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2. A FORMAÇÃO DO ESTADO DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

2.2 A Teoria Contratualista do Estado

O princípio comum da teoria contratualista é a existência de um contrato celebrado entre as partes iguais, trazendo para o campo político um elemento do direito aplicado ao mundo dos negócios, que, segundo uma interpretação burguesa, tem seu fundamento no comportamento individual, na relação entre indivíduos em negociação e num mercado livre e de iguais. Trata a teoria da simultaneidade de constituição de um corpo coletivo e da renúncia de todos de seus direitos do Estado de Natureza. Tem por pressuposto que os homens do Estado de Natureza são naturalmente livres e dotados de uma razão dada por Deus, proprietários de sua pessoa, de seu trabalho, de seus bens, contra todos os demais desígnios divinos, devendo obedecer apenas às leis naturais (CARNOY, 1988, p. 22).

A primeira lei natural diz que o homem nasceu obrigado a defender sua vida, o bem mais precioso. A segunda lei natural é a liberdade, que todo homem deve defender contra os ataques de outros homens. O terceiro direito natural do homem são seus bens ou propriedades, que são frutos do trabalho na terra13, que é outra doação divina a todos. Com

11O parlamento moderno é o lugar da ―encarnação da vontade geral‖. Ele funda-se na ―edição de normas gerais, universais e formais‖, é o ―santuário da lei‖. A lei é vista como encarnação da Razão universal, é o meio do parlamento controlar o governo, a administração, o estado de direito (POULANTZAS, 1985, p. 251).

12 Para Poulantzas (1977, p. 159-160), as teorias do contrato social são a ―expressão teórica‖ e a forma ―ulterior‖ e ―elaborada do séc. XVIII‖ ―da emancipação das instâncias políticas e econômicas‖.

13 Como a terra é o suporte do trabalho humano, os filósofos burgueses trataram de instituir, ideologicamente, que os bens, a propriedade, são o resultado ou fruto do trabalho.

isso, os jusnaturalistas formularam princípios capitais da ideologia burguesa: o ideal burguês de liberdade, de propriedade e de trabalho.

Thomas Hobbes (2003), por exemplo, que não acredita que o ser humano seja naturalmente sociável e, por isso, defende a necessidade de um poder soberano, com capacidade de definir os destinos e mazelas do povo e que aja soberanamente, para garantir aos cidadãos seus direitos de propriedade. Hobbes se baseia na ideia de um direito natural deduzido do comportamento efetivo dos homens de negócio do seu tempo (os capitalistas mercantilistas). Nesse sentido, o autor transforma os aspectos passionais e egoístas, que Maquiavel aponta como particularidade dos grandes, da vida prática da burguesia mercantilista, em característica comum da generalidade dos homens.

Não se preocupa em proporcionar aos cidadãos as condições para o exercício da virtude, mas em produzir as condições ideais para a construção de um poder capaz de refrear as paixões e maldades humanas. O medo serve para Hobbes, segundo Ribeiro (2003, p. 114), como ―fundamento de todo o poder‖, ou melhor, como ―fundação de todo o poder do Estado‖. O medo de perder a vida, as riquezas e as propriedades na sociedade burguesa nascente, é o exemplo para que o autor justifique a necessidade de estabelecer um acordo, um contrato que previna o homem de ser o lobo do próprio homem e crie um poder absoluto.

O Estado criado segundo a noção de contrato revela, conforme Gruppi (1980), o caráter das relações mercantis, baseadas na organização comercial conflituosa, própria da disputa por terras, riquezas, mercados, mercadorias e gente, características do século XVII:

O homem por natureza não seriam propensos a criarem um Estado que limitassem sua liberdade; eles estabelecem as restrições em que vivem dentro do Estado, segundo Hobbes, com a finalidade de obter dessa forma sua própria conservação e uma vida mais confortável. Isto é, para saírem da miserável condição de guerra permanente que é a consequência necessária das paixões naturais. Mas os pactos, sem espadas, não passam de palavras sem força; por isso o pacto social, a fim de permitir aos homens a vida em sociedade e a superação de seus egoísmos, deve produzir um Estado absoluto, duríssimo em seu poder (GRUPPI, 1980, p. 13).

John Locke (2001) declara que a condição natural do homem ou seu estado de natureza, consiste em ser cada homem absolutamente livre para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entender, dentro dos limites do direito natural. As leis naturais ou do Estado de natureza governam e obrigam todos os iguais e independentes, para que cada um não ofenda o outro na sua vida, propriedade e liberdade. Visam tão somente ordenar a paz e conservar o gênero humano. Leis que estão a cargo de cada um individualmente, pois todo o homem tem o poder natural de ser executivo da lei.

Os homens permanecem no Estado de natureza até que cada um dos seus membros, ―por seu próprio consentimento‖, se faz membro de alguma sociedade política, sociedade civil ou governo, quando, então, renuncia ao seu poder natural e o deposita nas mãos da comunidade. Coletivo que deve ser governado pela maioria, composta de corpo político, sistema jurídico e judiciário e com autoridade para decidir controvérsias, punir os ofensores, conquistar segurança, paz e o gozo de suas propriedades (LOCKE, 2001, p. 133).

