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1. CAMINHOS DA PESQUISA

1.3 A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA CONTEMPORANEIDADE, UMA REALIDADE

A história da educação brasileira traz a marca da exclusão da grande maioria da população. Somente no século XX, o sistema educacional brasileiro se ampliou, acolhendo as classes populares nas escolas, daí por que a inclusão escolar foi temática central de muitos debates no final do século XX e inicio do século XXI. Surge daí o desafio à escola em atender as demandas e responder de maneira ativa e dinâmica as carências históricas da educação das classes populares no Brasil. A partir da legislação vigente desde a 1ª LDB (Lei 2.024/61), a educação escolar está desafiada a responder sobre a sua pertinência na sociedade, seu papel, suas funções, para que serve a escolarização no contexto da sociedade em processo de desenvolvimento econômico e social.

Sabemos que a instituição escola foi criada para socializar o saber sistematizado. É o lugar em que se veicula o conhecimento julgado necessário de ser transmitido às gerações futuras, as quais o ressignificam pela inserção na cultura e nas normas organizativas da sociedade. Nesse sentido nenhuma outra forma de organização social foi capaz de substituir a escola nesta função.

Frente a essa questão, sinto a necessidade de refletir a premissa básica da escola: facilitar o acesso ao saber e à produção do conhecimento. Porém, ao retroceder no tempo, percebo que a escola sofreu algumas variações em sua função social e na maneira de conceber o homem nas diferentes etapas de sua história, o que norteou o seu fazer pedagógico. Os diferentes paradigmas que fundamentaram a pedagogia, bem como os propósitos políticos da educação em cada tempo e lugar, imprimiram à escola feições e objetivos diferenciados. Portanto, para entender a escola de nosso tempo, é importante recorrer à sua instituição como aparelho de Estado, bem como a sua dinâmica como objeto de política pública que se constitui na relação Estado/sociedade.

Não é meu intuito, neste trabalho, deter-me em fatos históricos, porém, gostaria de chamar a atenção para um importante documento que constitui a história da educação brasileira, escrito no ano de 1932 a partir do qual podemos fazer uma analogia com os anseios que ainda hoje vivenciamos na educação escolar. O trecho que apresento a seguir, escrito conforme a linguagem da época é parte do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova no Brasil, que defendeu na época, a idéia de uma educação pública de qualidade e laica (uma vez que até então a mesma era atrelada à igreja), para todos os cidadãos brasileiros.

[...] a escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas “uma instituição social, um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem à crença, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas da natureza [...] Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação [...]. Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em torno de si as famílias dos alunos, estimulando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas;utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder da iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da educação (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA apud PERIN, 1998, p. 27).

Percebe-se, na leitura desse documento, que adentramos no século XXI, buscando ideais vislumbrados já na primeira metade do século passado, isso demonstra que as mudanças em educação demoram a serem percebidas na prática do dia-a-dia e muito mais para serem implementadas. Acrescento, ainda, relativo ao manifesto o que Plank (2001) diz:

Suas análises e propostas políticas repetem-se, desde então, em documentos, como a primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1948, os Planos Nacionais de Desenvolvimento do regime militar das décadas de 60 e 70, até o manifesto político publicado pelo Governo Itamar Franco, em 1993, sob o título de Plano Decenal de Educação Para Todos [...] tanto os diagnósticos quanto as propostas de solução inicialmente sugeridos pelos pioneiros, em linguagem claramente semelhante àquela utilizada na década de 30. Mas apesar do aparente consenso em relação ao diagnóstico e à prescrição, os problemas permanecem (PLANK, 2001, p. 16).

Percebe-se, assim, que a reivindicação pela escola pública no Brasil tem sido uma constante desde a primeira metade do século passado, estendendo-se até hoje como uma meta a ser atendida na luta pela participação democrática. Todavia, presenciarmos, nos últimos anos, inúmeras tentativas que se têm feito na busca de mudar a dinâmica da instituição escola. Produz-se muita literatura, diagnosticando o sistema educacional, programas de governo se

intensificam, a mídia propaga a possibilidade de Educação Para Todos e, apesar de tudo, constatamos elevado número de alunos excluídos da aprendizagem escolar e da escola.

