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A EDUCAÇÃO NA COMUNA: UM PROJETO REVOLUCIONÁRIO

5 A EDUCAÇÃO PÚBLICA E POPULAR DA COMUNA

5.2 A EDUCAÇÃO NA COMUNA: UM PROJETO REVOLUCIONÁRIO

A Revolução de 1871 que deu origem à Comuna de Paris já trazia na sua bagagem e dos seus insurretos, como já analisado, um debate intenso sobre a educação pública, que

até então era gerida pelo estado republicano liberal, de Luís Bonaparte, que se configura depois como Império. Em 18 de março, quando os trabalhadores conquistam Paris, é iniciado todo um processo de construção e desconstrução, como ora relatado no primeiro capítulo desta tese. Comissões de trabalho foram formadas e membros foram eleitos e indicados para cumprir determinadas tarefas. Dentre outras comissões importantes, foi criada a Comissão de Educação. O legado deixado pela Comuna em relação à educação pode ter sido maior do que os seus feitos concretos. Isso pelo fato de ter sido na Comuna o primeiro momento em que a Educação passa a ser vista como parte de um projeto revolucionário de sociedade, onde homens e mulheres livres são condição para a construção do novo. Como já indicado por Bataille e Cordillot (2010), a educação era a garantia de um futuro, da existência de uma nova sociedade.

Como analisado no capítulo anterior, o Segundo Império foi marcado pela retomada da pauta educacional, defendida em 1848 pela “bandeira vermelha” que representava a luta dos trabalhadores franceses, inspirados pelas ideias revolucionárias desencadeadas pela Revolução Francesa no final do século XVIII. Obstáculos eram inúmeros para garantir a educação e a instrução a todas as crianças. Uma parte da população, a mais pobre, não tinha acesso às instituições educacionais, em outras situações mais favoráveis em que haviam instituições escolares, as crianças filhas de trabalhadores e camponeses deveriam trabalhar para auxiliar na composição da renda doméstica.

Maurice Dommanget (1971), em L’enseignement, l’enfance et la culture sous la

Commune, traz elementos para o debate sobre os projetos de educação em curso no

interior da Comuna. Todavia, remonta um cenário em que golpes internos, traições, falta de membros qualificados, o isolamento de Paris e a falta de dinheiro foram obstáculos concretos para garantir a premissa máxima da tarefa de reconstruir a nova sociedade e, portanto, uma nova educação. Isso a considerar que durante os 72 dias da Comuna a preocupação central foi a luta contra Versalhes. Os afazeres políticos dos membros da comissão, mais gerais, impediam de aprofundar as discussões sobre educação. A questão

é que a Comuna não pôde mesmo se ocupar como deveria da educação. “De fato, ela não pôde se ocupar dos problemas de ensino mais do que cinquenta e três dias, de 30 de março, dia seguinte da regularização da constituição, a 21 de maio, data da entrada da tropa de Versalhes em Paris” (DOMMANGET, 1971, p. 198)14.

Dommagent (1971), mesmo compreendendo os limites concretos, reforça o coro com os demais autores ao compreender que, mesmo com todos estes limites e com a luta travada cotidianamente contra Versalhes, a educação passou a ser uma preocupação real e viva entre os revolucionários. Era evidente a necessidade de edificar, segundo o autor, a educação pública. A Comissão de Ensino foi criada e regularizada em 29 de março. Entretanto, as notas desta sessão não indicavam nenhum dado sobre a discussão relativa à comissão de ensino, mas como todas as outras nove comissões que foram criadas, compreendia-se que a tarefa era expedir os afazeres correntes e facilitar os projetos e decretos sobre determinado tema da comissão. A comissão deveria se ocupar de “reformar a educação”. “Ela deveria preparar um decreto que tornava a instrução gratuita, obrigatória e exclusivamente laica. Ela estaria encarregada também de aumentar o número de bolsas (vagas) nos liceus.” (DOMMANGET, 1971, p. 199)15.

As bibliotecas e museus foram abertos a toda a população, extinguindo o espaço privado de produção e socialização do conhecimento. A produção de conhecimento deveria ser algo público e pertencer ao povo. A educação passou a ser gerida pelos trabalhadores e não pelo Estado republicano, particularista burguês. Um dado importante, capaz de apontar o impacto da política educacional dos communards pode ser analisado a partir do orçamento destinado para tal. O orçamento da educação primária que, mesmo com todo o problema financeiro da Comuna, em 1871, era o dobro de 1870, chegou a 16.027,941 francos (DOMMANGET, 1971, p. 201).

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“En fait même, elle ne peut s’occuper des problèmes de l’enseignement que cinquante-trois jour, du 30 mars, lendemain de as constitution régulière, au 21 mai, date de l’entrée des Versaillais à Paris”

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“Elle devait prépare un décret rendant l’instruction gratuite, obligatoire et exclusivement laïque. Il lui était enjoint, en outre, d’augmenter le nombre de bourses dans les lycées.”

