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2. A FORMAÇÃO DO ESTADO DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

2.5 O Estado de Bem-Estar Social

No final do século XIX e início do século XX, alguns países de capitalismo desenvolvido ou centrais, sobretudo da Europa do pós-guerra, passaram a prover ―um conjunto articulado de programas de proteção social, assegurando o direito à aposentadoria, habitação, educação, saúde‖, entendido como direito assegurado pelo Estado, sendo chamados de Estados de Bem-Estar ou simplesmente Welfare State (ARRETCHE, 1995, p. 3). Trata-se da configuração de uma intervenção do Estado no campo econômico para combater os efeitos da I Guerra Mundial e tirar a economia mundial da Grande Depressão de 1930, que se seguiu ao crash da Bolsa de Valores de Nova York (BVNY) de 1929.

O economista John Maynard Keynes escreveu a obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, que foi publicada em 1936 e apresenta, segundo Santos (2015, p. 154), as ―principais proposições teóricas‖ para a ―reorientação administrativa do capitalismo‖. Para ele, Keynes:

[...] por sua habilidade intelectual, constitui a afirmação do cientista econômico na coordenação e direção tecnocrática da sociedade. Coordenação essa assentada na utilização do Estado e de seu aparelho burocrático para a criação de políticas econômicas e sociais, públicas ou não, consideradas em seus aspectos técnicos e associadas ao desenvolvimento científico, assim como às suas limitações ou à necessidade de imposição de limites, tendo em vista adequá-los à satisfação das carências imediatas do sistema econômico capitalista, sobretudo em momentos de crise (SANTOS, 2015, p. 154).

Segundo esse autor, Keynes defendeu a tese da necessidade de equalização do processo produtivo com os ganhos de produtividade do período, o que significa a possibilidade de o Estado criar mecanismos que resultem no escoamento da imensa produção e dos imensos estoques, atuando na equação emprego-salário, de modo a provocar a redistribuição de renda e, por sua vez, elevar o consumo do mercado supranacional.

Com a obra supracitada, Keynes traça as linhas gerais de sua crítica à economia clássica e, sobretudo, à ideologia da ―mão invisível‖. Na apresentação da obra citada, Adroaldo Moura da Silva afirma que as críticas de Keynes são dirigidas aos defensores do caráter intrinsicamente instável do sistema capitalista, sem que isso aproxime o autor de uma solução radical para a questão, ou seja:

A operação da mão invisível, ao contrário do que ainda é sustentado por economistas de inclinação mais ortodoxa, não produz a harmonia apregoada entre o interesse egoístico dos agentes econômicos e o bem-estar global. Em busca de seu ganho máximo, o comportamento individual e racional dos agentes econômicos – produtores, consumidores e assalariados – podem

gerar crises a despeito do bom funcionamento das poderosas forças automáticas dos mercados livres. E essas crises advêm de insuficiência de demanda efetiva (Silva apud KEYNES, 1996, p. 11).

A solução apontada foi a adoção de propostas de intervenção do Estado na economia para ―remover‖ ou ―eliminar‖ as bases da economia liberal clássica que, fundamentadas na economia clássica, ―conduziram o mundo a tamanha crise‖ (SANTOS, 2015, p. 152-155). Nesse sentido, o Estado keynesiano, Welfare State ou de Bem-Estar Social, foi o Estado erigido com base nos postulados keynesianos de pacto entre Estado, Mercado e Trabalho. Resultado de amplo acordo sobre o papel positivo do Estado para garantir o pleno emprego, a moderação de desequilíbrios e socorro às áreas econômicas deprimidas.

Mesmo quando o Estado é um agente econômico, exclusivo ou não, seja por meio das estatais, seja partilhando sua participação com agentes privados, ele aplica e reproduz as relações de produção capitalista. Ainda assim, o Estado é considerado pelo liberalismo uma persona non grata no mercado, responsável por reduzir a concorrência.