Pode-se afirmar que essa é uma preocupação de longa data, já deflagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948, quando declara que todos têm direito à educação. Esse direito é perseguido insistentemente, desde então, pelos países democráticos e a conquista da universalização da educação é associada ao desenvolvimento econômico capitalista. Na última década do século XX, em Jomtien, Tailândia (1990), foi realizada a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, momento em que 155 países assumem o compromisso de garantir uma educação de qualidade para todos os sujeitos: crianças, jovens e adultos.

A partir da década de 1990, como resultado dos acordos firmados com a ONU – Organização das Nações Unidas e a UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura na Conferência de Jomtien, intensificaram-se os debates político-educacionais acerca das situações de insucesso, exclusões e desigualdades arraigadas no contexto da educação escolar. Gerou-se, assim, um amplo debate sobre a necessidade de se firmar acordos entre os diversos setores sociais para efetuar reformas nas políticas públicas de educação. Na educação pública brasileira, institui-se um novo modelo de gestão que busca reestruturar o sistema através da descentralização financeira e administrativa, dando autonomia às instituições de ensino, e responsabilizando-as pelos resultados educativos, na busca de superação dos índices excludentes vividos até então.

A partir de 1994, com a proclamação da Declaração de Salamanca1·, que traz como princípio acolher nas escolas toda e qualquer criança, independente de suas características, a sociedade passa a entender a educação como um direito fundamental de todos. Com base nesse documento, instituído por assembléia geral das Nações Unidas a maioria dos países do mundo iniciou o processo de implantação de políticas de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular, por ter sido considerada esta a forma mais democrática para garantir oportunidades educacionais para toda a população. Ilustro a concepção de inclusão no seu sentido amplo conforme consta na Declaração:

1

A “Declaração de Salamanca” é uma resolução das Nações Unidas aprovada na “Conferência” realizada na cidade do mesmo nome/ Espanha a qual apresenta procedimentos padrões para a equalização de oportunidades para as pessoas portadoras de deficiências.

Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos humanos. No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram proporcionar uma equalização genuína de oportunidades. A experiência em muitos países demonstra que a integração de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 61).

A Declaração de Salamanca e a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, são considerados mundialmente como os documentos importantes que visam à inclusão social. Através deles vem se consolidando políticas de educação inclusiva, contrárias ao segregacionismo e favoráveis aos movimentos em prol dos direitos humanos iniciados a partir da década de 60, século XX. Os princípios da educação inclusiva, firmados como compromisso dos países com pretensões de inserção na economia globalizada, foram parâmetro para as reformas educacionais desde 1990.

Partindo da posição assumida pelos diferentes países, a sociedade passou a vislumbrar a perspectiva política da construção de um sistema escolar de qualidade para todos. Enfatizou-se também, o reconhecimento das diferenças como norma para a inclusão, na percepção de que qualquer criança possui características, interesses, habilidades e necessidades únicas e que, portanto, o currículo escolar precisa adaptar-se a ela, de maneira a atender suas necessidades básicas para alcançar a aprendizagem.

Tendo esse entendimento, portanto, os países representados por diferentes organizações, naquele momento declararam que:

• Toda a criança tem direito fundamental à educação, e a ela deve ser dada à oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;

• Toda a criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que lhe são únicas;

• Os sistemas educacionais devem ser designados e os programas educacionais devem ser implementados no sentido de se levar em conta à vasta diversidade de tais características e necessidades;

• Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deverá acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades;

• As escolas regulares que possuam tais orientações inclusivas constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando uma educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimora a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 1).

A partir deste tempo e com essa declaração, os países que procuraram adotar tal política, assumiram o dever moral e o compromisso político de atribuir prioridade aos sistemas educacionais, no sentido de criar condições favoráveis para a inclusão de todas as crianças, independentemente de suas diferenças e/ou dificuldades particulares.

