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Governamentais: Grupos de Interesses e Opinião Pública

5 A CONTROVÉRSIA ENTRE OS ESPECIALISTAS: UM ESTUDO DA PERCEPÇÃO DOS

5.1 Um Panorama Geral da Questão dos Cultivos GM no Brasil

As tecnologias radicais criam diversos desafios para a sociedade, dentre eles os desafios regulatórios. Os governos precisam decidir que tipos de políticas deverão adotar e em que áreas elas deverão atuar. As tecnologias radicais, como é o caso da engenharia genética, tem conseqüências de longo-prazo. Quando é preciso tomar decisões sobre problemas com eventuais conseqüências no longo-prazo, se enfrentam situações em que “os fatos são incertos, os valores discutíveis, os riscos elevados e as decisões urgentes” (MUNDA, 2003).

Para países onde a agricultura tem um grande peso econômico e social como é o caso do Brasil, as decisões no presente sobre as tecnologias agrícolas que poderão ter grandes impactos no longo-prazo são processos complexos, que se caracterizam pela participação de diversos grupos de stakeholders que diferem entre si quanto à interesses, valores e a percepções das novas tecnologias.

A agricultura mundial precisa de novas tecnologias e as aplicações da engenharia genética para diversos fins na agricultura mostram que ela poderá contribuir significativamente para a superação de diversos problemas da agricultura mundial. Como mostram as experiências anteriores de difusão de outras tecnologias na agricultura, tanto a difusão quanto os impactos destas tecnologias dependem de inovações institucionais e de políticas públicas. Os países que mais se beneficiaram das tecnologias da Revolução Verde, por exemplo, foram aqueles que realizaram reformas institucionais e criaram políticas que potencializaram os impactos destas tecnologias.

A realização de pesquisa e de desenvolvimento de novas tecnologias por instituições públicas, ao lado do crédito rural, é a principal área de atuação política dos governos com relação às tecnologias agrícolas. Segundo FAO (2000), em países como Estados Unidos, Índia e Brasil, que junto com a China são os maiores produtores agrícolas do mundo, a pesquisa desenvolvida pelo setor público foi a principal fonte de crescimento da produtividade total dos fatores.

No Brasil o crescimento da produtividade total dos fatores tem como causas a expansão do crédito rural e as pesquisas e tecnologias desenvolvidas pelas instituições públicas, principalmente pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Segundo GASQUES et al (2008), a produtividade total dos fatores na agricultura brasileira duplicou entre 1975 e 2005 e o crédito rural e as pesquisas desenvolvidas por instituições públicas estão entre as principais causas deste crescimento. Segundo GASQUES et al (2008), “o aumento de 1% nos gastos em P&D, pela Embrapa, tem um impacto de 0,17% na produtividade total dos fatores”.

A emergência da engenharia genética, principalmente a partir de 1996 quando se inicia a produção comercial de cultivos GM nos Estados Unidos, colocou para os demais países o desafio de como se posicionar com relação a esta tecnologia, que é percebida pelos agentes econômicos, sociais e governos como uma tecnologia revolucionária, que poderá trazer grandes benefícios para a agricultura, mas que também apresenta riscos. Os governos, principalmente os de países como o Brasil, onde a agricultura tem uma grande importância econômica e social e o sistema nacional de inovação agropecuária é relativamente desenvolvido, precisam tomar decisões políticas com relação à engenharia genética. As decisões políticas são tomadas com base na percepção que governo, stakeholders e grupos sociais com relação aos benefícios presentes, aos benefícios futuros e aos riscos do uso de cultivos GM.

Como mostra PAALBERG (2001), com relação aos cultivos GM existem cinco áreas que exigem políticas públicas: direitos de propriedade intelectual, biossegurança, direitos do consumidor, comércio externo e investimento público em pesquisa. Nestas cinco áreas os governos podem assumir posições que vão desde a promoção até a prevenção da tecnologia. Tudo dependerá do quão benéfico ou arriscado a tecnologia será percebida pelos stakeholders e pelo próprio governo.

primeiro pais do Hemisfério Sul a desenvolver um projeto de seqüenciamento completo de um organismo. Este projeto foi realizado com a participação de 33 laboratórios do Estado de São Paulo, incluindo laboratórios de instituições públicas, como o Instituto Agronômico de Campinas, de universidades públicas e de empresas privadas e contou com o financiamento da Fundação de Amparo da Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A principal instituição pública de pesquisa agropecuária do país – a Embrapa – está desenvolvendo projetos de genomas de outros cultivos de grande importância para a agricultura brasileira, como o café e a cana-de-açucar. Ela está desenvolvendo também pesquisas com cultivos GM de grande importância para segurança alimentar no Brasil, como é o caso do feijão.