O programa político da Comuna nunca foi um programa elaborado para a transição, a presença de lacunas e imprecisões foi justamente o que alguns autores como Engels (1986), Marx (1986) e Luquet (1968) identificaram como sendo um dos principais motivos e limites que levaram ao fim da Comuna de Paris. No programa político não havia nada mais que ordens gerais sobre o tema da educação, programa este votado unanimemente. Não havia registro de nenhuma discussão preambular que definisse as grandes linhas do programa. Segundo Dommanget

O programa se limita a proclamar que para a revolução comunal, Paris prepara a “regeneração intelectual” da França assim como a regeneração moral, administrativa e política. Cada francês, assim como cada homem, cidadão e trabalhador, deverá ter “pleno exercício de suas faculdades e aptidões”. O ensino será organizado sobre a base d “autonomia absoluta” acordado com cada distrito de Paris, desfrutando das liberdades de ação, reservando-se de desenvolver e propagar a educação, bem como a produção, o câmbio e o crédito (DOMMANGET, 1971, p. 201)16.

Eram membros da comissão de educação: Jules Vallès, Edmond-Alfred Goupil, Ernest Lefèvre, Raoul Urbain, Albert Leroy, Auguste Verdure, Antoine Mathieu Demay, Robinet e Jules Miot. Alguns destes nada tinham de experiência pedagógica, todavia, eram

communards comprometidos com o processo de transformação radical. Desse modo, os

responsáveis pela Comuna consideravam que a política educacional escolar não era tarefa de alguns especialistas, mas do povo como um todo (BRUHAT e BESSE, 1971). A Comuna teve como preocupação central jogar um papel de reorganização verdadeiramente revolucionário na instrução e escolheu os melhores militantes e ativistas para cumprir esta função. Contudo, apesar da vasta comissão, o verdadeiro delegado de ensino, o que exerceu de fato a função, foi Edouard Vaillant, que era o líder do socialismo francês e da

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“Le programme se borne à proclamer que par la Révolution communaliste, Paris prépare ‘la régénération intellectuelle’ de la France au même titre que as régénération ‘morale, administrative et politique’. Chaque Français, en tant qu’homme, citoyen et travailleur, a droit au ‘plein exercice de ses facultés e de ses aptitudes’. Le enseignement est organisé sur la base de ‘l’autonomie absolue’ accordée à chaque commune et Paris, profitant de as liberté d’action, se réserve de ‘développer et propager l’instruction’, de même que la production, léchage et le crédit”

Internacional dos Trabalhadores. Era um homem de grande bagagem científica. Além de formado durante 12 anos em estudos superiores, foi correspondente de Feuerbach, entre outros pensadores contemporâneos. Para ele, a função da educação pública seria a união do pensamento e da ação, “a síntese faz o homem” (DOMMANGET, 1971, p. 200).

A preocupação em unificar o pensar e o fazer levou-o, entre outras tarefas, a ser o responsável pela parte do programa de educação profissional na Comissão de Trabalho. O texto desta comissão era claro em apontar que não poderia formar mais braços do que a indústria necessitava, um ou outro ramo específico, senão acabaria por provocar uma concorrência anarquista e nociva para a indústria e para a Comuna17. Essas preocupações concretas, advindas do mundo do trabalho e não de concepções metafísicas, revelavam a preocupação de Vaillant com a necessidade de ação, pois sabia que tinha que ter ações mais sólidas que o programa apresentado. A partir desta constatação fora criada uma nova Comissão de Ensino, que de fato se dedicaria ao trabalho pedagógico. A antiga comissão foi perdendo alguns membros, sejam por tarefas outras ou por inaptidão para o trabalho educacional. Agora seriam: Coubert, Verdure, Miot, Vallès e Clement. A comissão funcionava de modo bastante democrático, segundo Dommanget (1971), Vaillant apenas deliberava conjuntamente com seus camaradas.

A autonomia absoluta das comunas foi um dos elementos gerais apontados no programa e socializados a partir dos decretos oficiais publicados no Journal la Commune. Implicou no direito de cada distrito abrir escolas e votar as subvenções, suas regras de funcionamento, normas, dentre outros, o que na prática representou um perigo. Para Dommanget (1971), Vaillant sabia que a laicidade não poderia perder para a autonomia, sabia dos riscos que corria em relação a isso. Todavia, estava em questão a concepção de democracia, autonomia e gestão, empregada e defendida pela Comuna, que objetivava,

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Debate este que expõe uma polêmica presente no século XIX, sobre as possibilidades de controle da concorrência, como sendo esta a dimensão negativa do trabalho, análise um tanto quanto superficial, expressa, dentre outros, por Proudhon. Mas representa uma preocupação presente no seio do movimento dos trabalhadores na França. Para mais informações deste debate ler Grundrisse, de Karl Marx.