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2 A Engenharia Genética e Agricultura

2.1 A Engenharia Genética e o Melhoramento de Plantas

A engenharia genética constitui um conjunto de tecnologias que são utilizadas para alterar a composição genética de células e mover genes entre espécies para a criação de organismos com modificações de interesses para as atividades econômicas. As técnicas envolvem manipulações sofisticadas de material genético e de substâncias químicas de importância biológica (KHACHATOURIANS et al, 2002).

A engenharia genética é uma das áreas da biotecnologia moderna. A biotecnologia abarca um conjunto amplo de tecnologias que são usadas para a manipulação de organismos vivos ou parte destes para atender aos interesses do homem. O uso da fermentação para a produção de bebidas e a seleção e a reprodução de sementes com características úteis para homem são práticas que tem pelo menos 10 mil anos. Estas e diversas outras técnicas, que se hoje são classificadas como biotecnologias tradicionais, foram praticadas por muito tempo sem que se soubessem ao certo os seus fundamentos científicos. A fermentação, por exemplo, uma técnica usada para produção de bebidas e alimentos desde os primórdios da civilização, só foi devidamente explicada no final do século XIX, com as descobertas realizadas por Louis Pasteur. Da mesma forma, a seleção e

Neste trabalho é feita uma distinção entre eles. Segundo a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), “biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos par utilização específica” (CDB, 2000).

Uma conseqüência desta definição é o reconhecimento de que a biotecnologia na verdade se refere a um conjunto muito amplo de tecnologias, sendo que muitas delas são utilizadas a mais tempo e em escala muito maior do que os cultivos geneticamente modificados. A heterogeneidade existente entre estas tecnologias é tão grande que o uso do termo biotecnologia sem nenhuma outra qualificação não faz muito sentido. Normalmente estas tecnologias são divididas em grupos diferentes, de acordo com o grau de proximidade tecnológica entre elas. A forma mais comum é dividi-las em biotecnologia tradicional e biotecnologia moderna, como mostra a Figura 6.

Portanto, os cultivos geneticamente modificados (GM), que são o foco de análise deste capítulo, são as aplicações da engenharia genética na agricultura. E a engenharia genética por sua vez é um conjunto de técnicas de manipulação genética que pertence ao grupo das chamadas biotecnologias modernas.

Figura 6. Biotecnologias e as suas aplicações

Biotecnologia:

Técnicas de manipulação de organismos vivos para atender aos interesses do

homem Biotecnologias Tradicionais Fermentação Produção de cerveja, vinho, queijos, fermentos e insumos industriais Extração Biológica Produção de vacinas, soros, hemoderivados Cultura de Tecidos Produção de plantas Biotecnologias Modernas Engenharia Genética Produção de vacinas, hormônios, animais e cultivos geneticamente modificados Genômica Mapeamento de genomas: humano, plantas, animais e patógenos

Do ponto de vista tecnológico, a engenharia genética trouxe novas possibilidades de se realizar uma atividade que vem sendo praticada na agricultura desde a antiguidade, que é o melhoramento de plantas e de animais. A engenharia genética amplia as possibilidades de se fazer o melhoramento de plantas. Portanto, na essência, ela não representa uma ruptura com o modelo de agricultura que foi disseminado através da revolução agrícola do século XX, que está assentado no melhoramento de plantas. O sucesso da agricultura moderna em aumentar a produção resultou desta combinação de inovações, onde variedades com alto rendimento potencial eram cultivadas com o uso intensivo de irrigação, de fertilizantes e de defensivos químicos (BORLAUG, 2000; BORLAUG & DOWSWELL, 2003; WU & BUTZ, 2004).

O melhoramento genético de plantas é visto como o principal caminho para superar os desafios atuais da agricultura. O melhoramento pode ser usado para o desenvolvimento de plantas com maior rendimento potencial e/ou com resistência à pragas, o que deixaria a agricultura menos dependente tanto dos fertilizantes quanto dos pesticidas químicos. A grande questão são os métodos convencionais de melhoramento, que apesar da importância no passado e no presente, são limitados.

O melhoramento de plantas é uma atividade tão antiga quanto a própria agricultura. Desde os primórdios da agricultura que o homem vem transformando, através da seleção, plantas silvestres em domesticadas e cultivadas. Segundo VIEIRA et al (2004), “de um total de 350.000 espécies vegetais conhecidas, o homem tem utilizado cerca de 3.000 e cultiva, atualmente, um número próximo a 300 espécies, com destaque para 15 delas: arroz, trigo, milho, soja, sorgo, cevada, cana-de-açucar, beterraba açucareira, feijão, amendoin, batata-inglesa, batata-doce, mandioca, coco e banana”. Para cultivar estas 300 espécies, muitas características das plantas silvestres foram alteradas durante o processo de domesticação.6

Durante milhares de anos o melhoramento de plantas foi realizado pelos agricultores, utilizando para isso métodos e regras muito simples simples, fundamentadas em conhecimentos que eram transmitidos de país para filhos. Somente no final do século XIX que os fundamentos científicos do melhoramento de plantas foram descobertos. Darwin, ao analisar o melhoramento de pombos e de cães, explicou os fundamentos da seleção. Gregor Mendel, a partir de experiências com ervilhas, descobriu os princípios da hereditariedade. Segundo CONWAY (2003), a conseqüência destas descobertas “foi o surgimento de profissionais, melhoristas em institutos e estações de pesquisa, que identificavam e explicavam os mecanismos subjacentes e, com isso, tornavam o processo mais previsível e eficiente”.

