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2. INCLUSÃO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM COMPROMISSO COM A

2.3 O SUJEITO APRENDIZ NOS DIFERENTES ESPAÇOS/TEMPO DE

Desde o nascimento, o ser humano é envolvido em processos de aprendizagem que o produzem como sujeito social. A primeira instituição que o acolhe é a família e esta desempenha papel fundamental na sua subjetividade e introdução na esfera social e no campo da cultura. Inicia-se uma série de rupturas com as relações primordiais ao longo de sua vida, as quais vão exigir esforços adaptativos e aprendizagens sempre novas.

A primeira ruptura, a primeira crise adaptativa, ocorre quando a criança ingressa na escola, quebra-se o convívio exclusivamente familiar ao qual está adaptada desde o nascimento, para descobrir novas relações no ambiente escolar. Novos espaços; novas pessoas; novos discursos; olhares diferentes e novas leituras sobre a vida. Neste local o diálogo é primordial nas relações, tanto quanto na família, porém agora o mesmo se estabelece também pela diferença, no conflito de idéias, na negociação. Para Marques (1999):

Colocarem-se as pessoas em situação de fala e de escuta significa assumirem posição de reciprocidade: quem fala quer ser ouvido, compreendido, respeitado como verdadeiro e sincero; e quem escuta também quer ter sua oportunidade de falar com as mesmas condições e iguais direitos. Na verdade quem escuta não está mudo; escutar é reagir à fala de um outro e lhe retrucar ao mesmo tempo, pelas expressões fisionômicas pela postura corporal, pelo olhar, pelos gestos e, logo a seguir, pela palavra. Junto a exigência de serem corretamente entendidos, ambos, falante e ouvinte, assumem o compromisso da igualdade de condições em que possa cada um falar, ouvir, concordar, dissentir, propor um assunto ou mudá-lo, iniciar ou suspender uma discussão. Conversar então é isso: falar, escutar e ser escutado (MARQUES, 1999, p. 28).

Assim, o sujeito com o uso do diálogo passa a exercitar o processo da aprendizagem agora não somente na família, mas também no ambiente escolar. Este novo ambiente - “a escola”, enriquece o cotidiano com sua pluralidade de relações, aprende-se com o coletivo e no coletivo. E neste momento a figura do professor surge como mediador na produção de saberes.

Marques (2006) nos diz que há um grande caminho a ser percorrido na discussão sobre a constituição do sujeito que perpassa o ambiente escolar e a sua constituição neste lugar social de aprendizagem. Após a criança entrar para a escola, o compromisso com o aprender requer uma ação conjunta com a família. Sabe-se que esta é uma das grandes dificuldades que a educação hoje enfrenta, uma vez que, a família passou este compromisso

para a escola, e a escola diz-se impossibilitada de cumprir sua função por inúmeros motivos. Assim, ecoam queixas de ambos os lados, os pais ocupam seu tempo com um ritmo de trabalho acelerado, pois precisam suprir as necessidades financeiras do lar e isso gera nos filhos carência de afeto, de diálogo e de convívio na primeira instituição social que os acolheu.

Em meio aos conflitos sociais encontramos os professores com cargas horárias exageradas, tendo que cumprir calendários, horários e programas conteudistas que requerem significação para ambos os envolvidos no processo de aprendizagem e que muitas vezes o sistema impede com suas normas e exigências burocráticas. Muitas vezes, o Projeto Político Pedagógico da escola é construído em gabinetes, embora o discurso passe a idéia de coletivo, isso impede a implementação do mesmo em sua legítima intenção, que seria institucionalizar o processo de aprendizagem significativa para o coletivo.

A partir de situações concretas vividas pela comunidade escolar ao longo da pesquisa, através da metodologia da observação em campo, pude perceber que alguns fatores precisam ser reavaliados pelo currículo, se a escola de fato pretende promover a inclusão tais como: os conteúdos desenvolvidos nas diversas áreas do conhecimento; a inexistência de um projeto interdisciplinar; a ausência de análises críticas dos fenômenos/acontecimentos que permeiam a realidade. Tal reflexão é enriquecida com Santiago (2004), em sua abordagem sobre a organização curricular:

Em qualquer opção – seja ela já experienciada e sistematizada, seja criada e proposta pelos professores em suas condições específicas de trabalho -, o importante é ter clareza de onde se quer chegar e o porquê da utilização dessa ou daquela metodologia, sem vulgarizar conceitos ou implantar inovações apenas porque se apresentam como “novidades pedagógicas”. A opção metodológica e o planejamento do ensino precisam articular-se de forma orgânica à realidade concreta e às ações vivenciadas por educadores e educandos, de modo que o conteúdo informativo revista-se de significados existenciais a serem decodificados no processo de aprendizagem (SANTIAGO, 2004, p. 162).

