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3. A MÁSCARA DA INCLUSÃO

3.4 ALUNO: PROTAGONISTA OU COADJUVANTE

Compreender as relações que o aluno estabelece com a questão da aprendizagem ao longo de sua vida escolar é fundamental para que o professor possa rever suas práticas e criar condições para que o aluno evolua neste espaço/tempo, cuja função social é produzir saberes socialmente construídos e sistematizados de maneira satisfatória.

Creio que é importante dar visibilidade as falas dos estudantes, atores que ora se fazem protagonistas, ora coadjuvantes e que nesse trabalho de pesquisa assumem condição de sujeitos e autores de suas constatações e análises a respeito da PP.

Aluno A da 8ª série passou de ano em progressão parcial na 6ª, 7ª, sobre sua experiência diz:

A PP só ajuda a passar de ano, pois só fiz trabalhos de pesquisar em alguns livros e entregar para as profes, isso eu acho que não me ajudou porque o que eu aprendi na 6ª eu não lembro nada. Sempre peguei na mesma matéria, geografia e história e uma vez em matemática. Acho que não ajuda, mas é bom porque a gente não precisa repetir a série, mas ensinar mais não ensina, não aprende nada igual, é só trabalho, todos os anos me deram trabalho sem explicação, numa série eu fiz um trabalho e uma prova. Fiquei em progressão por não gostar da matéria, nas provas não me esforçava porque sabia que podia ficar em duas matérias, meio deixava de lado, todos os alunos são assim. Agora que to na 8ª e não tem PP, então eu tô ralando.

Com esta fala podemos perceber o quanto o conteúdo da escola é ainda visto como cópia, transmissão de informação e reprodução do livro, numa concepção instrumental de aquisição e assimilação de informações. A pesquisa vista como meio para produção de conhecimento oportunizaria possibilidades de aprendizagem que vão para além de “procurar em livros”, pela opção da leitura crítica e reflexiva, na qual o aluno se tornaria sujeito do processo. Desse modo, o processo poderia ter como resultado o aluno expressar-se de maneira fundamentada, com competência para elaborações próprias.

Aluna B da 7ª série:

Peguei PP na 5ª em matemática e na 6ª em ciências, mas não aprendi nada porque elas só me davam trabalho, rodei porque só fazia bagunça, sentava no canto com minhas amigas. A PP ajudou um pouco porque consegui recordar um pouco pois caia as mesmas coisas do outro ano, o conteúdo as minhas irmãs me ajudaram, explicaram por isso aprendi, nunca repeti de ano por causa da PP, não fosse ela podia ter rodado dois anos.

A máscara da promoção sem qualificação fica expressa no relato da aluna que também ilustra a reprodução de conteúdos inertes ano após ano, meramente utilitarista e tecnicizante. Também o conformismo e a falta de conscientização acerca da importância do “aprender” que fica ocultado na conquista da promoção para o ano seguinte

Fiquei na 6ª em progressão em matemática, já terminei no primeiro semestre, foi bom mas desvia demais do conteúdo da 7ª, tem que tá fazendo coisas da série anterior, buscar em caderno do ano passado, quando tinha que tá fazendo da 7ª. A profe me explicou o que não tinha entendido e consegui fazer o trabalho. É bom, mas tem colegas que pegam e não precisam fazer nada, tem profe que só manda participar da aula e diz que os trabalhos deste ano vão valer pela PP do ano passado, vale para nota da PP, faz um e vale por dois, o que não aprendeu no ano passado não aprende mais, isso também não ta certo.

Este aluno levanta uma questão importante de ser refletida, a necessidade de haver unidade de ação entre os professores. Visto que a orientação para implementar a PP é a mesma, está no Regimento e é operacionalizada nos planos de estudos. Porém, apesar das orientações, cada professor faz do seu jeito, pois as condições de trabalho do professor na escola e a carga horária não permite um trabalho de reflexão coletiva.