Nos sistemas tradicionais de melhoramento de plantas o objetivo é transferir genes de uma planta para outra utilizando os métodos tradicionais de reprodução vegetal. Segundo CONWAY (2003), “boa parte do êxito do cultivo de plantas teve essa característica. Os melhoristas aperfeiçoaram aos poucos um conjunto relativamente pequeno de variedades básicas cruzando-as com variedades locais incomuns ou, em muitos casos, parentes silvestres, idenficadas com portadoras de características desejáveis: resistência a pragas e doenças, tolerância à seca, melhor qualidade para moagem ou sabor”.

As técnicas tradicionais7 de melhoramento de plantas responderam ao principal desafio do século XX, que era fundamentalmente o de desenvolver variedades mais produtivas. Como resultados do melhoramento através destas práticas, a produtividade média quase que duplicou, enquanto que a altura média da planta reduziu em 30%. As variedades de trigo semi-anãs desenvolvidas pelo melhorista norte-americano Norman Borlaug, por exemplo, permitiram que a produção deste cereal crescesse a taxas maiores do que à do crescimento da população. Segundo BORÉM & MIRANDA (2005), “a redução da altura das plantas nas variedades lançadas por Borlaug resultou em altos índices de colheita e produtividade jamais alcançados em outros programas de melhoramento”.

Os métodos convencionais de melhoramento tiveram e continuam tendo muita importância na agricultura, tendo fornecido a base para a revolução agrícola do século XX. Mas estes métodos possuem diversas limitações. Primeiro, existe uma limitação prática,

2. Vieira et al (2004) cita 10 tipos de técnicas para melhoramento genético de espécies autógamas, aquelas que apresentam reprodução sexuada essencialmente por autofecundações naturais e toleram no máximo 5% de cruzamentos; e 10 tipos de técnicas para as espécies alógamas, aquelas que reprodução sexuada através de cruzamentos naturais e aceitam um máximo de 5% de autofecundação.

onde “o processo de cruzar duas plantas aparentadas, cada uma com características desejáveis, na expectativa de produzir descendentes com uma combinação nova e melhorada dessas características é, essencialmente, um processo aleatório”. Isso significa que os resultados do cruzamento são sempre imprevisíveis, porque “embora algumas características desejáveis possam vir juntas, outras poderão ser perder” (CONWAY, 2003).

Além da limitação prática, existe também uma limitação natural ao melhoramento tradicional de plantas, porque ele só permite a busca de espécies com novos atributos através do cruzamento de duas espécies sexualmente compatíveis. Além da limitação prática, existe também uma limitação natural ao melhoramento tradicional de plantas, porque ele só permite a busca de espécies com novos atributos através do cruzamento de duas espécies sexualmente compatíveis. Por exemplo, vamos supor duas espécies, A e B, portadoras dos atributos X e Y, respectivamente. Se as duas espécies forem sexualmente compatíveis e se for vantajoso uma espécie que contenha os dois atributos, pode-se obter uma espécie C, contendo os atributos X e Y a partir do cruzamento de A e B. Mas a possibilidade de criar C está restringida pela compatibilidade sexual das espécies A e B.

A engenharia genética se apresenta como uma alternativa tecnológica para os problemas colocados acima. Ela tem potencial para contribuir no avanço do melhoramento genético de plantas, “criando novas variedades de plantas que não só produzem rendimentos mais altos como contêm as soluções internas para os desafios bióticos e abióticos, reduzindo a necessidade de insumos químicos como fungicidas e pesticidas, e aumentando a tolerância à seca, salinidade, toxicidade química e outras condições adversas” (CONWAY, 2003).

O objetivo da Engenharia Genética é construir artificialmente um gene (transgene) e transferi-lo para outros organismos8. A introdução de segmentos de DNA de um organismo A em um organismo B é chamado de transformação gênica e o indivíduo B passa a ser chamado de transgênico ou organismo geneticamente modificado. A introdução de DNA

organismos eram obtidos através do melhoramento genético convencional. No melhoramento genético da forma tradicional, a criação da espécie C ficará impossível caso A e B forem espécies incompatíveis sexualmente. Assim, o grande salto científico e tecnológico da biotecnologia moderna foi permitir a possibilidade de criar a espécie C independentemente da compatibilidade genética.

A possibilidade de produzir plantas geneticamente modificadas, com novos atributos e independentes da compatibilidade sexual entre as espécies, representa o maior impacto da Biotecnologia Moderna na agricultura. As técnicas de DNA recombinante são mais versáteis e mais precisas do que as técnicas tradicionais de melhoramento. São mais versáteis porque elas permitem transferência de informações genética entre plantas de famílias ou espécies diferentes. E são mais precisas porque no melhoramento tradicional o DNA de uma planta compatível pode combinar randomicamente e resultar tanto em atributos não desejáveis, como redução da produtividade ou a produção de substâncias tóxicas, quanto em atributos desejáveis. Com a engenharia genética, os segmentos de DNA que codificam para os atributos desejáveis podem ser selecionados e recombinados na nova planta.

A versatilidade e a precisão da engenharia genética abriram um leque muito amplo de possibilidades de melhoramento genético, com aplicações que podem trazer diversos tipos de benefícios tanto para os agricultores quanto para os demais agentes da cadeia produtiva.

Como visto, a engenharia genética é uma ferramenta poderosa que pode ampliar as possibilidades de fazer melhoramento genético de plantas. O melhoramento de plantas precisa ser direcionado para atender as demandas atuais. Além do desenvolvimento de variedades com maior rendimento potencial, é possível o desenvolvimento de variedades com maior resistência a estresses bióticos e abióticos, para aumentar o rendimento econômico; o desenvolvimento de variedades que permita a substituição de insumos, dando mais flexibilidade para o agricultor; o desenvolvimento de variedades que reduzam os riscos de perda da produção, dando uma maior estabilidade; e, dada as exigências do mercado consumidor atual, o desenvolvimento de cultivos com maior qualidade.

2.2 Aplicações da Engenharia Genética na