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4 A ANTESSALA DA EDUCAÇÃO NA COMUNA DE PARIS

4.4 EM SÍNTESE: A ANTESSALA PARA A COMUNA, DADOS

As vésperas da Comuna de Paris, 1870-1871, foi possível constatar um cenário em que o debate educacional revela o nível de consciência dos trabalhadores, sobretudo dos organizados politicamente (nas reuniões públicas, AIT, Associações, Exposições, dentre outros), em relação à luta de classes e à clareza política do antagonismo estrutural presente entre as classes fundamentais. A defesa de uma educação pública, universal, laica, gratuita e para ambos os sexos consolidou-se como o programa dos trabalhadores franceses ao final do século XIX. Todavia, essas bandeiras não eram expostas sem encontrar maior e menor resistência entre a classe dominante francesa e mesmo em relação a setores da própria classe trabalhadora, em que a tradição e os pré-conceitos se

encontravam arraigados na consciência, sobretudo naquilo que se refere à educação das meninas.

Como já apontado por Duveau (1948), ao estudar a consciência dos trabalhadores no século XIX, nota-se a presença de contradições no seio da própria classe. Contradições que se fortaleciam mediante as condições objetivas sob as quais estas se encontravam. O trabalho infantil, das crianças proletárias, era, em muitos casos, indispensáveis para as famílias, o que dificultava a universalização do ensino. Como bem salientou Duveau (1948), alguns trabalhadores, inclusive, temiam o que algum nível de instrução poderia causar nos corações e mentes operárias, ou seja, desejos impossíveis de serem garantidos. A Associação dos Amigos da Comuna e Paris 1871, em uma de suas brochuras sobre a

Educação na Comuna (LES AMIS, 2003), indica que a educação das meninas não era um

obstáculo menor. “A velha recusa da instrução das meninas não desapareceu. Com tantas mentalidades retrógradas, o movimento operário também se contaminava por elas” (LES AMIS, 2003, p. 1)72. É salutar o fato de que, em 1869, 37% das mulheres casadas eram analfabetas (FROUMOV, 1958). Foi possível constatar tal fato pela fragilidade do programa apresentado e debatido nas reuniões públicas e pelo pouco espaço dado a estas questões na própria AIT, Exposições, entre outros, capazes de avançar em relação às formulações mais generalistas sobre o tema.

O próprio debate sobre a laicidade encontrou resistências internas, menores que a externa, sobre a dimensão moral da educação. Havia certo consenso sobre a separação política das duas esferas, educação e religião, por parte de ambas as classes, mas persistia, ainda, sobretudo devido às pressões da classe burguesa, a defesa em relação ao caráter moral cristão da educação. A melhor síntese disso foi apresentada por Victor Duruy, nos anos 60. Entretanto, a Associação dos Educadores Socialista de 1849 também apresentou uma leitura por vezes conflitante, que não abria mão da certeza de um “Deus” capaz de

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“Le vieux refus d’accorder une instruction aux filles n’a pas disparu. Comme toutes le mentalités rétrogrades, il contamine même le mouvement ouvrier”

reger corações e mentes. Apesar das contradições, o programa educacional contatava com a introdução da ciência e de disciplinas que possibilitassem uma leitura mais autônoma e reflexiva do mundo. Entretanto, ao final dos anos de 1860, sobretudo pós- reuniões públicas, o sentimento antirreligioso, radicalmente laico, cresceu e se fortaleceu no interior da classe trabalhadora. O embate com os sensores da prefeitura e com a polícia em relação aos temas discutidos foi capaz de localizar de modo inquestionável de que lado estavam as forças cristãs na sociedade. Para tanto, bastava ver os números e as estatísticas para entender a questão social, focada no debate educacional. Com base na pesquisa realizada pela Associação dos Amigos da Comuna (2003), é possível fazer uma leitura sociológica da situação do ensino em Paris nos anos de 1870,

População total: 1.800.000 habitantes 257 000 jovens em idade escolar 27% frequentam as escolas comunais