A grande dificuldade dos currículos inclusivos parece estar justamente na dimensão da autonomia na elaboração dos projetos políticos pedagógicos, já que, na maioria das vezes as orientações curriculares emanadas das políticas públicas impõem estruturas e práticas curriculares para as quais nem sempre a escola e os professores estão preparados. Desse modo, mesmo registrando nos planos e regimentos uma proposta inovadora, as práticas

escolares continuam seguindo as prescrições dos livros didáticos. Ou, seja os professores não se sentem autorizados a serem sujeitos instituintes. Citando Marques (2006):

Desta forma, a permanente luta entre o instituínte e o instituído é necessidade da sobrevivência, da relevância e da eficácia operativa da ação escolar. Neste processo não se podem ignorar nem a universalidade com que se vincula a escola a todos os momentos e lugares sociais das aprendizagens [...] (MARQUES, 2006, p. 106).

Conforme Marques (2006) a instituição é formada pelo que está instituído e pelo instituinte. Neste sentido a instituição escola se constitui nas relações com o que está estabelecido pela sociedade e suas interações com a mesma, as aprendizagens que nela são mediadas são pré–figuradas no imaginário social, ou seja, elas emergem das inter-relações e dos anseios dos instituintes antes mesmo de serem explicitados nos projetos políticos pedagógicos.

Vale dizer que não existe normatização do instituinte, somente do instituído, uma vez que o instituinte se faz na escola na mediação dos saberes, valorizando as intersubjetividades, a diversidade, as emoções que perpassam o processo de produção do conhecimento. A dimensão do humano é uma marca que precisa ser entendida nesta pluralidade que constitui o coletivo da escola.

A escola possui marcas definidas, o projeto político pedagógico é uma delas, ele é dado pelo instituído, mas é vivenciado, modificado pelo instituinte. Outra marca é o tempo, há um tempo instituído a ser cumprido rigorosamente, e que muitas vezes não condiz com o tempo do instituinte, uma vez que os tempos dos sujeitos são tempos diferentes. Também existe a marca das tensões resultantes dos conflitos entre os tempos, o que gera mudanças no instituído.

Em meio a este contexto encontra-se o educador, que trabalha com a transformação dos objetos de saber, tendo como pressuposto o ensino e a aprendizagem. Surge então a necessidade de estabelecer a mediação entre o projeto pedagógico e a docência. Como realizar este processo de maneira satisfatória, eficaz e competente?

Encontramo-nos numa sala de aula, ambiente carregado de sujeitos históricos, que possuem diferenças, professor e alunos com suas vivências e que pretendem transformar objetos de saber. É nesta diversidade que se estabelece a mediação da docência em sala de

aula e se efetivam as aprendizagens formais e sistemáticas entre sujeitos ensinante/aprendentes, sentipensantes, que emergem do mundo da vida para constituírem-se enquanto sujeitos e atores sociais.Nas palavras de Marques (2006):

Reconstroem-se as aprendizagens em processo contrário ao desgaste da vida e a docência, e imune as fantasias não fundamentadas nas possibilidades historicamente construídas. O já aprendido pelo docente torna-se revelação criadora ao confrontar- se com a situação existencial problematizadora do aluno como força ativa interrogante. Dá-se, assim, a aprendizagem no quadro de uma intersubjtividade específica, que supõe sujeitos diferençados que buscam entenderem-se sobre si mesmos e sobre seus mundos e [...] (MARQUES, 2006, p.111).

Vivencia-se o processo de aprender a aprender juntos, nas inter-relações dentro da escola, em cada sala de aula, espaço privilegiado da ação pedagógica, reflexo das interações professor e alunos, mediando objetos de saber.

Vale citar as dimensões espaço-temporais de ordem material, psicossocial e pedagógica, que precisam ser percebidas e valorizadas no espaço-tempo da sala de aula: a disposição de material, lugares, coisas e tempos; a trama de relações intersubjetivas; a condução pedagógica das aprendizagens sistemáticas.

Na busca contínua pela ressignificação dos objetos de saber, produz-se a docência consciente e competente, em que aprendizagens se reconstroem na vida cotidiana dos instituintes e do instituído. Nesse entendimento, não é possível desconsiderar a bagagem de conhecimentos que o sujeito aprendiz traz consigo ao ingressar na vida escolar. Porém, na prática curricular, onde os conteúdos formais são o instituído que prevalece, muitas vezes isso acontece. Os alunos são convidados a “engolir” uma listagem de conteúdos programáticos que fazem parte de um currículo que na maioria das vezes não possui significação no real por eles vivido.Desta forma, efetiva-se um processo muito mais de aquisição de conhecimento do que construção.

