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As entrevistas decorreram entre Março de 2014 e Janeiro de 2015 – respetivamente, nas instalações do Hotel Holiday Inn Lisbon, nas instalações da Fundação Champalimaud, Consultório privado de Luís Coelho e nas Instalações da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Foram gravadas através do Diactate, um software específico para Ipad. Posteriormente foram transcritas na íntegra, podendo realizar-se o tratamento das mesmas baseada na Etnometodologia – métodos mais compreensivos do que descritivos ou quantitativos, e relacionando as opiniões entre si e com o conhecimento expresso na Revisão da Literatura.

Todos os entrevistados foram informados do objetivo da entrevista e do estudo e concordaram que a mesma fosse gravada e que o seu nome fosse identificado.

O professor Vítor Frade sugeriu a leitura e revisão da entrevista dada. Deste modo a entrevista que consta em anexo não coincide inteiramente com a gravação áudio.

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4 - Discussão dos Resultados

Podermos partir para onde quisermos, continua a ser o gesto protótipo da liberdade, tal como a restrição da liberdade dos movimentos é desde tempos imemoriais a condição prévia da escravização (Hannah Arendt, 1991)

Para Rui Costa (anexo 2), todos nós aprendemos com uma conceção de corpo. Ela é interiorizada através da relação que estabelecemos com o contexto com o qual interagimos: a família, os amigos, a escola, a televisão e a sociedade em geral. É importante notar, como refere Kuhn (2006), que o facto de se trabalhar segundo uma determinada conceção, não significa que se esteja consciente do Paradigma que o justifica. Por paradigma, Kuhn (2006, p.13) entende “as realizações científicas universalmente reconhecidas que durante algum tempo fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”, contudo, a sua existência não implica um qualquer conjunto completo de regras. Deste modo, é, pois, perfeitamente possível que um professor de educação física tenha, por exemplo, uma conceção de corpo cartesiana, mas possa não estar consciente desse facto ou não a respeite na íntegra.

Dos 4 entrevistados, Manuel Sérgio (anexo 1), Rui Costa (anexo 2), Luís Coelho (anexo 3) e Vítor Frade (anexo 4), todos rejeitam uma conceção dualista do corpo. Este entendimento que, devido a Descartes, ficou conhecido como dualismo de substância, para Damásio (2003) há muito que deixou de ser a perspetiva corrente tanto na ciência como na filosofia. Descartes ao considerar a alma (mente) imortal e duma natureza distinta da corporal retirou-lhe, segundo Damásio (2003), qualquer propriedade física o que limitou a possibilidade de contacto mente/corpo. Com o avanço no conhecimento neurocientífico, esta conceção de corpo viu as suas premissas limitadas e a maioria dos cientistas, de acordo com Damásio (2003), abandonou esta hipótese. Luís Coelho (anexo 3) defende a necessidade de sair da via analítica e passar a ver um corpo como um todo. A defesa de uma conceção de corpo holística é, aliás, comum aos quatro entrevistados. Rui Costa (anexo 2) diz que o cérebro está intimamente corporalizado e daí ser importante vê-lo como um todo. Vítor Frade (anexo 4) fala com admiração de Nélson Mendes, o primeiro professor que lhe transmitiu uma conceção mais integradora de corpo, ao ponto de o considerar o pai primeiro do não dualismo corpo-espírito. Manuel Sérgio (anexo 1) diz que em termos de conceção de corpo tem como referência Maurice Merleau-Ponty e a frase “Eu sou o meu