Mais recentemente, o Governo Federal tomou algumas iniciativas que mostram interesse em promover o desenvolvimento da biotecnologia no país. Em 2004, o governo federal criou o Fórum de Competitividade da Biotecnlogia. Em 2007 foi instituído o Comitê Nacional de Biotecnologia, que tem como propósito a implementação da Política de Desenvolvimento da Biotecnologia (PDB), lançada em 2008. Esta política prevê o investimento de R$ 10 bilhões em biotecnologia nos próximos dez anos e 60% deste valor virá de recursos públicos. Um dos alvos da PDB é o desenvolvimento de plantas resistentes a estresses bióticos e abióticos.

Mas a despeito de todo o potencial de desenvolvimento da engenharia genética no país, como a força do agronegócio, a boa infra-estrutura de pesquisa e os incentivos governamentais, a difusão dos cultivos GM ocorre de forma lenta, em comparação com outros países. Dos três grandes países produtores de soja, o Brasil é o que apresenta menor taxa de adoção de variedades GM. Além disso, enquanto no mundo se comercializa 140 eventos diferentes de cultivos GM, no Brasil foram aprovados apenas cinco (uma variedade de soja, uma de algodão e três de milho), sendo que o primeiro – a soja tolerante a herbicidas – foi aprovado apenas em 2006, dez anos após este cultivo ser produzido nos Estados Unidos e Argentina.

A difusão relativamente pequena de cultivos GM no Brasil se deve a falta de consenso entre diversos setores da sociedade com relação aos benefícios e riscos dos cultivos GM. Apesar da existência de uma Lei de Biossegurança e de dois fóruns de decisão, a Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), formada por cientistas, e da

Comissão Nacional de Biossegurança, formada por 11 ministros, o processo de liberação de uma variedade de cultivo GM é sempre marcado por uma “guerra” entre grupos que divergem quanto aos benefícios e riscos destes cultivos. O processo de aprovação do milho Liberty Link em 2007 ilustra bem a situação complexa da regulação da biossegurança no Brasil. A liberação deste cultivo somente foi aprovada na terceira sessão, sendo que nas duas anteriores ela foi esbarrada na resistência de grupos contrários aos cultivos GM, que impediam que a votação entre os membros fosse realizada. Na terceira sessão a liberação foi votada e aprovada com 17 votos a favor e 4 contra, sendo três de representantes do Governo Federal e um de representante da sociedade civil.

O fato é que apesar da lei de biossegurança e da CTNBio, das políticas de incentivos do governo federal e da boa aceitação dos cultivos GM por parte dos agricultores, o uso da engenharia genética no Brasil ainda continua suscitando muitas controvérsias e não há evidencias de que as próximas aprovações de cultivos GM serão menos conturbadas do que foi a do milho Liberty Link.

Mas quais são de fato os temas que impedem um consenso sobre estes cultivos no Brasil? Será a controvérsia um embate entre uma visão de curto-prazo, defendida por agricultores e empresários do agronegócio, que superestimam os benefícios econômicos do presente e uma visão de longo-prazo, que prioriza os riscos ambientais destes cultivos, como por exemplo, os seus impactos negativos sobre a biodiversidade brasileira?

O objetivo deste trabalho é justamente entender melhor a natureza desta controvérsia a partir do levantamento de opiniões de especialistas com relação aos benefícios e riscos dos cultivos GM. Aqueles que defendem os cultivos GM tendem a priorizar os seus benefícios e aqueles que são contrários a eles tendem a priorizar os seus riscos. Mas que benefícios e riscos são estes? Aqueles que os defendem os fazem pela mesma razão, ou seja, eles usam os mesmos tipos de benefícios como critério? Da mesma forma, aqueles que são contrários, também o são pela mesma razão? Existe um tipo de benefício que é

5.2 Os Benefícios e os Riscos dos Cultivos GM