Contrariamente ao Estado governado por um rei com poder absoluto, como defende Hobbes, Locke defende que o poder de Estado e a propriedade são soberanos, mas não o seu governante. Segundo Gruppi (1980), o poder político para Locke é transitório, não se transmite pela herança, sendo sua origem democrática ou parlamentar. Quem é investido de um poder, recebe uma atribuição de exercer o poder de Estado, podendo ser destituído, se o Estado ou o governo não respeitar o contrato. A propriedade é absoluta e ―objeto de herança‖, podendo ser transmitida. O Estado deve garantir a liberdade burguesa, a liberdade de propriedade, contra o poder absoluto do soberano. E, nesse caso: ―a liberdade está em função da propriedade e esta é o alicerce da liberdade‖ (GRUPPI, 1980, p. 15)14. Noutras palavras:

[...] o governo deve garantir determinadas liberdades: a propriedade, e também aquela margem de liberdade política e de segurança pessoal [para ...] o exercício da propriedade e a própria defesa da liberdade. Já estão implícitos aqui, os fundamentos de algumas liberdades políticas que devem ser garantidas: a de assembleia, a da palavra, etc. Mas, em primeiro lugar, a liberdade de iniciativa econômica (GRUPPI, 1980, p. 14).

A formulação teórica da ligação estrita da propriedade com a liberdade representa um dos mais importantes princípios burgueses e um dos direitos fundamentais, que devem ser assegurados pelo Estado, ou seja, ―a finalidade de um governo e de todos os que entram na sociedade é a conservação da propriedade‖. A lei, aprovada pelo parlamento, deve assegurar que não haja nenhuma arbitrariedade do Estado, que este não viole ―o poder supremo‖ que a burguesia pensar ter o indivíduo sobre a propriedade (GRUPPI, 1980, p. 15).

É Locke que elabora teoricamente a distinção entre sociedade política (o Estado) e sociedade civil. Se na ―Idade Média a sociedade e o Estado (poder político) são inseparáveis, estão entrelaçados, são transmitidos juntos; na sociedade burguesa moderna esses dois aspectos são separados‖ (GRUPPI, 1980, p. 15-16 – grifo do autor), bem como a sociedade política e a sociedade civil obedecem a normas e leis diferentes. Enquanto os direitos de

14 Segundo Gruppi (1980, p. 15), ―É interessante notar que, o Estado da Idade Média, transmitia-se pela herança quer a propriedade, quer o poder político: o rei transmitia para seus filhos a propriedade patrimonial do Estado e o poder; o latifundiário transmitia a terra, o marquês o marquesado, o conde o condado, isto é, todos os bens e todo o poder sobre esses bens, assim como também sobre os homens que viviam no condado e no marquesado‖.

propriedade e da transmissão da propriedade são exercidos na sociedade civil, mundo das relações econômicas, dos conflitos, portanto, da vida prática e ordinária dos homens. O Estado, mundo do exercício do poder, deve garantir e tutelar o livre exercício da propriedade e normatizar as relações. O contrato social de Locke, enquanto expressão da vontade do indivíduo, deu ―forma à sociedade civil tomando o indivíduo como fundamento do poder político mas, ao mesmo tempo, pensando um Estado capaz de assegurar a todos a liberdade e a igualdade‖ (NOVAES, 2003, p. 14).

A relação direta entre soberania ou participação política e propriedade privada fica patente, segundo Gruppi (1980, p. 16), em Immanuel Kant. Este

[...] afirma que a soberania pertence ao povo [...] Mas, após essa consideração, Kant apresenta que há cidadãos independentes e cidadãos não- independentes. Aqueles independentes – os que podem exprimir uma opinião, que podem decidir da política do Estado – são os cidadãos que não dependem de outros, isto é, os proprietários. Não se pode pensar que sejam capazes de uma opinião independente os servos das fazendas, ou os aprendizes das oficinas artesanais. Por conseguinte, eles não podem ter direito de voto, nem de serem eleitos. Os direitos políticos ativos cabem somente aos proprietários.

O critério de soberania de Kant é a sua distinção liberal entre não proprietários e proprietários. Esse critério sofreu a contestação de Jean-Jacques Rousseau (2013), autor Do Contrato Social, para o qual os homens nascem livres e iguais, e a civilização humana é que perturba as relações humanas em sua condição natural15.

Após tratar da genealogia do surgimento do Estado moderno, mais precisamente do aspecto teórico, no campo político, o Estado absolutista e, depois de afirmá-lo como tipicamente capitalista, somos levados a questionar: Qual o caráter capitalista do Estado? Como o Estado incorpora o interesse da classe burguesa? A resposta a tais questionamentos foi buscada na reflexão sociológica.