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3. A MÁSCARA DA INCLUSÃO

3.5 ESCOLA: O GRANDE PALCO DE RELAÇÕES NA PÓS-MODERNIDADE

Como uma instituição da modernidade, a escola constitui sua identidade como palco de produção/transmissão do conhecimento de forma linear e reprodutiva. Hoje, porém, encontra-se em crise. Do ponto de vista interno, são inúmeras as dificuldades em romper estruturas e culturas que historicamente se consolidaram. Estas estão vivas e não só dificultam como também fazem fortalecer um contexto que muitas vezes não faz ouvidos aos clamores, não percebe e não se sensibiliza para as mudanças paradigmáticas e estruturais que emergem da necessidade de buscar uma identidade que comporte os alunos deste novo tempo.

Silva (2003), fala sobre descolonizar o currículo, mas somente nós professores que vivenciamos o cotididano da escola, sabemos o quanto de resistência é necessário para isso. Para além de uma cultura consolidada na racionalidade técnica e instrumental da modernidade, é preciso resistir contra as investidas do sistema que impõe ações, práticas, e consumo de bens e idéias.

O conhecimento e o currículo não são coisas, como a noção de “conteúdos” – tão entrenhada no senso comum educacional – nos leva a crer. O conhecimento e o currículo corporificam relações. Isso significa não apenas ressaltar seu caráter de produção, de criação, mas, sobretudo, seu caráter social. Eles são produzidos e criados através de relações sociais particulares entre grupos sociais interessados.

Nesse sentido, trazem as marcas que resultam de interesses dos envolvidos nessas relações sociais, o que nos leva a refletir sobre o quanto o currículo escolar é moldado e estruturado sob uma identidade construída por interesses alheios ao da educação. A escola passa por um processo de inserção no mercado capitalista, ilustro essa afirmação com a imensa comercialização que há em torno do Programa Nacional do Livro Didático. Sabemos que há uma força ideologicamente constituída por detrás de tudo isto, no entanto as escolas de todo o país distribuem e utilizam os livros didáticos, os quais trazem conteúdos homogeneizados e descontextualizados da realidade dos alunos.

No mesmo texto, Silva (2003) aborda uma análise do trabalho desenvolvido por Michael Apple, e sugere estratégias possíveis de serem adotadas, visando à construção de novos materiais.

Uma estratégia de descolonização do currículo supõe, evidentemente, o projeto, a construção e a elaboração de novos materiais que possam refletir as visões e representações alternativas dos grupos subordinados. Dada a capacidade e a potência das instituições e empresas hoje envolvidas na produção de materiais curriculares oficiais e a facilidade que isso representa para os professores e as professoras, essa é uma tarefa que certamente demandará uma quantidade de recursos humanos e materiais. Seria importante que os grupos progressistas reunidos em torno dos diversos movimentos sociais levassem a sério a tarefa de projetar e construir materiais curriculares e pedagógicos contra- hegemônicos (SILVA, 2003, p. 34).

Considero oportuna a estratégia apontada por Silva (2003), tal estratégia requer, no entanto, que os sujeitos escolares sejam de fato protagonistas na escola e, para isso se apropriem de conhecimentos capazes de produzir a autonomia docente dentro de um palco escolar marcado pela identidade teórica de seu coletivo. A respeito da análise que faz dos escritos de Michael Apple, em que o mesmo aponta para a reelaboração dos materiais de apoio pedagógico, partindo das produções elaboradas pelos grupos diretamente envolvidos na utilização destes materias, ou seja, professores, alunos, pais aponta:

Nessa perspectiva os materiais e significados existentes, são as próprias experiências presentes dos/as estudantes que podem servir de base para a discussão e a produção de um novo conhecimento. Aqui, os materiais existentes, claramente enviesados e interessados, deveriam construir a matéria-prima a partir da qual os significados, as visões e as representações dominantes pudessem ser contestados, desafiados e resistidos (SILVA, 2003, p. 34).

Acredito que se a proposta de Progressão Parcial fosse, de fato protagonizada pelos sujeitos escolares, os materiais de apoio pedagógico e as estratégias de recuperação poderiam ser mais eficientes. Esta, porém, é uma tarefa complexa, de grande amplitude, que requer altas doses de ousadia, coragem e determinação, uma vez que certamente traria desestabilização a uma estrutura curricular moldada por princípios de homogeneização, implicidamente orientados por grupos dominantes que historicamente reproduzem através da educação ideologias que buscam perpetuar estruturas excludentes. Acerca dessa reflexão, Silva (2003) contextualiza apontando para a transgressão:

Os significados e as representações dominantes só poderão ser subvertidos e contestados se tivermos uma concepção histórica e social sobre a forma como eles são produzidos [...]. Tudo isso aponta para uma educação e um currículo voltados para a abertura e a dissidência, para a transgressão e a subversão [...]. Em suma, para uma educação e um currículo que multipliquem os significados, em vez de fechar nos significados recebidos e dominantes, uma educação para a insurreição e para a transgressão de fronteiras (SILVA, 2003, p. 36).

Uma ousadia dessa ordem requer, no entanto, formação constante do professor, tempos e espaços pedagógicos para o exercício da crítica, da teorização e da criação. Diante do que foi dito, impossível não visualizar a escola em crise. Escola e professores que resistem a assumir que estamos vivendo na era pós-moderna e isso implica em mudanças e adaptações para poder acolher ao aluno que chega até ela na busca, também, de uma identidade e encontra uma instituição em conflito.

A conseqüência disso tudo já visualizamos e retomamos através da incidência da não aprendizagem e dos conflitos que surgem no ambiente escolar no momento em que a diversidade dos sujeitos entram em conflito com a estrutura da instituição.

Por muito tempo, a escola passou a idéia de uma identidade fixa, de ser um espaço privilegiado em que se adquiriam conhecimentos, em que se cumpriam rotinas disciplinares, em que condutas e comportamentos eram regidos por princípios morais e religiosos, enfim, neste lugar, identificado como escola, os sujeitos ingressavam com um propósito definido de saírem formados cidadãos. Essa crise de identidade instaurou o caos na escola, em que os princípios de racionalidade, disciplina, homogeneidade, transmissão de conteúdos, obediência absoluta a hierarquias se perdeu, pois a escola da pós modernidade não soube apresentar sua nova roupagem ao aluno que hoje possui, resultando nessa tensão que se faz presente.

Porém, como diz Morin (2005) em meio ao caos, emerge a possibilidade do novo, sabemos que a pós-modernidade não trará para a escola uma identidade fixa, estanque e determinante, o ideário deste novo tempo não comporta essas verdades prontas, mas se faz necessário à escola saber dizer a que serve, qual sua função social, como trabalha os conflitos do seu cotidiano. O aluno busca esse referencial.