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5 A EDUCAÇÃO PÚBLICA E POPULAR DA COMUNA

5.1 BLANQUI E PROUDHON: AS PROPOSTAS EDUCACIONAIS E A

5.1.1 Blanqui: o ser revolucionário

Segundo Volguine (1955), o avançar da consciência, resultado do aumento de indústrias e de manifestações, como as greves e demais insurreições, fez com que a classe trabalhadora assumisse progressivamente a consciência da sua própria tarefa política,

ainda que não tenha concluído a necessidade de construção de uma organização própria, um partido. Blanqui expressou bem este processo e suas possíveis lacunas estratégicas. Iniciou sua vida militante em 1824 em uma organização conspiratória chamada Carbonanari. Ao longo dos anos, a intensa vida militante fez com que fosse preso algumas vezes; em uma destas, segundo Volguine, foi-lhe perguntado num tribunal sua profissão, ao que ele respondeu: proletário. As ideias de Blanqui foram formuladas durante o governo de Louis Philippe e tomaram forma no curso da Revolução de 1848. Apesar de o localizarem incialmente entre os socialistas utópicos, por ter sofrido fortes influências destes, com o passar dos anos, aproxima-se mais das perspectivas materialistas, do materialismo utópico do século XIX.

A medida que se afirmava concretamente a luta da classe proletária, os sistemas utópicos do socialismo perdiam o senso progressivo. As escolas do socialismo utópico degeneraram em seitas. Alguns deles tinham como proposta para eliminar o mal social a conciliação das contradições de classe. O socialismo utópico se aproximava cada vez mais do apetite da burguesia. (VOLGUINE, 1955, p. 8)2

Mesmo o materialismo utópico, ao não dialogar com as perspectivas conciliatórias, rendeu algumas imprecisões na análise de Blanqui. A literatura da época ao realizar a caracterização teórico-politico da classe trabalhadora, dialogava pouco com as condições objetivas e com a leitura a partir da sua localização no modo de produção social, aproximando e tratando como sinônimos os pobres, o povo e a classe trabalhadora. Mesmo os socialistas utópicos, ao se referir a classe dos produtores, identificavam-os como sendo o povo, massa disforme coletiva que se distinguia da burguesia enquanto classe dominante. Para Volguine (1955), Blanqui confunde a ideia de proletariado e pobre,

2 “A mesure que s’affirmait concrètement la lutte de classe du prolétariat, les systèmes utopiques du

socialisme ´perdaient leur sens progressif. Les ‘écoles’ du socialisme utopique dégénéraient en ‘sectes’; chacune d’elles proposait ses procédés pour éliminer le mal social et pour concilier les contradictions de classes. Les idées du socialisme utopique devenaient de plus en lus le bien de l’appétit bourgeoisie.”

como consequência, identifica como luta imediata o fim da pobreza, ou, ao menos, a minimização das condições de subalternidade, supervalorizando, num dado momento da sua produção, a democracia política. Para além de uma possível simples confusão conceitual, a questão central é identificar quais seriam os determinantes da pobreza, não apontado com clareza como sendo o cerne da produção de capital, ou seja, a gênese da sociedade capitalista.

(...) para suprimir o mal da sociedade é indispensável criar uma democracia pol ítica. Ao longo da sua declaração ele não faz proposições de caráter socialista, mas a tendência socialista é indiscutível. Ele considera como início da luta o estabelecimento das igualdades sociais, mas também como meio concreto para melhorar a sorte dos oprimidos. Ele indica a reforma de impostos. (VOLGUINE, 1955, p. 12)3

Apesar de sua compreensão limitada sobre o processo do capital e dos nexos deste com as classes sociais que o levou a supervalorizar o debate a respeito da emancipação política, sem ao menos mediá-lo, outros debates são provocados e apresentados aos trabalhadores a partir da teoria blanquista. Ao se basear no materialismo utópico francês, Blanqui, para o bem ou para o mal, se distancia dos elementos religiosos presentes na origem do socialismo utópico. O espiritualismo era visto não apenas como um erro filosófico, mais um crime político e social, para ele, as religiões são a base da ignorância, da exploração e da miséria. Blanqui desenvolve uma teoria antirreligiosa e ateia. Participou e influenciou as lutas de 1848 em defesa de uma “verdadeira” república social. Afirmou que este governo republicano de 1848, fruto das barricadas, deveria garantir a efetiva liberdade, igualdade e fraternidade, exigindo que o governo decretasse, como