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corpo”. É neste sentido que Manuel Sérgio (anexo 1) defende a complexidade do ser humano e a impossibilidade de separar o corpo. Damásio (2003), no entanto, alerta-nos que há algo de paradoxal na nossa cultura: se ao nível da investigação de topo o dualismo de substância deixou de ser tido em conta, a maior parte das pessoas continua a identificá-la como a sua favorita. Como exemplo paradigmático, Damásio (1994) apresenta a formação de médicos nos Estados Unidos: as escolas de medicina ignoram a conceção holística de corpo, concentrando-se na fisiologia e na patologia do corpo propriamente dito; a mente, enquanto função do organismo, tem sido completamente ignorada, sendo relegada para o campo da religião e da filosofia; a psicologia só recentemente lhe foi autorizada a entrada na biologia e na medicina; a medicina tem tido dificuldade em perceber que aquilo que as pessoas sentem em relação ao seu bem-estar físico é importante no seu tratamento; a medicina tem uma imagem distorcida do corpo humano e uma necessidade de subespecialização que a tornam inadequada. Atente-se que Damásio, para além de ter uma licenciatura em medicina e um prestígio internacional elevado, está a falar de um dos países mais desenvolvidos do mundo e de um curso que tem investigação de “ponta”. Vítor Frade (anexo 4), refere que durante os 4 anos que estudou medicina o curso foi uma deceção porque o lado dinâmico, o lado interacional, da relação, está ausente, a prancha anatómica é que é; não há fisiologias nem anatomias, há uma fisiologia e uma anatomia. Há pois uma valorização do corpo dualista e estático em detrimento do corpo holístico e do corpo em interação. Se lermos o Atlas de Anatomia Humana - Sobotta (1988) – constatamos que os músculos são estudados individualmente como se pertencessem a um corpo sem vida. No curso de educação física, Vítor Frade (anexo 4), apesar de ter sido influenciado por um ou outro professor com uma visão mais holística do corpo, com particular destaque para Nélson Mendes, considera que a regra geral era que o corpo é corpo e cabeça é cabeça, eram coisas distintas. Luís Coelho (anexo 3) considera que os cursos de saúde querem falar de holisticidade, mas é na teoria, na prática não está bem fundamentada como se deve trabalhar. Deste modo, Luís Coelho (anexo 3) constata que a maioria do trabalho que se faz é um trabalho fragmentado, um trabalho que divide o corpo. Manuel Sérgio (anexo 1) pensa que o ensino ainda é demasiado “intelectualista” e que Descartes e o Positivismo ainda estão vivos porque há muito professor que ensina o cartesianismo. Vítor Frade (anexo 4) enaltece que as faculdades veiculam uma conceção de corpo onde a lógica é primeiro faz bíceps, depois faz tríceps, depois faz cárdio, ora isto é separar o corpo do corpo e o corpo não é nada disto. Esta intelectualização (dualista) do ensino superior, e por reflexo do ensino em geral, é, também, segundo Rosário (1996), fruto de uma visão cultural do Estado Novo que não via com bons olhos que o corpo fosse encarado como um pilar da cultura. Não nos podemos esquecer que os cursos de educação física só integraram o ensino

85 universitário após o 25 abril e o desporto, nesse período de ditadura, era visto como um meio de revigorar a raça, de disciplinar e militarizar a juventude. Esta conceção que vigorou, pelo menos, 48 anos, aliada à tradição cristã e católica que conceptualmente também separa a alma do corpo e um Cartesianismo e Positivismo muito presentes, educaram os portugueses neste dualismo. Isso mesmo nos confirma Vítor Frade (anexo 4) quando questionado sobre a atual conceção de corpo lecionada na Faculdade de Desporto – Universidade do Porto: se nos inícios, ainda no tempo do ISEF-UP, havia uma certa coordenação e colaboração entre as pessoas, nem sequer havia Departamentos, progressivamente deu-se um esfacelamento do conhecimento em função da autonomização dos Gabinetes e a partir de certa altura dos Doutoramentos, que passaram a ser estudos atomizados. Costa (anexo 2), também, vincula o facto de, durante alguns anos, ter negligenciado aspetos do seu corpo a uma carreira de sucesso, à maneira como foi mal- educado. Veja-se a semelhança entre a fragmentação do conhecimento nas faculdades apontadas pelos diferentes entrevistados e a fragmentação do conhecimento e aprofundamento da especialização, atribuída por Iskander e Leal (2002) ao Positivismo (século XVIII). A conceção de corpo na nossa sociedade tem, pois, uma história: Descartes ao separar a alma do corpo e ao considerar o pensamento atributo exclusivo da alma, “lançou” o corpo no domínio dos modelos mecânicos. O Positivismo, preocupado com a objetivação do conhecimento, aplica ao corpo humano, o que considera ser o único saber: o das ciências naturais. Deste modo o número passa a descrever um conjunto de caraterísticas humanas e as qualidades subjetivas dos objetos são desconsideradas relativamente às quantidades. Quando emerge na sociedade uma política mercantilista, cujo interesse está centrado na produção, aproveita-se, como descreve Foucault (1999), desta conceção de corpo maquinal e objetiva e disciplina-o: o movimento humano passa a ser analisado e decomposto ao mais ínfimo pormenor. Tudo com o objetivo de garantir um determinado nível de produtividade. A medicina, também como sugere Foucault (1999), vai adquirir uma importância capital na sociedade porque cuidou da rentabilidade deste corpo. Quando surge a educação física, a conceção de corpo vigente que a origina é Racionalista- cartesiana-positivista-capitalista-médico analista. Daí que não seja de estranhar que os exercícios propostos nas aulas de educação física sejam, como indica Sobral (1976), estereotipados, comandados à voz ou ao tamborim, numa disciplina formal e inflexível. Esta preocupação com a objetividade/resultado favorece o desenvolvimento de um pensamento linear. O contraditório atrapalha a produção. Daí que, para Vítor Frade (anexo 4), as pessoas tenham valorizado muito mais a conceção de fases, de estádios, de esquemas, de artificialismo de Piaget do que a conceção mais complexa de Wallon. Ainda hoje, diz Vítor