Longe de ser a redenção das desigualdades ou a melhora geral das condições de vida da maioria da população, as proposições do Estado de Bem-Estar significou alívio à situação insustentável do sistema capitalista, no período pós-guerra. Foi uma resposta funcional e um arranjo para corrigir/compensar as disfuncionalidades estruturais do desenvolvimento das sociedades capitalistas e não representou uma mudança estrutural. Diz respeito, sobretudo, a ―compromissos‖ frente à contradição, de maneira que o Estado age para atenuar os ―aspectos mais desestabilizantes‖ da crise do capital (BORÓN, 1995, p. 75).

Um aspecto político característico dos mais evidentes dessa configuração do Estado é, segundo Poulantzas (1985, p. 20), o ―declínio do parlamento, o fortalecimento do executivo, o papel que cabe atualmente à administração do Estado‖. Na verdade, diz o autor, essas características marcam o Estado desde o fim do capitalismo mercantilista e início do capitalismo monopolista (uma característica do final do Estado absolutista – manufatureiro – e de todo o Estado Liberal).

Para o autor, esse fortalecimento do executivo e, consequentemente, da administração-burocracia, evidencia a passagem do Estado liberal para o Estado intervencionista. A intervenção econômica do Estado de Bem-Estar coloca em causa o sistema jurídico aparentemente universalista do Estado liberal, pois:

Esse papel do Estado não pode mais limitar-se ao modelo de normas gerais, formais, universais, adaptado no essencial ao Engajamento do Estado na manutenção e reprodução de ―condições gerais‖ da produção. Esse papel

baseia-se em regulamentações particulares, adaptadas a tais ou quais conjunturas, situações e interesses precisos (POULANTZAS, 1985, p. 252). Assim, a distinção relativa entre poder legislativo e poder executivo fica abalada, uma vez que:

A legitimação encarnada pelo parlamento e que tinha como quadro referencial uma racionalidade universal, transforma-se numa legitimação da ordem de uma racionalidade instrumental da eficácia, encarnada pelo executivo-administração. [...] o parlamento perdeu praticamente a iniciativa de propor leis, cabendo isso ao Executivo. Os projetos de leis são revisados diretamente pela administração. [...] Essas leis não se inscrevem mais na lógica formal do sistema jurídico, fundamentada na universalidade da norma e na racionalidade da vontade geral representada por seu editor, mas num registro diferente, o da política econômica concreta e rotineira, encarnada pelo aparelho administrativo (POULANTZAS, 1985, p. 252-253).

O autor acrescenta, ainda, um fato da maior relevância: o declínio do parlamento e a preponderância do executivo correspondem ao declínio da lei. De modo que, continua o autor: ―As transformações que atingem a natureza e a forma da regulação social tomam da lei seu lugar de monopólio no sistema normativo‖. Essa ―derrocada‖ da lei não deriva da ―intervenção econômica do Estado‖, mas da natureza dos interesses hegemônicos, num quadro em que a generalidade e a universidade da lei cedem lugar à regulamentação particularista (POULANTZAS, 1985, p. 253).

Os interesses hegemônicos do capital monopolista provocam um retraimento das bases político-sociais, que resulta no afrouxamento dos elos de representação entre o bloco no poder e os partidos de poder. Esse afrouxamento tem sua expressão caraterística na crise de representação da década de 1980, que envolve os partidos e sindicatos, uma vez que, sob a influência hegemônica do capital monopolista:

A administração tornou-se há muito tempo o elo central de elaboração do instável equilíbrio de compromissos no seio do bloco no poder, entre este e as massas populares. Eles [o executivo e a administração] concentram em si a legitimação do Estado frente às classes dominadas. O deslocamento maciço, de direito e sobretudo de fato, da responsabilidade governamental do parlamento para a cúpula do executivo acarreta, por isso mesmo, a decisiva restrição de poderes do parlamento sobre a administração, autonomização do governo em relação ao parlamento, o distanciamento doa administração em relação à representação nacional. [...] [Assim,] a burocracia de Estado, sob a autoridade das cúpulas do executivo, torna-se não só o lugar, mas o principal agente de elaboração da política. [Resultando que os] diversos interesses econômicos estão diretamente presentes doravante, transcritos na integra, no seio da administração. [...] [E, por fim] é à administração que compete, inversamente, a constituição-manifestação de interesses monopolistas como ―interesse geral‖ e ―nacional‖, logo o papel político-ideológico de organização do capital monopolista (POULANTZAS, 1985, p. 256-261).