Às vezes não entendo porque tenho que estudar uns assuntos que não sei direito pra que servem, a profe diz que é importante e por isso temos que estudar, faz parte dos conteúdos da série e se não aprender agora mais tarde vai fazer falta (Fala de aluno, anotação em Diário de Campo, agosto, 2007).

Essa é a perspectiva da educação bancária, definida por Freire (1997), onde o professor deposita conhecimentos sobre um aluno totalmente receptivo.

Acredito que a verdadeira aprendizagem ocorre na relação pedagógica onde se estabeleça uma dialogia, na qual o professor aprende o que os alunos conhecem para assim efetivar a construção do saber, pois, há que ser valorizado o conhecimento individual de cada um, relacionando as suas vivências. Neste processo, perpassa a busca pela ressignificação do aprender, pois o insucesso da construção do saber pode ser constatado nos altos índices de reprovação e evasão escolar, fato que reforça a exclusão social.

A ressignificação de saberes ocorre quando os significados culturais do saber cotidiano são confrontados com o conhecimento científico, através dos conteúdos informativos trazidos à sala de aula. Compete agora à gestão pedagógica ser o elo de ligação entre as informações, o conhecimento e o saber. Marques, afirma que os saberes são postos e publicizados, mas no âmbito da escola necessitam ser ressignificados nas relações intersubjetivas de alunos e professores. Cabe ao professor, como gestor do processo educativo, fazer uma seleção, no universo de informações disponíveis, aquelas que irão constituir os conteúdos curriculares.

Considerando a numerosidade e a rapidez com que as informações são veiculadas na sociedade atual, penso que o grande conflito escolar e gestor da crise existencial que vive a educação está em sabermos o quê e como ensinar.

Como efetivar na escola a troca de conhecimentos entre professor e aluno na busca do saber? Como interagir com as tecnologias da informação? Tal questionamento se faz pertinente no atual momento em que tanto se questiona e se busca a qualidade na educação, tendo em vista a inclusão social, pois esta inclusão é algo bem mais complexo do que o acesso à escola ou o simples domínio das técnicas da leitura e escrita.

O conhecimento pertinente para o cidadão contemporâneo é aquele que lhe permite agir sobre as situações da vida social. Para tanto, precisamos admitir a incompletude dos objetos do saber individual, jamais seremos supersabedores, temos que recorrer a outros sujeitos que detém outros saberes para ressignificar, refutar e/ou publicizar outros saberes. É no diálogo argumentativo, no embate de idéias que novos saberes se produzem.

Nesse sentido, trago nas palavras de Marques (1993), reforço sobre a importância da linguagem e da argumentação na construção do saber:

[...] argumentar não é convencer ou persuadir alguém a respeito de algo, mas é chegarem todos a um entendimento novo do assunto em questão, entendimento cooperativamente produzido, pois não resulta da vitória de alguém sobre os demais e não é simples soma de diversos pontos de vista, mas é reconstrução coletiva de um consenso que não seria verdadeiro se não significasse o assentimento de cada um. Os saberes, as convicções ou os valores com que iniciaram os interlocutores o processo de argumentação ao final não são mais os mesmos (MARQUES, 1993, p. 99).

A potencialização do objeto de saber se dá pela argumentação, nesta ocorre uma aquisição conceitual e temos que admitir que isto gera instabilidade. É o princípio da ordem, desordem em busca da ordem que Morin (1995) apregoa. Esta instabilidade se faz necessária, pois gera uma crise, um estranhamento, uma carência que levará ao saber. Sobre esta questão, Moraes (2003) aponta o aprendiz como sendo construtor/reconstrutor desse processo:

Sob o nosso ponto de vista, isto pressupõe conceber o aprendiz como um sujeito ativo no processo de observação de sua realidade e construtor, descontrutor e reconstrutor do conhecimento, ao mesmo tempo, um aprendiz autônomo em relação ao meio, o que significa um aprendiz/aprendente que é auto organizador, autoprodutor e autodeterminado em relação ao seu entorno (MORAES, 2003, p. 157).

Evitando que se estabeleça uma diferença entre professor e aluno, e a desvalorização ou supervalorização dos conhecimentos de um ou de outro, será propiciado um ambiente acolhedor à construção de saberes, uma vez que o professor é o responsável por mediar a construção de saberes pertinentes à realidade do aluno.