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Frade (anexo 4), se fizéssemos um questionário nacional, noventa e nove por cento ia por Piaget.

Estas ações mecânicas, estereotipadas, automatizadas, comandadas à voz do professor tornam o comportamento humano previsível. Han (2014b) chama a estas ações que se submetem ao processo de cálculo, de direção e de controlo, transparentes. Contudo, a caraterística transparência, quando se fala de corpo humano não é algo positivo, bem pelo contrário. Han (2014b) aponta-lhe vários defeitos: o tempo (ou o corpo) transparente é um tempo (corpo) destituído de todo o destino e de todo o acontecimento; as coisas tornam-se transparentes quando se despojam de toda a sua singularidade; esta coação, que é sistémica, torna a sociedade da transparência numa sociedade uniformizada; a sociedade da transparência é, pois, um inferno do igual; só a máquina é transparente. Atente-se nas monumentais paradas gímnicas, onde todos os praticantes faziam exercícios estereotipados. Não, não nos estamos a referir ao valor coreográfico, mas sim a um entendimento maquinal do corpo. Vítor Frade (anexo 4) chama a atenção para o facto de as pessoas ainda pensarem que o nosso corpo é uma máquina e o treino é uma soma (primeiro a resistência aeróbia, depois a velocidade, etc.). Cremos que a educação física cartesiana tem caprichado em dar passos nesse sentido, ao propor exercícios estereotipados, mecânicos e à ordem do professor: 20 minutos de corrida; 20 flexões; 20 abdominais: 20 dorsais; duas filas, a lançar um de cada vez e só quando o professor mandar, acabou a aula. Estes exercícios, no fundo, não fazem mais do que aumentar os reflexos pavlovianos. Han (2014a) diz que esta hiperatividade, seguindo o sabor da estupidez mecânica, transforma-se numa hiperpassividade; copiar é aquela atividade que não deixa ao aluno espaço livre para a iniciativa.

É importante, no entanto, ter em conta que o facto do ser humano ser sensível ao contexto que o rodeia, tem também implícito que as experiências que cada ser humano tem ao longo da vida não são inócuas. Damásio (1994) refere que o perfil das experiências individuais tem uma palavra a dizer nos circuitos neurais. Isto tanto acontece a nível microscópico como a nível macroscópico; a forma do nosso cérebro é, em parte, determinada pelas nossas experiências. Sergio (anexo 1) refere que, para além dos fatores hereditários, o ambiente contribuiu para o que nós somos. Jeannerod (2002, citado por Malabou, 2007) diz que uma sinapse que forma parte de um circuito frequentemente utilizado tende a aumentar a sua permeabilidade e se torna maior e mais eficaz enquanto uma sinapse pouco utilizada se torna menos eficaz. Vítor Frade (anexo 4), interessado em destacar a importância do meio no nosso desenvolvimento, refere um caso exemplar: um estudo feito aos chauffeurs de táxi, de bus e ao condutor de carro em 2006, 2009 e 2013;

87 neste estudo observou-se que os taxistas, pela necessidade de terem presente uma variabilidade de trajetos e de soluções, tinham um hipocampo e um conjunto de neurónios à sua volta hipertrofiados comparativamente aos dos outros condutores; por sua vez, o condutor de carro normal possuía um desenvolvimento superior ao do bus; este, porque no seu quotidiano, está circunscrito a um trajeto definido, mecanizado, automatizado, tinha uma hipotrofia. Então, se numa aula de educação física valorizamos os exercícios mecânicos, automáticos e estereotipados em detrimento de exercícios cuja solução seja mais aberta estamos a inibir o desenvolvimento do hipocampo e dos neurónios adjacentes.