Aluna C da 6ª série:

A profe dava duas folhas, entregava uma depois a outra, só que a ultima passou um mês e eu não entreguei só que a profe aceitou, acho que não podia. Acho que a profe devia ter cobrado mesmo que eu rodasse, pois isso vai acontecer com outro aluno.Só aprendi os números até 1000 em inglês porque treinei muito para a prova desse ano, esse conteúdo também tinha o ano passado.A PP é uma chance a mais , porque a gente reprova sem querer e pelo menos tem PP para passar. Quero dizer que tem aluno que estuda e se esforça e roda igual porque tem umas profe que implicam as vezes com os colegas que não fazem nada e elas mandam pra Dire. Uma vez uma profe disse: tu quer guerra vai ter guerra! Assim a profe pode prejudicar um aluno.

Todas as manifestações dos alunos acabam concordando com as que foram manifestadas anteriormente pelos professores. Também eles têm uma noção de que essa proposta poderia ser implementada de forma diferente, de forma a dar significado ao que a escola pretende construir/produzir como aprendizagem.

Esta realidade não é exclusividade da escola que escolho para cenário dessa análise, mas retrata a realidade de outros estabelecimentos de ensino, principalmente quando se trata da escola pública pertencente à rede estadual de ensino. Talvez pela carência de recursos humanos e financeiros que as instituições públicas sofrem.

Também pode ser destacado o descaso com que alguns professores tratam deste momento que deveria ser de aprendizagem e que na realidade é somente um repasse de atividades, trabalhos e provas, isso quando não é somente um faz-de-conta para depois preencher o relatório de atividades realizadas e resultados alcançados, os quais nem sempre

aparecem, visto que, se restringe a nota mínima para aprovação, como pode ser constatado nos documentos (ANEXO B), que são entregues na coordenação pedagógica.

Ao ouvir os alunos, presenciei algumas denúncias muito importantes, porém delicadas de serem abordadas no grupo de professores. A partir daí, comecei a entender melhor a resistência que os professores têm em realizar os conselhos de classe com a presença de alunos, momento em que frente a frente ambos podem refletir sobre a caminhada pedagógica. Através destas falas percebo o quanto os alunos ainda têm receio das reações do professor frente a críticas que deveriam ser aceitas como acervo construtivo. No entanto, entendo o silêncio dos alunos, os quais até então denominava de passivos, pois a cada conselho entrava com a expectativa que iriam reivindicar por aulas mais dinâmicas e posturas mais comprometidas, esperava que não ficassem ouvindo inertes os professores lhes chamando de acomodados, preguiçosos, que não aprendem porque não estudam. Como se manifestar sabendo que tem professores que “marcam” e prejudicam os mesmos em função disto?

Confesso que apesar de ver e viver essa realidade, o desenvolvimento desta pesquisa me fez perceber o nível de silenciamento a que os alunos estão submetidos. Eles não são protagonistas no palco da escola, são mero coadjuvantes e pouco interferem na cena pedagógica. Quando ouvi os alunos durante as entrevistas, me senti impotente em meio a um grupo de professores onde poucos se destacam pelo comprometimento, e que a maioria, em meio a um ciclo de vitimização, acaba fazendo alunos vítimas de um fazer inconseqüente. Não se trata de fazer denúncias e críticas ao trabalho docente, mas de analisar dados que foram apontados pelos alunos. Neste ciclo em busca de culpados, os professores se colocam sempre do lado de fora, enquanto que o aluno humildemente admite suas limitações, assume suas culpas e aponta seus erros. Já, o professor, somente responsabiliza o aluno, a família, a sociedade pelo insucesso do aprender na escola e pelos índices que apontam o aproveitamento negativo.

