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A Educação Física em Portugal no período de 1910 a 1940

2.3. O Nascimento da Educação Física

2.3.2. A Educação Física em Portugal

2.3.2.2 A Educação Física em Portugal no período de 1910 a 1940

Em 1910, é derrubada a monarquia e instituída a República. Portugal, até 1926, vive um período de enorme turbulência política. Reis (1994, citado por Pereira, 2001) refere que houve 45 governos, 7 eleições legislativas e que apenas um mandato presidencial chegou ao seu término.

A nível europeu, a 1ª metade do século ficou assinalada pelo nascimento de duas Grandes Guerras Mundiais – a 1ª entre 1914/1918 e a 2ª entre 1939/1945 – e a imposição de várias ditaduras.

Todas estas alterações de poder necessitaram do auxílio do sistema militar. A aliança entre a componente política e a componente militar acabou por inscrever caraterísticas militaristas em diversas áreas da sociedade.

A educação e, particularmente, a educação física evidenciaram de uma forma elucidativa, essa associação forçada. O nascimento de inúmeras escolas de educação física sob a alçada do exército era disso exemplo: em 1919 o Ministério da Guerra obteve a aprovação para a criação de uma escola de Educação Física; em 1922 entra em funcionamento a escola de esgrima do exército, transformada, posteriormente, em Escola de Educação Física; em 1925 é inaugurada a Escola de Educação Física da Armada (Crespo, 1982).

O sistema militar, visando dotar os formandos de aptidões que lhes possibilitassem aguentar as condições extremas em contexto de guerra, exalta caraterísticas volitivas e físicas. O corpo é treinado para aumentar a sua força muscular, a sua capacidade de resistência e as qualidades anímicas.

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A educação física, influenciada por esta conjetura militar, perspetiva o corpo segundos os princípios cartesianos: é a componente física, desligada da componente intelectual, que passa a ser contemplada nos exercícios. O corpo continua a ser concebido segundo um objeto mecânico, pronto para obedecer. Como refere Rosário (1976), pretendia-se que a Educação Física e a educação pré-militar constituíssem um todo, onde uma visão pretoriana olhasse com superioridade os objetivos mais nobres da educação física.

Na área educativa, a instauração da República, de acordo com Cabral (1973), conduziu a um desenvolvimento crescente que culmina com a reforma do Ensino Primário e Normal: os três graus de ensino primário contemplam o ensino da educação física, mas a falta de professores, a falta de um método com princípio, meio e fim e a ignorância geral sobre o assunto obstam a que a lei marque uma orientação para a educação física; observa-se, igualmente, uma tendência para que esta viesse a constituir parte da instrução militar preparatória.

O método de Ling é aceite como base geral, mas há uma diversidade significativa na sua interpretação, o que acaba por definir, segundo Cabral (1973) 3 correntes fundamentais: Corrente médico-pedagógica; Ginástica de Formação (pedagógica) e Ginástica Militar (aplicação). Estas correntes vão dirimir argumentos, tendo em vista fazer vincar os seus pontos de vista e acabam por balizar a conceção de educação física em Portugal nas décadas seguintes.

Em 1920, como refere Crespo (1982), com o objetivo de melhorar a formação de professores e de definir o 1º programa escolar da disciplina, é aprovado o Regulamento Oficial de Educação Física. Este Regulamento representa um marco na História da educação física pois, pela primeira vez, são definidos os objetivos a atingir, os exercícios a lecionar, os métodos de ensino a utilizar e os livros de referência.

Da comissão responsável pela elaboração do Regulamento faziam parte, para além do Ministério da Instrução, o Ministério da Guerra e da Marinha. As caraterísticas desta comissão são elucidativas das influências que a educação física, da altura, sofria e permite, também, compreender a forte filosofia militarista que o Regulamento continha. Crespo (1982) refere que o método eleito foi o sueco e que se devia observar um estreito respeito pelos seus princípios.

