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O CURRÍCULO E O CONTEXTO ESCOLAR: ARTICULAÇÕES NECESSÁRIAS

2. INCLUSÃO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM COMPROMISSO COM A

2.4 O CURRÍCULO E O CONTEXTO ESCOLAR: ARTICULAÇÕES NECESSÁRIAS

Não há como buscar respostas a diversidade sem afetar a escola em sua totalidade. Isso implica um processo por vezes doloroso de voltar-se para si, questionar a prática pedagógica e introduzir mudanças.Vale refletir sobre o que disse Montaigne (apud MORIN, 2005): mais vale uma cabeça bem feita que bem cheia.

O significado de ‘uma cabeça bem cheia’ é obvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. ’Uma cabeça bem-feita’ significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de:

- uma aptidão geral para colocar e tratar problemas;

- princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (MORIN, 2005, p. 21).

Ao longo da história os currículos, escolares mais instruíram do que construíram. Porém, os objetivos de uma educação inclusiva e “para todos” desafiam a escola a implementar um currículo que instigue à produção do saber, que conduza o aluno na busca da resolução de problemas inerentes a condição humana e social.

Mas, afinal, o que deve ser aprendido e ensinado na escola? Esta questão já gerou longos debates e reflexões entre os envolvidos no contexto escolar e vale dizer que ainda é tema para amplo debate, uma vez que os conteúdos de ensino ainda são muito questionados a respeito da sua significação para a vida dos alunos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 55) indicam como objetivos para os alunos das séries finais do ensino fundamental que os mesmos sejam capazes de:

• Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito.

• Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas.

• Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país.

• Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sócio-cultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais.

• Perceber-se integrante, dependente e agente transformador ambiente, identificando seus elementos e interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do ambiente.

• Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente.

• Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento ajustado de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter- relação pessoal e de insersão social, para agir com perseverança na busca de conhecimentos e no exercício da cidadania.

• Conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva.

• Utilizar as diferentes linguagens – verbal,musical, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo as diferentes intenções e situações de comunicações.

• Saber utilizar diferentes fontes de informações e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos.

• Questionar a realidade, formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.

Assim, na perspectiva da orientação oficial sobre o currículo escolar, os conteúdos de ensino que integram as diferentes áreas do conhecimento, organizados como componentes curriculares, devem contribuir para a construção de instrumentos de compreensão e intervenção na realidade em que vivem os alunos, bem como para a formação pessoal do sujeito como cidadão. No entanto, ao analisar a realidade dos conteúdos trabalhados em aula, percebemos que muitas vezes eles estão descontextualizados. Isto é, são apresentados como um objeto em si, sem relação com as práticas sociais dos educandos.

Em vez de corrigir esses desenvolvimentos, nosso sistema de ensino obedece a eles. Na escola primária nos ensinam a isolar objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações),a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor, e a eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso entendimento (MORIN, 2005, p. 15).

Nesse sentido, estamos distantes de cumprir com os objetivos previstos para o ensino fundamental, quando sabemos que os conhecimentos são transmitidos (não construídos) de maneira isolada e sem significação. Professores reclamam que os alunos não têm interesse e não estudam, em contraponto os alunos pedem aulas mais dinâmicas e interessantes e segue o ano letivo num ciclo vicioso de insucessos.

Questionados sobre porque não aprendem os conteúdos da escola alguns alunos responderam:

Aluno A, 5ª série, 12 anos, “Não aprendo porque não estudo umas matérias que são difíceis e não consigo decorar pra prova, é ruim, eu não gosto, mas eu queria ser o mais inteligente do mundo”.

Na fala, o aluno revela não conseguir incorporar a informação ”decorar” como um conceito significante na sua aprendizagem. Quer apenas decorar para a prova.

Aluno B, 5ª série, 11 anos: “porque não tem como prestar atenção, os que rodaram conversam demais, tem uns que não querem aprender”.

Aluno C, 5ª série 13 anos: “porque não consigo prestar atenção na professora, só fico escutando o que os outros falam, na aula é sempre a mesma coisa”.

Essas falas nos revelam que outros interesses desviam a atenção do aluno o que significa que esses conteúdos não são na maioria das vezes significativos ao contexto de vida dos alunos, não despertam o desejo de aprender, ou a metodologia não está sendo adequada para atender as necessidades e despertar o interesse dos mesmos durante as aulas. Então se sucedem as situações de conversas paralelas, desmotivação, indisciplina, insatisfação e não aprendizagem.

Questionando os professores sobre sua opinião em relação a não aprendizagem dos alunos, estes responderam:

Professor 04, (2 anos de magistério): “Os alunos não aprendem devido ao sistema educacional, há falta de motivação de alguns professores, também de alguns alunos e muita falta de cobrança por parte de alguns professores”.

Professora 05, (40 anos de magistério): “Os alunos não formam o hábito de estudo. No colégio não estuda e em casa os pais não cobram, é preciso atribuir responsabilidades a eles como alunos”.

