais de Educação do Campo? Qual o impacto das instituições religiosas no PRONERA? Trata-se de uma questão, dentre outras, que será discutida, no próximo tópico.

Essa questão merece um rápido panorama da ação católica na questão educacional, o que é suficiente para mostrar a insatisfação da Igreja Católica com a escola pública. Segundo Saviani (2015), já na separação entre Igreja e Estado, implantada pelo Regime Republicano em 1889, e que vamos sintetizar aqui, trata-se de separação cuja consequência foi a exclusão do ensino religioso das escolas públicas e o afastamento da igreja de assuntos do Estado.

O afastamento da igreja da educação estatal deu origem ao que o autor chamou de ―resistência ativa‖ da igreja, que irá se manifestar em toda a história da educação brasileira: desde a introdução do ―programa mínimo‖ na Nova Constituição, quando da instalação da Assembleia Nacional Constituinte de 1933, ―que traduzia o ensino religioso nas escolas oficiais‖; passou pelo combate ―sem tréguas às novas ideias pedagógicas‖, representadas pela Escola Nova. Contra as ideias novas, a Igreja apresentou sua proposta de ―pedagogia integral‖, mas a educação católica não ficou incólume ao movimento de renovação, que a atingiu, com predominância, a partir de 1945. Chegando à década de 1950 e indo até os anos 1980, com a elaboração da ―teologia da libertação‖ (SAVIANI, 2015, p. 58-61).

De acordo com Saviani (2015, p. 63), o conflito entre escola particular – escola pública volta no final da década de 1950, por ocasião da tramitação do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Na ocasião, os católicos acionavam monoliticamente a defesa da escola particular, usando ―os mesmos argumentos do início da década de 1930‖, crescendo, porém, a aceitação das ideias da pedagogia nova no interior das escolas católicas, como se vê na citação abaixo:

Nesse mesmo período [década de 1950], contudo, um significativo indicador da influência da pedagogia nova é encontrado no empenho das próprias escolas católicas em inserir-se no movimento renovador das ideias e métodos pedagógicos. Essa renovação manifesta-se especialmente por meio da organização, pela Associação dos Educadores Católicos (AEC), das ―Semanas Pedagógicas‖ e das classes experimentais em 1955 e 1956 e nos anos seguintes. Por meio de palestras e cursos intensivos divulgam-se nos meios católicos as novas ideais pedagógicas. Surge, assim, uma espécie de ―Escola Nova Católica‖ (SAVIANI, 2015, p. 63).

O predomínio das ideias novas força a renovação das escolas católicas, que, no entanto, não abrem mão de seus objetivos religiosos, ou seja, elaboram sua renovação pedagógico-metodológica sem dispensar sua doutrina.

Do final da década de 1950 até o início de 1960, foi um período marcado pela mobilização popular e pelo crescimento da cultura popular. Nesse contexto:

[...] as iniciativas mais importantes são o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de Educação de Adultos, cujo ideário pedagógico mantém muitos pontos em comum com a pedagogia nova. Ora, o MEB foi um movimento criado e dirigido pela hierarquia da Igreja Católica, e o Movimento Paulo Freire, embora autônomo em relação à hierarquia, guiava-se predominantemente pela orientação católica, recrutando a maioria de seus quadros na parcela do movimento estudantil vinculada à JUC. Se o movimento escolanovista se inspira no pragmatismo, o MEB e o Movimento Paulo Freire buscam inspiração no personalismo cristão e na fenomenologia existencial. Entretanto, pragmatismo e personalismo, assim como existencialismo e fenomenologia, são diferentes correntes filosóficas que expressam diferentes manifestações da concepção humanista moderna. É lícito, pois, afirmar que sob a égide da concepção humanista moderna de filosofia da educação acabou por surgir também uma espécie de ―Escola Nova popular‖, como um aspecto do processo mais amplo de renovação da pedagogia católica que manteve afinidades com a corrente denominada ―teologia da libertação‖ (SAVIANI, 2015, p. 65).

Segundo o autor, essa aproximação com a teologia da libertação resultou na ―radicalização político-social‖ e no ―engajamento nos processos de desenvolvimento e libertação da população oprimida‖. Fundamentada no Concílio Vaticano II, realizado entre 1959 e 1965, parcela do movimento católico elabora ―uma ideologia revolucionária inspirada

no cristianismo‖, cuja expressão mais típica foi a criação da Ação Popular, em 1963 (SAVIANI, 2015, p. 65).

Segundo o autor, a perspectiva político-social radical fundamentou as ações de ―grupos católicos ligados a organismos integrantes da Ação Católica, com destaque para a JUC e a JEC, que se lançaram em programas de educação popular, em especial a alfabetização de adultos‖. A perspectiva político-social afetou também certos colégios tradicionais, particularmente os de congregações religiosas femininas, dos quais algumas freiras dirigentes se sentiram compelidas à coerência com a ―opção preferencial pelos pobres‖, ideais das conferências ―episcopais latino-americanas de Medellin (Colômbia), em 1968, e de Puebla (México), em 1979‖ (SAVIANI, 2015, p. 65-66).

É pela via da teologia da libertação que há uma aderência do MST e de outros movimentos sociais do campo e da cidade aos ideais da Igreja Católica. Essa aproximação também resultou na colaboração entre o MST e a Igreja para as questões educacionais, com a contribuição direta de Paulo Freire e de instituições católicas, como a AEC.

Os responsáveis pela educação do movimento e também os articuladores da proposta de Educação do Campo fundamentam suas proposições educacionais em princípios como solidariedade, cidadania, justiça social, direitos sociais. Temáticas essas que estão presentes na educação e nas formações, dadas aos educadores, pelas instituições religiosas e pelos movimentos sociais. Todos esses ideais são temas e bandeiras da teologia da libertação. O que denota a participação da Igreja no cerne das proposições temáticas do MST e da Educação do Campo, fato inclusive reconhecido, ou seja:

[...] a proposta de educação do MST passa a ter papel fundamental na materialidade da EdoC [Educação do Campo]. Isso significa dizer que a – forte influência do movimento de Educação Popular, da Teologia da Libertação e das pedagogias da prática, e o amparo em – princípios humanistas e socialistas assumidos na proposta de educação do MST dão suporte e alimentam, em certa medida, a materialidade da EdoC (VERDÉRIO, 2011, p. 120).

Por fim, o fato de o I ENERA, o PRONERA e a I Conferência por uma Educação Básica do Capo, contarem com a participação conjunta do MST e CNBB, mostra a concordância e colaboração de ambos na construção do que, no conjunto, chama-se ―Educação do Capo‖.