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La conclusion l’aquelle Blanqui conduit ses auditeurs est Claire: pour supprimer les maux e la société, il est indispensable de créer une démocratisée politique. Au cours de as déclaration, el ne fait pas de proposition de caractère socialiste; mais la tendance socialiste est indiscutable. Il considère comme but de la lutte l’établissement de l’egalité sociale; mais, comme mesure concrète pour améliorer le sort des opprimés, il n’indique que la reforme des impôts.

resultado da vitória popular, os itens a seguir. Merece destaque o fato de que boa parte destes estavam associados a instrução, formação, imprensa e conhecimento:

1. A liberdade completa e ilimitada da imprensa;

2. A supressão absoluta e irrevogável das dívidas, e dos direitos de carimbo e selo;

3. Total liberdade de circulação das obras e da imprensa, para todas as vias possíveis (...), sem restrições e entraves qualquer, sem necessidade de prévia autorização;

4. Pela liberdade das indústrias gráficas;

5. A não responsabilização do gráfico, quando o artigo estiver assinado;

6. Pela supressão do artigo 219 do Código Penal e da lei de 4 de abril de 1834, que tinha como objetivo limitar e impedir o direito absoluto de associações e reuniões;

7. Revogação dos artigos 415 et 416 [lei contra a greve]. (BLANQUI,1955, p. 111-112).4

Este programa, para além dos limites de tocar nas questões mais estruturais e econômicas, evidencia a grande preocupação com as posturas autoritárias, de censura, que impediam o livre pensar e, neste sentido, o avançar da consciência da classe trabalhadora. Em carta ao povo, Avis au peuple, em 25 de fevereiro de 1851, Blanqui falou sobre a os erros e os traidores de 1848, com o objetivo de alertar a todos sobre os erros que não podem ser retomados. Um deles é sobre necessidade de desarmar a burguesia e armar os operários, o que ele chama de milícia nacional operária. Tomar o poder político era algo mais claro no interior do projeto revolucionário de Blanqui, as questões econômicas e estruturais ficavam em segundo plano, não por não serem importantes, mas

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“1. la Liberté complète et illimitée de la presse ;

2. la suppression absolue et irrévocable des cautionnements, des droits de timbre et de poste ;

3. la liberté entière de circulation des œuvres de la pensée, par toutes le avoies possibles (..) sans restrictions ni entraves quelconques, sans nécessite d’autorisation préalable;

4. la liberté de l’industrie des imprimeurs (…) ;

5. l’irresponsabilité absolue des imprimeurs pour tout écrit dont auteur est connue ;

6. La suppression de l’article 291 du Code pénal, de la loi du 9 avril 1834 (..) qui pourraient limiter ou gêner le droit absolu et imprescriptible d’association et de réunion (…) ;

por considerá-las como consequência da tomada do poder, um “estado” gerido pelos trabalhadores, os pobres, segundo Blanqui. A revolução econômica, portanto, estaria subordinada a uma revolução política.

Segundo P. Luquet (1968), apesar da trajetória inegavelmente revolucionária, o partido ao qual Blanqui dirigia não era um partido com influência de massas. Este compreendia que a revolução deveria ser realizada por uma elite devido as massas serem incultas e incapazes de realizar tal tarefa. Em uma passagem, escrita por Blanqui durante a segunda república, ele reconheceu a importância dos “quadros políticos” da burguesia mediante esta identificada fragilidade operária. Segundo Blanqui a burguesia,

Traz-nos um contingente de luz que o povo infelizmente ainda não pode fornecer. Se são os burgueses que levarão primeiro as bandeiras vermelhas do proletariado, que formularão as doutrinas de igualdade, que as propagandearão, que as manterão com sorte depois da queda. Em toda parte, são os burgueses também que conduziram o povo a lutar contra a burguesia (BLANQUI, 1955, p. 132).5

