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2.4. O Contributo de António Damásio Para a Compreensão da Problemática

2.4.1. A Mente e a Relação Corpo – Cérebro

Para Damásio (1994, 2000, 2004, 2010) sempre que o nosso organismo sofre alterações, seja por estímulo interno, seja por estímulo externo, o cérebro recebe sinais por via neural e química. Estes sinais vão criar padrões neurais (imagens) que imitam as alterações que o organismo sofreu. É desta forma que o cérebro cria mapas do estado do corpo. Damásio (2010) esclarece que a criação de padrões neurais resulta de circuitos (conjunto) neurais (neurónios) recrutados pela interação. Quando a atividade de pequenos circuitos se organiza em grandes redes de complexidade muito elevada, Damásio (2010) considera que estão reunidas as condições para o aparecimento da mente.

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Com o objetivo de esclarecer a sua conceção de mente, Damásio (2010) estabelece, de uma forma muito pertinente, uma analogia com o movimento humano: sempre que uma célula muscular microscópica se contrai, o resultado é insignificante, mas quando um número elevado de células musculares se contraem, constata-se um movimento visível. O mesmo se passa com a mente. Ela resulta da atividade sincrónica de vários circuitos neurais. A mente, para Damásio (2010), não é uma estrutura ou entidade alojada numa determinada parte do cérebro, mas sim um nível superior de processamento de informação.

Quando o corpo humano perceciona um objeto como uma bola, um livro, uma dor ou uma alegria, sofre alterações. O cérebro, no sentido de estar constantemente informado do estado do corpo, constrói mapas neurais das alterações corporais sofridas. Estes mapas vão entrar num processo, num processamento, a que habitualmente chamamos mente. O modo como se passa dos mapas neurais a nível cerebral, para um nível superior de processamento de informação como a mente, não é conhecido, mas o que é inequívoco é que a mente resulta da atividade cerebral. Damásio (2004, p.163) di-lo de uma forma bem mais assertiva quando afirma que “ os fenómenos mentais foram revelados como dependendo estreitamente do funcionamento de uma enorme variedade de circuitos cerebrais…”.

Mas se a mente depende do funcionamento do cérebro, este existe, como já vimos, para cuidar do corpo. Aliás, os mapas neurais, são imitações (imagens) das alterações do corpo. Daí que Damásio (2004) diga que a mente emerge num cérebro que está situado dentro de um corpo propriamente-dito.

O corpo-cérebro-mente formam, então, um e só um organismo e são indissociáveis no funcionamento do mesmo.

Com o objetivo de esclarecer a unidade do corpo humano, Damásio (1994, 200, 2004, 2010) elenca um conjunto de razões que comprovam como o corpo, o cérebro e a mente, mais do que estarem em estreita comunicação, estão fundidos:

a) O mapeamento que o cérebro constrói depende sempre de alterações físicas do corpo. Em momento algum o cérebro recebe informações diretas do mundo exterior. Consideremos, a título de exemplo do que se passa com os outros órgãos sensoriais, o caso do tato: quando o corpo contacta com uma bola ou quando folheia um livro, Damásio (2004, 2010) considera que o contacto mecânico de um objeto com a pele vai alterar a atividade das terminações nervosas. Ocorrem, então, um conjunto de alterações físicas no corpo, que vão ser encaminhadas para o cérebro por via neural ou sanguínea. É a partir destas alterações físicas do corpo que o

59 cérebro constrói os mapas neurais. A mente ao processar, por sua vez esses mapas num nível superior vai ter acesso a informações do mundo exterior. Em caso algum, o cérebro e a mente recebem informações diretas do mundo exterior. Recebem, isso sim, informações do próprio organismo. É o corpo, através de modificações físicas, que informa o cérebro do que se passa no seu interior ou no exterior (se está calor, se está nevoeiro, se é noite, etc.). Daí que Damásio (2010) afirme que a mente conhece o mundo exterior através do cérebro e que este é informado através do corpo.

b) Para Damásio (2004, 2010) quando o cérebro/mente mapeia, não faz distinções: quer se trate de um órgão interno ou de um objeto exterior ao corpo são entendidos (processados) como objetos. Tal facto justifica-se porque o cérebro/mente não mapeia, como já vimos, diretamente os objetos exteriores, como por exemplo uma cadeira, mas sim as alterações físicas ao nível do sistema visual, do tato (caso haja contacto) e/ou do auditivo (caso alguém arraste uma cadeira). Contudo, segundo Damásio (2010), há uma diferença muito significativa quando o cérebro/mente faz mapas do próprio corpo: quando mapeia uma bola ou um livro, estes objetos continuam a existir fora do corpo, o cérebro/mente só interage indiretamente com eles, mas quando mapeia um órgão interno, ele permanece no organismo, o que possibilita uma interação direta. O órgão influencia o cérebro/mente e o cérebro/mente influencia o órgão. Damásio (2010) chama a esta interação permanente arco ressonante e considera que, além de se tratar de uma situação sem paralelo, é comparável a uma fusão corpo-cérebro/mente.

c) A asomatognosia é uma patologia do sistema nervoso central, que evidencia, de uma forma muito explícita, como o cérebro e a mente estão dependentes das informações do corpo. Esta alteração neurológica, segundo Fonseca e Mendes (1988), consiste na incapacidade de distinguir partes do corpo em consequência da perda de integração de sensações e perceções. Na “linguagem” de Damásio diríamos que o cérebro e a mente deixaram de fazer o mapeamento das alterações do corpo. Por outras palavras, diríamos, ainda, que as informações acerca das modificações do corpo chegam ao cérebro, mas, por várias razões, nomeadamente alterações morfológicas, não são processadas. Damásio (2004) considera que quando a perda de perceção do corpo é extensa, tem como consequência uma significativa perturbação mental. Este facto não nos deve surpreender pois temos constatado que o cérebro e a mente estão dependentes das informações que chegam do corpo para construir imagens dos objetos. Ao quebrar-se essa

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comunicação está, de acordo com Damásio (2004), a retirar-se o chão (corpo) em que a mente caminha.

Para Damásio (1994, 2010) a mente trouxe ao corpo humano várias vantagens: a partir do momento em que surgiu, o mapeamento que o cérebro faz das alterações do corpo, passaram a ser processados num nível superior; na prática significou, de acordo com Damásio (1994, 2004, 2010), que a integração das informações provenientes dos vários órgãos dos sentidos possibilitou caraterizar mais fielmente os objetos mapeados; verificava- se, então, uma melhor apreciação das circunstâncias internas e externas; como os objetos eram percebidos com maior rigor, era possível situá-los, também, com maior precisão no espaço, o que facilitava o sucesso da ação motora; como as imagens mentais são memorizadas passou a ser possível não só planear com antecedência ações futuras, como também a integrar imagens provenientes da perceção atual com imagens da memória; esta abundante manipulação de imagens possibilitou encontrar respostas para os diferentes tipos de problemas, o que conduziu à criatividade em geral.