Em 1923 é apresentada à Câmara dos Deputados uma Proposta de Lei sobre a reorganização da educação nacional, da autoria do Ministro da Instrução, João José da Conceição Camoesas. Para Casulo (2009), o Projeto Camoesas não singrou devido à queda do governo, mas ficou na História por ter sido a 1ª tentativa de sistematização de uma

31 lei de bases da educação portuguesa. Da leitura do seu preâmbulo, citado por Crespo (1982), constata-se preocupações com a formação de professores, mas subordinada a uma conceção dualista do corpo: nos pontos 1 e 2 distingue, claramente, cultura física e intelectual. Organiza o dia-a-dia do aluno na escola, em função desta conceção ao reservar, citado por Rosário (1996), para a manhã os trabalhos de caráter intelectual e para a tarde a cultura física e social; contempla a formação dos professores de educação física, mas com a obrigatoriedade de estarem habilitados com o curso de Medicina, o que vinca a ideia da época da subordinação da educação física a uma medicina positivista analítica.

Neste período, e como refere Estrela (1972), acentua-se a guerra entre os defensores da corrente médico-pedagógica, de cariz respiratório e os defensores da ginástica de formação (pedagógica). Os representantes da 1ª corrente ganham vantagem, também pelo facto de ocuparem algumas posições políticas de relevo, ao verem aprovado, em 1932, um novo Regulamento de Educação Física para os Liceus.

Este Regulamento, também conhecido por Método Oficial Português, entra em vigor através do Decreto 21: 110, de 16 abril de 1932. Segundo Cabral (1973), tinha poucos defensores para além da classe médica e da Igreja. Da sua leitura depreende-se, uma forte conceção racionalista-cartesiana-positivista-médico analista:

a) É verdade que no capítulo da Introdução, o Regulamento da Educação Física alerta para a necessidade do professor evitar, a ideia errónea, de contemplar o músculo como 1º e melhor fator. Este alerta pode fazer crer que o exercício em educação física em vez de se dirigir especificamente ao músculo, deveria ter incidência no corpo todo, criticando-se, assim, a conceção dualista de Descartes. Tal facto não é, no entanto, verdade. Todo o Regulamento evidencia uma vincada apologia cartesiana. O corpo é entendido não como uma unidade, mas como um composto – corpo e alma -. Daqui deriva a defesa da existência de uma educação intelectual e de uma educação física. A frase de Ling “ o corpo é um instrumento da alma” é referida várias vezes e, segundo o Regulamento, deve resumir todo o espírito da educação física moderna. Os métodos de ginástica, baseados no movimento, não podem atingir a formação integral do homem, visto que, as faculdades superiores do espírito escapam a este processo exógeno.

b) O método de educação física deve assentar num conhecimento anátomo- fisiológico muito rigoroso e a educação da respiração é o 1º dos seus fundamentos. Deste modo, é defendido que o professor não desempenhará bem o seu papel, se não souber interpretar o lado mecânico e fisiológico dos movimentos. Esta ideia vai ao encontro da conceção positivista, que caraterizava a medicina da época. Assim,

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não é de estranhar que o método de Ling, que preenchia todos estes requisitos, seja considerado o único, verdadeiro e incontestável.

c) Na página 636 deste Decreto é defendida a importância de não sujeitar o aluno a copiar servilmente toda a imitação exterior, já que lhe retira toda a iniciativa e independência do espírito. Mas, constata-se, nas restantes páginas do documento, a defesa de uma filosofia em que é proposto exatamente o contrário. Assegurar que a finalidade de determinado exercício é atingida, constitui uma das preocupações do Regulamento. É por isso que se privilegia o exercício analítico em detrimento do exercício sintético. Aliás, o professor nunca deve consentir que os alunos executem os exercícios, no início da aula, à vontade, visto que falsearia as condições em que deve ser executado o movimento analítico. A obsessão pelo controlo leva a estipular um conjunto de vozes de comando, que definem o início, mudança de posição e fim do exercício: inspirar, flexão de cabeça, expirar, pausa; inspirar, posição, expirar, rotação à esquerda, pausa. São, igualmente, definidos um conjunto de progressões, que devem ser rigorosamente cumpridas, proibindo, inclusive, a passagem para a seguinte, sem que a anterior tenha sido executada com todo o rigor e perfeição. A marcha é decomposta até ao mais ínfimo pormenor, chegando-se ao ponto de determinar a distância (75 cm) entre o ponto de partida e a posição em que o pé repousa no solo pela ponta.