Um aspecto político importante desse momento da conjuntura das nações modernas, foi a subida ao poder da social-democracia.

O interesse da social democracia, ainda que em declínio, é que acrescentou um segundo pilar de representação que são as organizações profissionais, os sindicatos de diversos tipos. O modelo surgiu nos anos 1920 nos países nórdicos, em particular na Suécia, se expandiu nos Estados Unidos nos anos 1930 com o New Deal como reação à crise de 1929, e se generalizou na Europa a partir do fim da II Guerra Mundial, em 1945. A guerra teve um papel muito importante, pois o imenso choque político e de valores causado, a se ver barbáries indescritíveis perpetradas por meios tecnológicos modernos, por pessoas com formação superior, gerou um clima de revolta que abriu caminho para soluções mais democráticas (DOWBOR, 2014, p. 98).

Ao custo político indicado acima, o Estado de Bem-Estar acarretou, contraditoriamente, ganhos sociais imediatos para a classe trabalhadora, pela imposição de ações no campo político, que os beneficiassem. Nesse sentido:

Impulsionadas pelas lutas populares, as democracias burguesas tiveram que introduzir uma série de reformas que objetivamente beneficiaram às classes populares. No entanto, é impossível negar que esses desenvolvimentos tropeçaram com os limites inflexíveis do despotismo do capital no terreno decisivo da produção. O impulso reformista se deteve diante das portas das fábricas e dos bancos (BORÓN, 1995, p. 74-75).

Nessa forma de configuração do Estado capitalista, o Estado ―introduz-se no próprio cerne da reprodução do capital‖ (POULANTZAS, 1985, p. 35). Resulta disso que o Estado de Bem-Estar nada mais é que a reorganização do Estado para atender atividades sociais que estavam fora do âmbito individual, sobretudo em tempos de crise. No entanto, a longo prazo, percebe-se que os prejuízos econômicos e políticos são enormes, pois o Estado de Bem-Estar Social resultou num processo, de médio e longo prazo, em que se configurou um Estado para trabalhar em prol da ―hegemonia de classes‖, no ―campo de equilíbrio instável do compromisso entre as classes dominantes e dominadas‖ (POULANTZAS, 1985, p. 36).

No campo político, o prejuízo foi a fé demasiada nas possibilidades do Estado, o que levou a maioria das agremiações políticas ditas sociais democratas a adotarem posturas de direita, sobretudo, após a queda do muro de Berlim. Também houve uma grande cooptação das lideranças sindicais que as tornaram engessadas ou inaptas para rever sua posição no pacto Estado-Trabalho-Capital, impossibilitando-as de tomar posição na direção dos interesses dos trabalhadores, arraigados que estavam nas instituições e sistemas estatais criados por essa configuração do sistema político.

O Estado introduz-se, inclusive, no âmbito da reprodução do capital, quer assumindo atividade de infraestrutura, quer atuando no ramo da produção industrial, via empresas estatais ou mistas. A atuação e a regulação econômicas realizadas pelo Estado sempre foram combatidas pelo liberalismo. Os liberais não se renderam aos encantos das ideias de Keynes, mas não estavam em posição de contrariá-las, estavam mais preocupados em recompor as economias dos países, que estavam em crise no período pós-guerra.

Mas, foi de uma espécie de liberalismo extremado, conhecido como neoliberalismo, que o Welfare State recebeu a maior oposição. Os neoliberais contra-atacaram o Estado de Bem-Estar Social tão logo recompuseram suas forças. A derrubada do Murro de Berlim e as derrocadas dos países ditos socialistas foram considerados seus prodígios. Com isso, fortaleceram suas posições e postularam que o Estado deveria maximizar a liberdade e reduzir os controles sobre as iniciativas individuais, levando ao máximo a liberdade contra o controle por meio da lei e do poder político. A configuração do Estado Neoliberal será tratada no próximo tópico.