A professora com pouco tempo de serviço tem consciência das dificuldades do contexto, já a com mais tempo transfere para os alunos essa responsabilidade.Percebe-se que os professores reconhecem a falta de motivação dos alunos, mas não atribuem esse fato a ausência de um sentido real para o que aprendem na escola.A metodologia aplicada no ensino fundamental induz a isolar os objetos de estudo de seu meio, a separar as disciplinas nas famosas gavetas ao invés de promover a interligação dos saberes entre as mesmas (inter/transdisciplinaridade). Desse modo, o conhecimento escolar parece estranho à realidade vivida e não há como “formar o hábito de estudo”. Estudar para quê? Entender que o todo é composto de partes e que cada parte que compõe o todo tem sua significação, porém não pode ser dissociada deste todo, é que constituiria uma aprendizagem pertinente. A aprendizagem só é pertinente se ela propicia o entendimento das informações e situações que o contexto impõe.

Por detrás do desafio global e do complexo, esconde-se um outro desafio: o da expansão descontrolada do saber. O crescimento ininterrupto dos conhecimentos constrói uma gigantesca torre de Babel, que murmura linguagens discordantes. A torre nos domina porque não podemos dominar nossos conhecimentos. T.S. Eliot dizia ‘Onde está o conhecimento que perdemos na informação?’ O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido

no contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas do saber (MORIN, 2005, p. 16).

Hoje temos uma expansão desenfreada de informações que chegam até as escolas, os alunos as trazem bem mais que os professores, uma vez que eles dispõem de acesso mais favorecido a mídia eletrônica, principalmente. Nada inédito seria dizer que a tarefa de transmitir informações não é mais a tarefa primordial do fazer escolar. Isto trouxe um choque para os professores que por muito tempo sustentaram sua prática pedagógica na transmissão de informações, eis um dos grandes conflitos que acontecem na sala de aula, ao invés do professor promover ações acerca da produção de novos saberes (conteúdos conceituais), ele ainda insiste em trabalhar com textos e questionários (conteúdos informativos) que nenhum interesse despertam no aluno.

Aluno D, 6ª série, 14 anos: “Na aula as atividades são de o profe ditar, outras de passar no quadro e a gente copiar a maior parte do tempo, ou a gente lê o copia alguma parte do livro”.

Fica explícita nesta fala o quanto ainda é marcante a idéia de currículo relacionado a conteúdo informativo, sem nexo com a motivação do aluno. Não queremos com isto afirmar que as informações não devem também fazer parte do currículo, porém o conhecimento na concepção dos atores citados requer a ressignificação da informação através da mediação dialógica proporcionada pela ação pedagógica.

A burocracia escolar, porém, não tem contribuído para que as mudanças nesse sentido possam ocorrer. O que se vê nas escolas são professores e alunos pressionados pelo cumprimento de prazos pré-determinados em tempos que são divididos em bimestres, trimestres, semestres em que se faz obrigatório “vencer” os conteúdos estabelecidos, independente da qualidade com que isso se faça. Importante é cumprir com a ordem estabelecida. Nesse modelo pré-estabelecido fica difícil visualizar o que Marques (2006) descreve como característico do educador:

Todo educador é um dirigente, por isso, co-responsável pela direção geral dos processos de aprendizagem sistematizada e a todos acessível/oportuna, como tarefa coletiva, e pela formulação das políticas educacionais, desde sua concepção até a execução atenta e fiel, nas praticas efetivas dos que fazem a educação escolar no seu dia-a-dia (MARQUES, 2006, p. 108).

O modelo tradicional de currículo impõe os valores da cultura hegemônica, onde não há lugar para a autonomia docente, pois da forma como se apresenta é assim que se implementa. Todas as disciplinas buscam essa homogeneização em prol do aluno padrão, que se reconhece pela demonstração do que aprendem através de resultados positivos nas provas e no bom comportamento. São estes critérios que determinam quem está dentro ou fora do jogo pedagógico, isto é quem está incluído ou excluído.

Chamo agora a atenção para os (in)visíveis “excluídos” e que não aparecem nas campanhas pela inclusão escolar. Sua exclusão é velada pela reprovação seqüencial, evasão, indisciplina, indiferença às atividades propostas na escola. São os alunos que os professores denominam, muitas vezes, como “os que não querem nada com nada, que não sabem a que vem para a escola, incompetentes, pouco inteligentes,”..., como revela o relato a seguir:

Relato da professora 06, (17 anos de magistério) acerca da não aprendizagem dos alunos:

Diante das dificuldades de aprendizagem dos alunos concluo que elas resultam da dificuldade de concentração dos alunos. Eles não sabem ouvir e produzir. Os interesses dos alunos de hoje estão em outras questões que não aprendizagem. O que é a função da escola que é produzir conhecimento não está fazendo parte do interesse dos alunos. Porque toda a atividade que se propõe na aula para eles trabalharem, nada é atraente. O que acontece com os alunos de hoje, o que faz com que eles hajam assim na sala de aula é uma incógnita. Se a gente analisar o passado, o que a gente fez, acredito que seja uma questão de conjuntura da sociedade, família, enfim, do homem.

No discurso dos professores há um saudosismo bem presente em relação à escola e os alunos do passado, antes tudo era diferente e mais fácil. Embora exista a consciência de que o mundo mudou, parece difícil aliar essas mudanças a prática pedagógica, algo que seria uma conseqüência lógica e necessária.

É compromisso da sociedade para com a escola contemporânea, imposta pela Constituição Federal e pela LDB, o exercício da educação escolar e suas incumbências, visando o pleno desenvolvimento da pessoa. Para tanto, é necessário ousar construir uma escola onde se oferte efetivamente a “Educação para Todos”.