Tais condições implicam, necessariamente, na adoção de uma visão ampliada de educação básica, centrando atenção na aprendizagem do aluno, que por sua vez deve ser centro da atenção e investimento pedagógico. Essa postura requer a revisão e redimensionamento urgente dos currículos, metodologias e sistemas de avaliação.

Não diferente dos demais países, o Brasil, ao adotar a política de educação inclusiva (expressa na Constituição Federal de 1988 e incorporada pela Lei nº 9394/96 – LDB) se coloca no compromisso de promover mudanças no sistema educacional de forma a efetivar uma educação que dê conta de promover aprendizagens com qualidade para todas as crianças, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais e lingüísticas. Essa visão ampliada de “educação especial” envolve, também, pessoas com deficiências, superdotadas, que vivem na rua, as que trabalham, as de minoria lingüística, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos menos privilegiados ou marginalizados.

Vale destacar que a todos esses se atribui a condição de “Portadores Necessidades Educacionais Especiais”, pois o termo refere-se a todas as crianças, jovens e adultos que, por qualquer motivo, estejam privados de condições para aprender, ou seja, deficientes e diferentes: minorias étnicas e culturais, crianças de rua, superdotadas, etc. Devido a isso se faz necessário que as escolas busquem adequação para atender a toda e qualquer diversidade.

Analisando os documentos antes citados percebe-se que os mesmos fazem referência à necessidade de centrar a ação pedagógica nas potencialidades dos educandos, valorizando a diversidade, reconhecendo os diferentes tempos e ritmos de aprendizagem do aluno, enfatizando também o direito a uma educação de qualidade. Ao mesmo tempo, deixa subjacente a responsabilidade do Estado, da escola, do professor e da família para que aconteça uma educação inclusiva. Todavia nas escolas não existe ainda consenso quanto ao significado da inclusão, o que mais transparece é uma idéia de adaptação e sempre vislumbrando a pessoa com alguma deficiência. Porém, no sentido da lei e dos documentos, incluir é muito mais que isto, vai para além do aluno ingressar e permanecer na escola, ele

precisa identificar-se neste e com este espaço, uma vez que a função primordial da escola é produzir aprendizagem e socializar os sujeitos que dela fazem parte.

Nesse sentido, pensar inclusão pressupõe pensar em relações de troca, respeito, estimulação e, sobretudo aprendizagem. Isto significa contemplar a individualidade de cada sujeito aprendiz, preocupando-se com seu desenvolvimento integral. O que, no entanto, se presencia habitualmente, são atividades docentes padronizadas, explicações iguais sobre conteúdos pouco significativos, atividades idênticas e o desejo de que todos demonstrem que aprenderam no mesmo nível, no momento previsto pelo professor, para todos, sendo os alunos comparados uns com os outros e então a aprendizagem é medida. Alguns são considerados exitosos na tarefa de aprender e outros são condenados a repetir a mesma rotina, pois demonstrarão que não aprenderam conforme o padrão estabelecido. Desse modo, os “portadores de necessidades educativas especiais” repetem a mesma série por quantas vezes forem necessárias, até demonstrar que adquiriram as competências necessárias para ir a série seguinte. Isto é inclusão de todos? Penso que onde existe comparação não existe inclusão. Minha experiência como professora tem mostrado que a escola não está conseguindo promover uma educação escolar inclusiva, fato que se comprova pelo alto índice de insucesso apresentado nos resultados da aprendizagem dos alunos.

De acordo com os documentos oficiais e com as teorizações por eles provocadas, viabilizar uma educação inclusiva requer estratégias de ação pedagógica numa visão de currículo, capaz de promover a comunicação com o aluno, dialogando com a cultura daqueles que buscam construir saberes, através de práticas que reconheçam e valorizem a diversidade como elemento enriquecedor da aprendizagem. Portanto, cabe às escolas a reconstrução dos projetos político-pedagógicos e aos educadores rever as teorias de ensino e de aprendizagem utilizadas, pois são elas que, aliadas às respostas dos alunos, poderão nortear esse fazer pedagógico de uma educação escolar inclusiva.