33% frequentam as escolas livres (maioria fiéis, mas algumas laicas) 7% ingressavam nas escolas secundárias

33% não estavam em inscritos em nenhuma escola

No VIII município: de 6.251 meninos e meninas de 7 a 12 anos, apenas 2.730 estavam na escola (LES AMIS, 2003, p. 2)73

Para melhor leitura dos dados, as escolas comunais são as escolas públicas, as que conseguem se manter com o pequeno recurso destinado à educação pelos municípios, ou seja, pelas comunas. As escolas livres são escolas privadas, a maioria mantida pelas congregações, sendo a minoria destas laicas de fato. Mesmo as públicas não estavam livres da influência confessional, tendo como diretores e mentores membros da igreja. Em 1871, segundo dados de Froumov (1958), 7.179,90 alunos estavam nas escolas comunais,

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Population totale: 1 800 000 habitants; 257 000 jeunes en âge de scolarisation; 27% fréquentèrent les écoles communales; 33% fréquentent les écoles libres(avant tout congréganistes, mais certaines laïques); 7% étaient admis dans les écoles secondaires; 33% n’étaient scolarisés; dans le VIII arrondissement 6251 garçons et filles de 7 `15 ans; 2730 seulement étaient scolarisés”

destes, 52% frequentavam as escolas congregacionistas. Este cenário nos indica que a laicidade estava longe de ter sido conquistada, apesar de propagada até os anos de 1870- 71. A partir dos dados, mais de 1/3 da população em idade escolar estava fora das escolas. No que se refere ao ensino secundário, seu caráter elitista se revela nos apenas 7% ingressantes. Apenas os filhos da pequena burguesia, uma certa “elite operária”, e mesmo de setores burgueses, tinham acesso a uma educação, tida como moderna e mais elaborada, capaz de formar os novos quadros de técnicos e trabalhadores capazes de colocar a França no topo do ranking industrial.

Às vésperas da Comuna de Paris, foi possível contatar um clima de grande efervescência em relação a pauta educacional. Apesar de os números denunciarem a exclusão dos setores populares da educação, os fatos históricos e os espaços organizativos existentes no Segundo Império revelaram a capacidade da classe trabalhadora de forjar, nas fissuras do capitalismo, o seu programa em defesa de uma educação emancipadora. Este programa, ainda que não homogêneo e com limites, expressava a necessidade e o desejo de classe pela construção de uma outra sociedade, bem como de sua superação diante da impossibilidade concreta de garantia dos ideais proferidos pela Revolução Francesa. A defesa de uma educação para os trabalhadores, universal, gratuita, laica, em menor ênfase, para as meninas, expressava o acúmulo existente ao final dos anos de 1870, no interior da classe operária francesa. Contudo, é salutar a inexistência da radicalidade, aparentemente de modo hegemônico, no debate da laicidade, pois expressava o sentimento ainda um pouco confuso sobre o papel da moral cristã na formação da sociabilidade humana. Para além do debate programático, estes espaços, como as reuniões públicas, os congressos da AIT, as Exposições Universais, as Ligas de Ensino, entre outros, foram locus de uma experiência concreta de educação popular entre os sujeitos em questão. Sendo possível identificar um processo evolutivo, em relação à tomada de consciência de parcela significativa da classe trabalhadora, no sentido de propiciar elementos que, mais tarde, mediante novas condições objetivas, apresentasse um caráter mais radicalizado no processo seguinte à Comuna de Paris.

Este cenário, remontado em detalhes, expõem os sujeitos sociais, coletivos que operaram a primeira experiência histórica de uma revolução proletária. A partir do prisma educacional, foi possível identificar as nuances de um processo que, de modo contraditório e conflituoso, por vezes, ganhou parcela significativa dos trabalhadores para a construção de uma nova sociedade. Neste contexto, seria pouco provável pensar um processo revolucionário sem as experiências anteriores, aqui citadas, em que os trabalhadores forjaram, na disputa com o projeto burguês, o seu projeto educacional.