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COMO COMPREENDER A DERROTA DESSA INICIATIVA: O DEBATE A

3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA DA COMUNA DE PARIS DE 1871

3.2 COMO COMPREENDER A DERROTA DESSA INICIATIVA: O DEBATE A

Em 10 de abril Thiers4 e Versalhes iniciaram a guerra contra Paris. Alguns autores (Marx, Engels, Trotsky, Lissagaray, P. Luquet, Claude Willard, dentre outros) dentro da perspectiva de que a Comuna de Paris representou elementos importantes e concretos para construção do novo, produziu balanços e avaliações sobre o que esta experiência insurrecional de 1871 foi capaz de apontar para as gerações futuras. Estes autores foram hábeis em apontar dialeticamente os limites, assim como indicar o potencial revolucionário desta experiência, em que, pela primeira vez na história, os trabalhadores chegaram ao poder. Apesar da Comuna de Paris ter sido caracterizada como um importante marco histórico para a luta dos trabalhadores, a constatação dos limites se deu na mesma proporção do reconhecimento da sua positividade. Esse debate é central na medida em que se a identifica como sendo um evento de grande importância para a história e para as lições do movimento operário, em que a compreensão dos limites é necessária para conquistar avanços e novas vitórias.

Um dos primeiros eixos de exposição das lacunas centra-se no debate sobre o partido da Comuna, ou mesmo na inexistência deste. Marx e Engels (2010) nos anos de 1848 escreveram o Manifesto do Partido Comunista – este foi o título original, sendo depois traduzido como Manifesto Comunista. Tratou-se da primeira fez em que a temática “partido” assume entre os revolucionários uma sistematização mais precisa. Em um dado momento do Manifesto, perguntou-se: “Qual a relação dos [partidos] comunistas com os proletários em geral?” (MARX e ENGELS, 2010, p. 51). A partir de então esboçaram argumentos para evidenciar que os comunistas não se descolam do conjunto dos proletários, não se configurando como sendo uma força a parte da classe trabalhadora,

Os comunistas se distinguem dos outros partidos operários somente em dois pontos: 1) nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente na nacionalidade; 2) nas diferentes fases de desenvolvimento por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte, os interesses do

movimento em seu conjunto, (...) o objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos proletários: constituição do proletariado em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado”. (MARX e ENGELS, 2010, p. 51)

Este debate sobre partido expresso no Manifesto Comunista, apesar de trazer elementos centrais para a sua definição, ainda é incipiente, pois não eles haviam vivenciado a experiência da Comuna de Paris, assim como os limites da primeira Associação Internacional ainda não havia sido constato de conjunto5. Contudo, a centralidade do argumento se mantém atual: a necessidade de organizar a classe trabalhadora para conquistar o poder e derrubar a classe burguesa. Marx e Engels (1986) identificaram como um dos principais limites da Comuna a debilidade da organização dos trabalhadores enquanto classe, o que limitou a conquista do poder de forma duradoura. Para ambos, Paris foi lócus da primeira experiência da ditadura do proletariado, entretanto a inexistência de um partido com um programa capaz de conduzir a transição para o socialismo fragilizou a estratégia dos communards, que acabaram derrotados pela burguesia de Versalhes. Lênin, como já apontado, identificou a falta de maturidade da classe para formular estrategicamente um programa político à altura dos desafios colocados. P. Luquet (1968) nos seus escritos sobre a Comuna de Paris foi mais incisivo no que se refere aos limites, tal visada foi possível pela distância cronológica e pelo maior tempo de análise. A elite operária, como descreve o próprio autor, mostrou-se inapta no sentido de comandar este processo de transição, reforçando a tese de que teria faltado um partido para a Comuna.

É salutar o debate depreendido por vários autores, como os acima citados, sobre a caracterização de maturidade e imaturidade da classe. Ao analisar estes elementos de modo descontextualizado da obra destes autores, pode-se ter uma impressão um tanto quanto positivista no sentido de ler a história a partir de uma compreensão

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Para ler mais sobre o tema, consultar o artigo “Partido, Vanguarda e Classe” de Érico Sanchs: http://www.marxists.org/portugues/sachs/1968/mes/partido.htm.

desenvolvimentista. Contudo, a orientação do materialismo histórico e dialético, como base filosófica e política, autoriza a interpretação destes conceitos de imaturo ou maturo, como sendo expressão das condições objetivas e subjetivas dadas para realizar uma determinada leitura da conjuntura em questão. Ao indicar que a classe trabalhadora francesa não construiu um partido, entende-se que no referido contexto histórico, de modo autêntico, a classe proletária não havia planejado de modo estratégico o processo de transição do capitalismo para o socialismo. Não construindo uma ferramenta capaz de expressar esta síntese e de ser reconhecida pelo conjunto da classe, como esta expressão. Todavia, esta análise apenas se torna possível após o distanciamento histórico e epistemológico do período em questão, com base em novas experiências e no desenvolver das relações sociais travadas a partir do determinado fenômeno.