Quando a aluna B diz que rodou porque fazia bagunça e sentava com as amigas para conversar, ela está inocentemente reproduzindo o que ouve dos professores na sala de aula, e também manifestando o que sua baixa auto-estima lhe faz acreditar. Não é capaz de refletir sobre o fato de que se a aula fosse instigante, interessante, dinâmica não surgiria o desejo de fazer bagunça, pois, sua atenção estaria voltada para o conteúdo que o professor

estaria apresentando. Porém, o professor tem condições e conhecimento para fazer essa análise das reações do aluno durante a aula, ele pode sim questionar sua metodologia, rever os objetivos e utilizar da flexibilidade que o planejamento oferece. Com estas constatações surge mais um questionamento: até que ponto estamos respeitando as expectativas que o aluno traz consigo quando vem para a escola?

Embora os professores por vezes caracterizem os alunos como sendo desinteressados, suas falas trazem outra justificativa para a aprendizagem escolar. Nota-se uma relação um pouco difusa, uma vez que, na fala dos alunos sente-se um querer mais, há a expectativa de pertinência em relação ao estudo, uma idealização do que a escola possa oferecer. Ainda é muito presente a certeza de que a qualificação, oriunda da escolarização vai lhes garantir ingressar no mercado de trabalho e ter um futuro melhor, crença esta que vem compartilhada com a família. Ilustro com a fala de um pai presente no dia marcado para dialogar com os professores (DIÁRIO DE CAMPO, 2007, outubro): “Não entendo porque ela (filha) não estuda, é o único trabalho que tem para fazer, já disse que se quiser ter um bom emprego e um futuro melhor que o meu e da mãe dela precisa estudar, nós não tivemos esta oportunidade, por isso a gente se sacrifica tanto e ganha pouco”.

Outro fator relevante é que, segundo os alunos, quando o professor explica lhes dá atenção, demonstra carinho e interesse por ele enquanto único na sala de aula, a aprendizagem acontece de maneira mais fácil. É conflitante ouvir da aluna B que aprendeu com a explicação das suas irmãs e não com uma professora, não que a aprendizagem não possa acontecer na interação com os colegas, mas em se tratando de um conteúdo em que apresentou dificuldade em aula e reprovou, o primeiro a ter interesse em auxiliar o aluno deveria ser o professor. Também quanto a resolver a não aprendizagem do ano anterior, há um desleixo visível quando o aluno C diz que tem professor que faz valer os trabalhos do ano em curso para a nota da PP, e o que ele não aprendeu no ano anterior? E se for um conteúdo básico para novas aprendizagens como é o caso dos conteúdos trabalhados em matemática, por exemplo. Percebo também, no teor das entrevistas, que há um distanciamento efetivo entre professores e alunos. Existe apenas uma relação formal de trabalho, sem laços de emoção.

Tal fato me faz lembrar Maturana (2005, p. 92) quando diz que “nada fazemos que não esteja definido como uma ação de um certo tipo por uma emoção que a torna possível”. Então, ambos, professores e alunos para agirem frente ao que é proposto na aula devem

mover-se para tal, impulsionados por alguma emoção, é a emoção que dá significação para a ação. E ele diz mais:

Se queremos entender as ações humanas não temos que observar o movimento ou o ato como uma operação particular, mas a emoção que possibilita.Um choque entre duas pessoas será vivido como agressão ou acidente, dependendo da emoção na qual se encontram os participantes.não é o encontro que define o que ocorre, mas a emoção que o constitui como um ato (MATURANA, 2005, p. 92).

Na verdade, é possível perceber que os alunos admiram o professor que desempenha seu papel enquanto profissional comprometido com a aprendizagem e o desenvolvimento integral do aluno. O que o aluno espera encontrar num professor é um profissional com otimismo, que demonstre amor pelo que faz, que tenha sensibilidade, que não tenha preguiça de explicar quantas vezes for necessário e das mais variadas maneiras, que atenciosamente pergunte se ele está entendendo, que como dizem nos conselhos de classe, façam aulas diferentes [...]. Que as mais variadas emoções permeiem as ações na sala de aula... “Permito-me sonhar” [...]..