d) Proíbe todos os desportos e jogos desportivos, por os considerar a antítese de toda a educação. O movimento desportivo mais intenso, que neste Regulamento é reduzido a um movimento essencialmente muscular, deve ser evitado pois o seu valor educativo é nulo. O Dr. Weiss de Oliveira, personalidade paradigmática da corrente médico-pedagógica, defendia, de acordo com Crespo (1982), que toda a ginástica que visa só os músculos, diminui a vida; toda a ginástica que não localize os movimentos, não é educativa; toda a ginástica de que se sai fatigado, é uma sessão mal aplicada; o homem é um animal bípede que marcha e só, excecionalmente, corre. É, pois, evitando causar cansaço muscular, que poderia por em causa o desempenho intelectual, que se alerta o professor de educação física, no sentido de evitar o músculo como 1º e melhor fator. Não era a preocupação com a unidade do ser humano que estava em causa, mas sim, alertar para os perigos do desporto anglo-saxónico de que o futebol e o Râguebi são exemplo.

Estamos, pois, perante a guerra dos métodos, entre o movimento ginástico e o movimento desportivo, e que se abordou anteriormente. Crespo (1982), à semelhança de Sobral (1976), refere que as ideias puritanas do novo sistema político, resultante do

33 golpe de estado de 1926, traduzem-se numa oposição à prática desportiva, porque se sente a necessidade de disciplinar a juventude. Ora, o exercício gímnico, ao contrário do desporto, como já se viu, permite um controle, uma mecanização, que se traduz na formação de um corpo obediente e dócil.

É, pois, segundo Rosário (1996), para moldar a juventude e perpetuar a ideologia que suportava o Estado Novo, nascido a partir da revolução de 1926, que é criada a Mocidade Portuguesa. Esta organização legalmente instituída através do Decreto-Lei nº 26611, de 19 de Maio de 1936, abrangia toda a juventude escolar ou não e destinava-se a estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção à pátria, no sentimento da ordem, o gosto pela disciplina e o culto do dever militar.

O Estado dotou-a de uma hegemonia absoluta na sua área, já que lhe competia aprovar os estatutos de todas as organizações que tinham por objetivo a educação física, cívica e moral.

O 1º Boletim da Mocidade Portuguesa, citado por Rosário (1996, p.139), editado em 1937, e onde são transmitidas as «Instruções de ginástica» revela bem a ideologia pretendida para a educação física: “A educação física é uma parte da educação geral, que tem em vista favorecer o desenvolvimento harmónico do individuo, servindo-se, como meios que lhe são próprios, dos exercícios físicos, metódica e racionalmente praticados de acordo com as práticas higiénicas fundamentais, contribuindo assim para o progresso e defesa da nação. A educação pré-militar é uma educação que engloba e funde a educação física e patriótica e tem por fim facilitar e tornar mais eficiente a instrução militar dada nas fileiras do Exército e da Armada”. O professor de educação física não era encarado, de acordo com Rosário (1996), como um educador, mas sim como um condutor de homens, um chefe.

Com a criação da Mocidade Portuguesa, de acordo com Cabral (1973) a corrente de Ginástica Militar obteve uma natural vantagem e, desta maneira, passa a influenciar, decisivamente, a escola.

É, por isso, que quando o Instituto Nacional de Educação Física (INEF) nasce em 1940, fá-lo sob uma forte influência militar, apesar do seu primeiro diretor ter sido um médico. Segundo Rosário (1996), foi determinante um estudo elaborado pela Comissão Superior de Educação Física do Exército, em 1935, no qual se defendia que a Escola de Educação Física do Exército deveria dar lugar a uma onde se formassem professores de educação física.

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A criação da Mocidade Portuguesa e do INEF integrava-se numa ideologia do Estado Novo que, segundo Maia e Ferreira (s.d.), estava preocupada com a disciplina e o desenvolvimento físico da juventude portuguesa. Assim, não é de estranhar que o Decreto-Lei 30:279, que regulamenta a criação do INEF, que permanece à margem da Universidade, estipule como objetivo primordial, o revigoramento físico da população portuguesa, mediante o estudo científico do problema e estabeleça como método primordial a ginástica de Ling. É também proposto uma efetiva cooperação entre o INEF e a Mocidade Portuguesa.