Ao trazer ao centro das reflexões sobre a Comuna o debate do partido, Marx, Engels, P. Luquet, Trotsky, entre outros, apresentaram uma leitura de partido antagônica à concepção hegemônica, parlamentar burguesa. Trata-se de um instrumento capaz de representar um determinado nível de consciência de classe, sobretudo da classe trabalhadora, no sentido de construir essencialmente o processo de ruptura com a sociedade capitalista, a construção de uma nova hegemonia. Gramsci (2013) ao estudar e definir o Partido constata a convergência de três elementos fundamentais para caracterizá-lo. Primeiro, um “elemento difuso de homens comuns, médios, cuja participação é dada pela disciplina e pela fidelidade, (...) sem este grupo o partido não existiria (...), mas é também verdade que o partido não existiria somente com eles” (GRAMSCI; in: SADER, 2013, p. 16). Se constituiriam como uma força na medida em que houvesse quem garantisse centralização, coesão e disciplina. O segundo elemento é o “elemento principal de coesão que centraliza no plano nacional, que torna eficiente e potente um conjunto de forças, que, sozinhas, valem zero ou pouco mais” (GRAMSCI; in: SADER, 2013, p. 16). Este elemento centralizador, capaz de garantir a coesão, denomina- se dirigentes. Para Gramsci, é mais fácil montar um exército do que formar capitães. O terceiro elemento, segundo Gramsci, é o elemento médio, que unifica o primeiro, os

homens comuns e médios, e o segundo “os dirigentes”, de modo que este contato não seja apenas físico e sim “moral e intelectual” (GRAMSCI; in: SADER, 2013, p. 17).

Contudo, para além destes elementos, é necessário que este partido represente intelectual e moralmente o nível de consciência mais elevado da classe trabalhadora, todavia nunca apartado desta, a partir de consignas e um programa que indique, estrategicamente, os rumos para a emancipação humana. Que organize e unifique, de modo a expressar e ser reconhecido pelo conjunto dos trabalhadores, não necessariamente a totalidade, como representante de suas demandas. Segundo Edmundo Dias (2000), “O partido de uma classe subalterna não pode deixar de dominar a realidade; caso contrário, ou será esmagado ou será impotente. A posição em relação ao poder marca a radicalidade do partido” (p. 172).

O partido deve continuar a ser o órgão de educação comunista, o foco de fé, o depositário da doutrina, o poder supremo da harmonia e conduz à meta as forças organizativas da classe operária e camponesa. Apesar disso, o partido não absorve a totalidade da classe, pois ele não pode deixar te der uma disciplina politica que nem todos os trabalhadores possuem (DIAS, 2000, p. 164). 6

P. Luquet (1968) ao analisar a situação específica dos communards, busca a causa da fragilidade estratégica a partir dos grupos ou, ainda, intelectuais orgânicos que dirigiram o processo de lutas na Comuna de Paris. Para compreender a tese de P. Luquet (1968), faz-se necessário retomar a análise sobre os principais grupos organizados politicamente no interior deste processo: os blanquistas, seguidores de Auguste Blanqui, e os proudhonianos, influenciados pela filosofia de Joseph Proudhon. Os blanquistas se organizavam em torno de um partido, uma espécie de grupo de conspiradores, não se

6 O debate sobre o papel da vanguarda, indicado por Gramsci (SADER, 2010) será melhor desenvolvido

alguns anos depois da experiência da Comuna de Paris por Lênin, na sua obra O que fazer? (1902) e nos debate travados com Rosa Luxemburgo, da social democracia alemã. Para ler mais sobre o tema: http://www.marxists.org/portugues/sachs/1968/mes/partido.htm. O que evidencia que durante a Comuna várias questões teóricas ainda não haviam sido postas com tamanha clareza.

constituindo em uma organização de massas justamente por acreditar que a revolução seria feita por uma elite operária diante da incapacidade intelectual das massas, não havendo, diante das apreciações de Gramsci (2010), o terceiro elemento mediador. Segundo Luquet, para os blanquistas, as massas eram incultas e, por isso, o governo não seria derrubado por um processo de conscientização dos trabalhadores, mas, sim, por uma conspiração. Não haveria um programa para a revolução econômica, esta deveria estar subordinada à revolução política. Isso explicaria a demora em controlar o banco da França, como tática deste processo de transição. Ainda segundo Luquet, os proudhonianos subordinaram a revolução política à revolução econômica – a destruição do Estado capitalista. Proudhon e seus seguidores repugnam a revolução violenta, por isso, “ele concita os governantes a proceder, por eles mesmos, a liquidação social e a suprimir, uma após outra, todas as engrenagens dessa grande máquina que tem o nome de Governo ou Estado” (LUQUET, 1968, p. 11). Proudhon era, para Marx, um típico reformista. Sobre o uso da violência, Lissagaray tem uma resposta muito interessante, mesmo que não intencional, a Proudhon. Em 1848, disseram ao povo:

O sufrágio universal toma toda insurreição criminosa: o voto substitui o fuzil. E, quando, o povo vota contra os seus privilégios, eles se encolerizam, todo governo é faccioso se levar em conta a vontade popular. O que resta ao povo, se não o argumento peremptório, a força? Ele por fim a tem. (LISSAGARAY, 2002, p. 98).

Em síntese, refletir sobre a inexistência de um partido à Comuna, passa pelos elementos objetivos e subjetivos apontados acima. Sem riscos de uma leitura teleológica da história, faz-se necessário precisar para além da influencia dos proudhonianos e blanquistas, superado em várias dimensões pela experiência concreta dos communards, a caracterização do perfil da classe trabalhadora neste momento histórico em pleno processo de transição dos modos de subsunção, além do peso quantitativo dos camponeses na França, expressa as condições existem de construção da própria AIT, assim

como dos limites do enraizamento desta no movimento operário francês, já aparentados no capítulo anterior.

3.3 OS LIMITES E AS INSPIRAÇÕES DA COMUNA: PARA ALÉM O DEBATE SOBRE