Percebe-se que, muitas vezes, o aluno entra no sistema escolar formal estruturado de maneira homogeinizadora, o qual não lhe oportuniza as intervenções pedagógicas e interações necessárias à otimização do percurso da sua aprendizagem. Sobre estas questões, Pozo (2002) diz:

Em nossas interações cotidianas com os objetos e as pessoas que nos rodeiam, costumamos observar certas pautas relativamente estáveis de fatos e comportamentos, das quais extraímos certas regularidades. De forma implícita, aprendemos com as co-variações entre fatos, entre nosso comportamento e outros fatos, e entre nosso comportamento e o dos demais. Ainda que nosso comportamento não chegue nunca a ser um reflexo exato das relações que, supostamente, ocorrem no ambiente, trata-se de uma aprendizagem implícita, baseada em processos associativos que consistem no estabelecimento de conexões entre fatos e comportamentos que tendem a acontecer juntos (POZO, 2002, p. 64)

Para tanto, é preciso que o aluno sinta-se bem, integrado, a um currículo que considere o seu tempo de aprender, organizado de forma condizente com suas características biológicas e culturais. Diante dessa realidade, creio ser necessário que a escola em sua prática pedagógica construa uma relação circular e não linear, na qual o sujeito ora é o aprendente, ora é o ensinante. Uma vez que, sem estar preparado para esse descompasso entre o ideal de escola e a realidade que ali encontra, a criança sente-se desprotegida, insegura, isolada, sofrendo inclusive discriminações. Sabemos, porém, que valores que contemplam a solidariedade, os direitos iguais e as atitudes politicamente corretas não são suficientes para o sucesso escolar.

Segundo Demo (2002):

A tese mais conhecida no âmbito da educação é a de Piaget, do construtivismo, chamada por outros de construcionismo. Trabalha com a hipótese de que o conhecimento não se transmite, repassa, adquire, ensina, mas se constrói. Há quem avalie o termo como forte demais e prefira o de reconstrução do conhecimento, por estar mais próximo do cotidiano das pessoas; normalmente, aprendemos do que já havíamos aprendido, conhecemos com base no conhecido, lançamos mão do nosso patrimônio histórico disponível (DEMO, 2002, p. 39).

Sim, aprendemos do que já havíamos aprendido e conhecemos partindo daquilo que já conhecemos, é a visão cíclica da aprendizagem. Mesmo que quiséssemos apenas transmitir e assimilar conhecimento mecanicamente, isso seria inviável, pois estamos biologicamente aptos a reconstruir, interpretar, observar, argumentar. A evolução da espécie humana nos dotou de um cérebro tipicamente reconstrutivo como diria Maturana apud Demo (2002), “O que entra em nossa cabeça não “entra” propriamente de fora para dentro, mas de dentro para fora, ou seja, a nosso modo, em termos também subjetivos e pessoais”. Esta concepção de aprendizagem é inversa ao modo como a escola tradicionalmente organiza o ensino. Não estaria aí uma das causas de seu fracasso? A concepção tão fortemente consolidada nas práticas escolares de que ensinar é “transmitir” conhecimento numa ação externa e estranha ao aluno não poderá ser uma das causas de seu desinteresse?

Com a realização desta pesquisa, acompanhando o cotidiano da escola, pude perceber que não estamos, enquanto educadores e gestores de um currículo, dando conta de atender aos anseios da demanda que os alunos trazem consigo para dentro da escola, as quais se manifestam mais claramente em sala de aula e por conseqüência nos resultados da aprendizagem e da permanência do aluno na escolarização.

Uma das denúncias mais contundentes que se faz a essa defasagem entre os programas curriculares e a inclusão, está centrada no paradigma da racionalidade moderna que fundamenta a estrutura curricular, o qual não permite atender as diversidades, como veremos a seguir.

1.4 A BUSCA DE UM CURRÍCULO INCLUSIVO NA SUPERAÇÃO DO PARADIGMA