A burguesia, ou parte dela, que se desconectava desta enquanto projeto de classe, auxiliaria na queda da sua própria classe originária, não sozinhos, mas certamente comporiam com alguns dos poucos trabalhadores mais preparados. O governo seria então derrubado por uma conspiração, uma pequena vanguarda culta capaz de compreender este processo. Não por acaso, Blanqui privilegiava a ação em detrimento de uma discussão mais estratégica. “Ele se apoiava antes de tudo nos homens de ação onde cultivava um pouco da sua ideologia (...)” (LUQUET, 1968, p. 284). Neste momento, Blanqui evidenciava sua leitura sobre a importância da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que identifica os seus limites. Apesar de o texto ter sido escrito durante a Segunda

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“Ils lui apportent un contingent de lumière que le peuple malheureusement ne peut encore fournir. Ce sont des bourgeois qui on levé les premiers le drapeau de Prolétariat, qui ont formule les doctrines égalitaires, qui les propagent, qui les maintiennent, le Pelevent après leur chute. Partout ce sont les bourgeois qui conduisent le peuple dans ses batailles contre la bourgeoisie.”

República, em que o mesmo constatava a necessidade dos trabalhadores se armarem, de construir uma luta autônoma ao projeto burguês, identifica no seio da burguesia espaço para o surgimento de lideranças do movimento operário. Todavia, não se limita a aceitar este determinismo, apresentando a educação como estratégica para avançar na consciência da classe proletária.

A comunidade avança passo a passo, paralelamente, tendo a instrução como guia, nunca antecipadamente, nunca atrás, mas de frente. Ela será completa no dia onde graças a universalização do conhecimento, nunca um só homem poderá ser marionete do outro. Temos como objetivo que a igualdade da educação talvez possa não implicar na junção de alguns cérebros para uma hierarquia intelectual, criando gênios inválidos. Mas, sim, garantir, que o mais pobre cérebro terá na educação integral uma armadura suficiente contra as fraudes, que queiram ser mascaradas. A experiência será a prova. (BLANQUI, 1955, p. 152-153).6

Blanqui foi um profissional do ensino, assim como boa parte de sua família. Ele dirigiu uma das maiores associações profissionais da época. Fez parte da Societé des

familles, em um destes escritos, ele reivindicava o fim do monopólio dos iluminados e

reivindicava para os operários o direito à educação gratuita, comunal e igual, a participação de todos os homens na educação (BLANQUI, 1955, p. 284). Pelo ensino laico travou inúmeras batalhas contra os jesuítas e a igreja. Em uma das suas principais obras,

Critique Sociale, Blanqui apresentou ideias essenciais que apoiam sua concepção de

educação. Para ele, os princípios estariam ligados à ideologia socialista e não a sua experiência pessoal e formativa. Contrário a qualquer construção fruto do socialismo

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La communauté s’avancera pas à pas, parallèlement à l’instruction as campagne et son guide, jamais en avant, jamais en arrière, toujours de front. Elle sera complète le jour où, grâce à l’université des lumières, pas un seul homme ne pourra être la dupe d’un autre. (...)

On objectera peut-être que l’égalité de l’éducation n’entraîne point du toute celle des cerveaux pour constituer une hiérarchie intellectuelle, depuis le génie jusqu’à la nullité.

D’accord. Mais, chez le plus pauvre cerveau, l’instruction intégrale sera une armure suffisante, á l’épreuve de la tromperie, quel qu’en soit le masque. L’expérience le prouve.

utópico, menosprezava os programas e panaceias reformistas, entendia que as ideias que estavam em luta se aplicavam a formas sociais do comunismo, como o fim da república, conquistado pela revolução socialista. Defendia a crença na virtude do poder e na diminuição das desigualdades, mas desconfiava das assembleias parlamentares.

Segundo Dommanget, Blanqui entendia que a educação pública deveria ser construída sobre bases racionais, sérias e científicas, e que com este projeto, em menos de dez anos a França poderia completar sua transição para uma sociedade superior. Este ensino novo “l’enseignement nouveau” deveria ser totalmente gratuito para os alunos, assim como obrigatório, completo (línguas, matemática, geografia, geometria, etc.) profissional e laico, “ignorância e comunismo são incompatíveis. Universalizar a educação sem comunismo e comunismo sem universalizar a educação constituem duas impossibilidade sem igual” (DOMMANGET, 1970, p. 298). Para ele, a liberdade, igualdade e fraternidade só seriam possíveis com instrução, e a partir da educação das massas.

