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As Emoções e os Sentimentos e a Relação Corpo-Cérebro-Mente

2.4. O Contributo de António Damásio Para a Compreensão da Problemática

2.4.2. As Emoções e os Sentimentos e a Relação Corpo-Cérebro-Mente

No decorrer de uma aula de educação física é relativamente fácil constatarmos se os alunos exteriorizam alegria, tristeza, enfado ou mesmo repulsa. Pode, até, ser a primeira vez que estamos perante aquela turma mas, a forma como posicionam o corpo, como se aplicam nos exercícios, transmite-nos um conjunto de informações, que nos levam a interpretar a forma como os alunos estão a sentir o exercício. Estas manifestações físicas, segundo Damásio (1994, 2000, 2004, 2010), são emoções. Representam ações, ou seja, alterações corporais, umas visíveis, como a expressão do rosto e as mudanças na posição do corpo, outras não, como as mudanças no interior do organismo.

O processo de produção de emoção, de acordo com Damásio (1994, 2000, 2004, 2010) segue os seguintes passos: um objeto ou acontecimento, na sua interação com o corpo, vai provocar neste alterações neurais ou químicas; estas alterações, ao serem comunicadas ao cérebro e posteriormente à mente, vão desencadear a produção de imagens (imitações) das alterações do corpo; as imagens produzidas são disponibilizadas a locais habilitados a desencadear emoções; um exemplo de um local habilitado é a amígdala numa situação de medo; os núcleos da amígdala enviam ordens para o hipotálamo e para o tronco cerebral e como consequência, há, entre outras, alteração do ritmo cardíaco, da tensão arterial, do

61 ritmo respiratório, contração dos intestinos e os músculos da face ficam contraídos. Estas emoções – alterações corporais – vão ser compreendidas pelo cérebro e pela mente através de imagens.

Às perceções do que acontece no nosso corpo durante as emoções, ao mapeamento de que eu estou a corar, ou de que estou triste, Damásio (1994, 2000, 2004, 2010) chama sentimentos.

Damásio (2010) é muito claro na distinção entre emoções e sentimentos: os primeiros designam ações, ou conjunto de ações despoletadas pela mente mas que se passam no corpo propriamente dito: são contrações musculares, são reações endócrinas, são alterações do batimento do coração, etc., e os segundos são perceções, são experiências mentais do que passa no corpo. Os primeiros podem ver-se, no caso da alteração da pele, os segundos são do domínio privado.

No entanto, o que também é claro é que, à semelhança do aparecimento do cérebro e da mente, só é possível ao ser humano experimentar emoções e sentimentos, porque corpo, cérebro e mente interagem constantemente num e só num organismo.

É certo que Damásio (2010) considera que na produção de sentimentos, pode haver três causas: a primeira, que foi a que abordamos inicialmente, consiste na perceção das modificações do corpo ao experimentar uma emoção; a segunda consiste, como lhe chama Damásio, num truque: o cérebro ordena às zonas que criam mapas, que adotem um padrão semelhante ao que faziam se corpo estivesse a ser alterado por uma emoção. Este facto é vantajoso porque, segundo Damásio (2010) possibilita uma economia de tempo e de energia significativa. A terceira forma de criar um sentimento consiste na alteração da comunicação entre o corpo e o cérebro/mente através da ingestão de medicamentos ou álcool (alucinação do corpo).

Ao estipular três causas, especialmente com as duas últimas, para a origem dos sentimentos, Damásio (2010), pode suscitar, sem intenção, um entendimento de que aqueles podem ser experimentados sem a necessária colaboração do corpo. Este facto poderia originar, como consequência, uma independência da mente que, se generalizada a outras funções, podia estabelecer um novo dualismo.

Pensamos, contudo, que não é correto deduzir esta independência: a primeira causa do sentimento é para nós clara. A perceção da alteração corporal (emoção) é que vai constituir o sentimento. Só o facto de Damásio (2010) considerar que esses sentimentos exigem a participação do «arco corporal», revela bem a conceção de unidade do corpo humano. A segunda causa pode indiciar, de facto, que o cérebro prescinde do corpo ao ordenar, de

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forma independente, a produção de mapas, como se o corpo estivesse a experimentar um estado emocional. Repare-se que para Damásio (2010), o cérebro preocupado com a poupança de tempo e de energia, procura fazer crer em determinadas estruturas que o corpo está a experimentar uma emoção. Em momento algum o cérebro procura criar um sentimento a partir de outro padrão. Procura, isso sim, criá-lo a partir de uma imitação do corpo: de uma memória da sua relação com o corpo. Esta imitação que Damásio (2010) chama «como se», por ser uma imitação não pode transmitir as mesmas sensações do «arco corporal», logo não pode competir com os padrões em curso, como os padrões genuínos, ou seja os padrões corporais. Este facto mostra-nos que a emoção e o sentimento dizem respeito ao corpo/cérebro/mente, por outras palavras à unidade do organismo.

A 3ª causa da origem dos sentimentos evidencia que a ingestão de medicamentos altera a comunicação corpo/cérebro/mente. Também em momento algum, Damásio (2010) defende a independência do cérebro/mente relativamente ao corpo. Constata, apenas, que é possível enganar o cérebro/mente, fazendo-lhes crer que o corpo está a experimentar determinadas emoções.

Resumindo, para Damásio (2010) o ciclo emoção-sentimento começa no cérebro/mente com a perceção de um estímulo causador de uma emoção. É desencadeada a emoção propriamente dita, que se dissemina pelo cérebro e pelo corpo e regressa ao cérebro/mente para experimentar o sentimento.

Para Damásio (2004) só temos emoções e sentimentos porque o organismo humano criou mapas cerebrais capazes de imitar um corpo. Por outras palavras só temos emoções e sentimentos porque há um cérebro e uma mente que interagem com o corpo.

Foi nossa preocupação, neste subcapítulo, refletir se a unidade corpo/cérebro/ mente também está presente na criação de emoções e de sentimentos. Contudo, é lícito perguntar, qual a vantagem para o organismo humano ter emoções e sentimentos. Damásio (1994, 2000, 204, 2010) argumenta que o nosso organismo, a partir do momento em que passou a ter emoções e sentimentos, passou a hierarquizar a profusão de mapas neurais que o cérebro e a mente criam. Ou seja, perante um objeto ou um acontecimento, Damásio (2004) defende que as emoções e os sentimentos informam o cérebro se estamos perante um objeto perigoso ou benéfico para o próprio organismo: diante de um leão experimentamos medo e no nosso corpo é desencadeado um conjunto de reações que favorecem a fuga. Diante de um bolo experimentamos uma sensação de alegria e de bem-estar. À semelhança do cérebro e da mente, o aparecimento das emoções e dos sentimentos capacitaram o

63 nosso organismo para gerir melhor o próprio corpo. E isso só é possível se o organismo agir como uma unidade.