Mas se é importante, em função do que tem sido dito, deixarmos de conceber o corpo humano como uma máquina ou como uma marioneta, é, muito mais, importante percebermos o que é um corpo humano. Qual é a natureza do corpo e quais são as suas potencialidades? É este conhecimento que nos permitirá criar aulas de educação física que potenciem a natureza do ser humano. Vítor Frade (anexo 4) considera que o corpo é uma singularidade. Cada pessoa tem uma forma de estar e de interpretar o mundo. Luís Coelho (anexo 3) afirma que na Reeducação Postural, ao contrário da ergonomia, considera-se que a postura correta não é de forma alguma a mesma para o indivíduo que tem uma excelente flexibilidade, de outro mais retraído. Para Damásio (2010) esta subjetividade emerge na fase do Eu-nuclear, quando a algum conteúdo mental é adicionado um protagonista; isto ocorre quando o Proto-eu é alterado pelo encontro do organismo com um objeto. Ou seja, a forma como o corpo humano se manifesta tem a ver com aspetos idiossincráticos. A partir do momento que se reconhece que cada corpo tem uma subjetividade é fundamental na aprendizagem, como salienta Costa (anexo 2), que o aluno sinta um sentimento de agência, que tenha oportunidade de ser sujeito da ação. É isso que Manuel Sérgio (anexo1) chama à atenção quando define que a Motricidade não é sinónimo de movimento, Motricidade é movimento com intencionalidade. O aluno tem de adicionar a sua subjetividade ao exercício proposto. Luís Coelho (anexo 3) reconhece que regra geral fala-se de coisas genéricas, médias, só se considera os elementos comuns e esquece-se as diferenças individuais, a dialética do corpo, como ele se relaciona nos seus múltiplos ingredientes e também com o meio. Han (2014a) considera indispensável aprender a não reagir de imediato a um impulso; a falta de espiritualidade e de vulgaridade baseia-se na incapacidade de resistir a um impulso, de lhe responder negativamente. Mas isto só é possível de acontecer se a subjetividade dos alunos for respeitada e ele sentir que é sujeito da ação. O contrário do que acontece na educação física cartesiana onde o que interessa é a densidade motora (hiperatividade), os exercícios estereotipados e onde o aluno obedece/reage constantemente às ordens do professor.

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Vítor Frade (anexo 4) considera que a conceção que se tem de corpo tem de reconhecer que a categoria transversal que serve para caraterizar o essencial da existência e funcionamento do corpo tem de ser a Plasticidade. Este conceito, que é um elemento chave na ideia de cérebro de Malabou (2007) apresenta as seguintes caraterísticas: Plasticidade é um conceito integrador das neurociências, que permite conceber o cérebro com uma dinâmica e uma organização original; a sua etimologia designa dois significados fundamentais, a capacidade de receber forma e de dar forma; a compreensão destas caraterísticas é crucial, pois para além de as distinguir da caraterística da flexibilidade (esta só recebe forma, não a inventa) permite compreender o cérebro como uma estrutura não passiva, não rígida e que não se limita ao papel de recetor; ao poder dar forma, o cérebro é um elemento de desobediência de toda a forma constituída, nega-se a ser reduzido a um modelo. Malabou (2007) identifica três Plasticidades: de Desenvolvimento; de Modelação e de Reparação; a de desenvolvimento compreende a noção de que o cérebro ao nascer ainda está longe da sua forma final. O seu peso é um quinto do cérebro adulto e o seu crescimento far-se-á à custa do desenvolvimento de axónios, dendrites, da formação de sinapses e do incremento das bainhas de mielina; este desenvolvimento está condicionado por um determinismo genético, mas só inicialmente, progressivamente o papel do meio torna-se crucial, ao ponto de Malabou (2007) considerar que a identidade de um indivíduo começa-se a desenhar à medida que o determinismo genético perde influência em favor do meio. A Plasticidade de Modelação é para Malabou (2007) um campo de ação onde a criatividade neural, em íntima dependência da experiência individual, mais se faz sentir. Quem formulou inicialmente esta hipótese foi Webb (1949, citado por Malabou, 2007). A sinapse é entendida, segundo Malabou (2007) não só como um espaço de transmissão de informação entre dois neurónios, mas como um local de formação e reformulação de informação; a Plasticidade de Reparação compreende dois processos: a renovação neuronal (neurogénese secundária) e a capacidade que o cérebro tem de compensar lesões. Relativamente à neurogénese secundária, Malabou (2007) salienta a importância que a experiência pessoal tem na renovação e produção de certas populações de neurónios; nesta perspetiva refere uma investigação em que a adaptação do sistema nervoso de pássaros e dos mamíferos adultos não é só dependente de variações das conexões sinápticas, mas também de regiões de neurónios ligadas à aprendizagem e à memória. No que respeita à capacidade de compensar lesões, Malabou (2007) refere que quando um braço fica paralisado, ocorre uma reorganização de toda a função motora no sentido de colmatar a deterioração de determinados circuitos neurais.