Em fevereiro e março de 1866, Blanqui denuncia o discurso do cardial Donnet, do Barão Vincent, do Stiévenart-Béthume nos quais via um ataque regido “pelo partido jesuíta contra o ensino laico” uma verdadeira declaração de guerra a ideia moderna. Para estes senhores, “o catecismo e a ignorância eram os agentes da moralização e da segurança publica”.7 (DOMMANGET, 1970, p. 286)

A ignorância defendia a burguesia da insurreição proletária impedia os trabalhadores de levarem a cabo a destruição do sistema capitalista. Nesse sentido, a educação assume nas teses de Blanqui um papel estratégico para garantir a emancipação humana. A possiblidade da luta anticlerical e laica se revelaria nas bases de uma nova

7 “En février et mars 1866, Blanqui dénonce les discours du cardial Donnet, du baron Vicent, de Stiévenart-

Béthume dans lesquels il voit une attaque en règle ‘du parti jésuitique À visière levée contre l’enseignement laïque’, une véritable ‘declaration de guerre à l’idée moderne’. Pour ces messieurs, ‘le catéchisme et l’ignorance voilà les seuls agentes de la moralisation et de la sécurité publique’.”

formação humana, em que a ciência se tornaria o alicerce da construção de uma nova consciência. Definia como instrução o conhecimento, o desenvolvimento das capacidades humanas, a expansão do saber humano. Com o crescimento do número de trabalhadores, aumenta-se a luta, a pressão social por educação e conhecimento.

Nenhuma revolução é durável sem conhecimento! Nenhuma emancipação sem inteligência na base! A liberdade é a instrução! A Igualdade é a instrução! A fraternidade é a instrução! Os instrutores, os livros, a letra moldada, eis aqui o verdadeiro agente revolucionário ! As lições atingem o vazio quando se destinam as multidões ignorantes! As multidões cegas se levantam ao vento. Um sonho os atiram contra os impulsos velhos. Desgraçadamente os l íderes desta massa se movem triturando cada obstáculo sem oscilação! As avalanches são menos previsíveis e devastadoras! (BLANQUI, apud DOMMANGET, 1970, p. 291)8

Para Blanqui, a instrução e o conhecimento são revolucionários, sendo superior em impacto e transformação às avalanches. A partir dos diálogos com Feuerbach, evidenciou preocupações com o próprio instrutor, com a formação dos mestres, pois a maioria se aliava e obedecia aos jesuítas, e a universidade era entendida como um palco de traições. O educador deveria ser educado não de modo autoritário e dogmático. Segundo Dommanget (1970), por se opor ao sectarismo, Blanqui defendeu o ecletismo ideológico no processo insurrecional, no entanto, é intransigente frente ao oportunismo revolucionário, que poderia minar o trabalho gigantesco de destruição e de construção do socialismo, no qual a educação e a formação dos trabalhadores aparecem como instrumentos determinantes. Apesar da tese conspiratória de Blanqui, não é possível identificar que esta foi a experiência da Comuna de Paris. A Comuna, como já apontado

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“Point de révolution durable sans lumières! Point d’émancipation sans l’intelligence pour base! La liberté, c’est l’instruction! L’égalité est l’Instruction! La fraternité, c’est l’instruction! Des instituteurs, des livres, la lettre moulée, voilà les vrais agentes révolutionnaires! Les prédications frappent dans la vide quand elles s’adressent à des foules ignorantes. Les flots de ces multitudes aveugles se soulèvent à tous les vents. Um revers le pousse contre l’impulsion de la veille. Malheurs aux guides de cette masse mouvante qui broie les hommes en poussières sous chacune de ces oscillations! Les avalanches sont moins imprévues et moins foudroyantes.”

neste trabalho em várias passagens, foi fruto de muitos(as) desconhecidos(as), oriundos de uma classe trabalhadora que migrava de um trabalho artesanal para a indústria moderna.

Em síntese, Blanqui entende a educação como eixo central do processo de consolidação e construção de sujeitos capazes de dirigir e organizar o processo revolucionário. Nesse sentido, a luta anticlerical assume centralidade à medida que a ciência e a razão se tornam o combustível do processo de construção da consciência proletária. Esses elementos foram identificados nos projetos internos da Comuna, assim como nas políticas aplicadas pela Comissão de Ensino, o que caracteriza a preocupação revolucionária de Blanqui.