Da apresentação das diferentes Plasticidades constata-se que Malabou (2007) considera que o cérebro não é nenhuma estrutura rígida, mecânica, mas pelo contrário está aberta,

89 tem liberdade, para, em função das experiências pessoais, construir uma identidade própria. Só o simples facto de haver, não uma, mas várias Plasticidades de funcionamento cerebral em constante interação, possibilita, segundo Malabou (2007) um futuro tão aberto que contradiz as representações tradicionais que consideram o cérebro mecânico e sem autonomia.

Há, contudo, um aspeto focado por Malabou (2007) que merece uma reflexão mais aprofundada: quando refere que o cérebro não é só recetivo mas também desobediente, criativo, capaz de dar forma, torna-se pertinente perguntar de onde advém esta capacidade inventiva? Malabou (2007) já tinha enaltecido que as sinapses não são meros locais de transmissão de informação, mas sim locais capazes de formar ou alterar a informação: no espaço cerebral abundam os cortes, as fissuras, a descontinuidade, as próprias sinapses estão fissuradas (fissura sináptica); a informação nervosa ao percorrer estes “obstáculos”, ao ser confrontada com estas vicissitudes fica sujeita a um grau de aleatoriedade que faz com que a informação que sai de um neurónio possa ser diferente da informação que entra noutro neurónio. Imagine-se a seguinte situação: uma pessoa encontra-se em Vila Nova de Gaia e pretende atravessar o tabuleiro da Ponte D. Luís para o Porto. Ao longo da travessia a pessoa é sujeita a uma série de contingências, como ser alvo de um assalto, um emocionante encontro amoroso, presenciar um assassinato, etc.. A pessoa que chega ao Porto não é pois a mesma pessoa que saiu de Gaia. Agora consideremos que a travessia daquela pessoa não se circunscreve ao tabuleiro da ponte D. Luís, mas sim a todas as pontes do mundo, a todos os trajetos do mundo. O grau de aleatoriedade é da ordem do infindável. O mesmo se passa com a informação que chega ao nosso corpo. Atente-se que esta informação, dentro do nosso corpo ou na forma como é percecionada, é “misturada” com emoções e sentimentos que possuem, também eles, “comprimentos de onda” da ordem do infindável. O mesmo acontece com as nossas necessidades homeostáticas. Ela é sujeita, portanto, a um grau de aleatoriedade que é impossível prever o futuro dessa informação e, como consequência, o futuro do nosso corpo. Malabou (2007) considera que a Plasticidade tem o papel de escultora, uma função de artista, de educadora para a liberdade e a autonomia. Ter um corpo “Plástico” é pois ter um corpo de possibilidades e não um corpo exato. Contesta-se, desta forma, a obsessão Cartesiana e Positivista de quantificar todas as nossas ações, todo o nosso corpo. Tavares (2013) considera que esta infalibilidade objetiva é própria de relações de autoridade que não devem nortear a relação professor/aluno: “Fui tão exato, que não vos deixei espaço para pensarem (Tavares, 2013, p.42). Percebendo, de acordo com Malabou (2007), que a Plasticidade é uma caraterística fundamental do nosso corpo que contraria a rigidez e o situa entre a manutenção de uma forma e a explosão de toda a forma, leva-nos a perguntar o que fazer com este corpo? Sim, o que fazer com este

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corpo que tem a capacidade de dar forma a si mesmo? Professor de educação física, o que se pode fazer com um corpo que se nega a obedecer e que não quer seguir nenhum estereótipo?

Queremos continuar a propor exercícios mecânicos, estereotipados, automáticos, dirigidos a um corpo acéfalo? Movimentos que, segundo Han (2014a), vistos de longe já não parecem atividades humanas, mas meros processos biológicos. O aluno já não pensa, corre