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No início dos anos 60, o grande desafio era aumentar a capacidade de produção de alimentos suficientemente para atender uma demanda que crescia em função do crescimento demográfico e do crescimento da renda. Atualmente o aumento da produção continua sendo um desafio, mas a este se acrescenta outros, como o uso mais eficiente dos recursos naturais e a necessidade de desenvolver sistemas agrícolas menos agressivas ao meio ambiente.

É consenso entre Governos e Organizações Internacionais, como Nações Unidas, Banco Mundial e OCDE, que o crescimento futuro da economia mundial, associado com redução da pobreza, da fome e da desnutrição, dependerá da capacidade da agricultura de responder ao grande desafio de garantir a produção de alimentos suficiente para uma população cada vez maior e mais rica, pelo menos em parte do planeta3. A tendência dos próximos anos é de crescimento da demanda por alimentos em função do crescimento da população, da urbanização e da renda per capita nos países em desenvolvimento.

Apesar da queda da taxa de crescimento da população mundial, o tamanho do incremento nos próximos anos será grande o suficiente par pressionar a produção agrícola. Segundo previsões das Nações Unidas, em 2030 a população mundial será de 8,3 bilhões de pessoas e em 2050 ela deverá ultrapassar os 9 bilhões de pessoas, o que significa um aumento de cerca de 50% do tamanho atual da população mundial. Quase 100% deste aumento da população mundial estará concentrado nos países em desenvolvimento e, como mostra a Figura 5, as regiões que apresentaram o pior desempenho em termos de crescimento da produção per capita de cereais entre 1961 e 2006 são as que terão as maiores taxas de crescimento populacional de 2006 a 2050. As regiões da África Oriental, da África Central e o Oeste da Ásia foram as regiões que entre 1961 e 2006 apresentaram redução da produção per capita de cereais e segundo as estimativas das Nações Unidas são as regiões que terão as maiores taxas de crescimento populacional nos próximos 40 anos.

1. Quase a metade da população em 2006 estava em regiões com elevada taxa de crescimento da renda per capita, como China e Índia.

Figura 5. Correlação entre o crescimento populacional esperado e a produção per capita de cereais

Fonte: elaboração própria, a partir de FAO (2008)

Além do crescimento populacional, há também uma tendência de aumentar a urbanização e a renda per capita nos países em desenvolvimento. Segundo as estimativas, a urbanização deverá atingir 70% da população mundial em 2050 (FAO, 2008). A renda per capita dos países em desenvolvimento, principalmente a de países populosos como China e Índia, será várias vezes superior a atual. Segundo estimativas da FAO (2009), para alimentar esta população mais numerosa, mais urbana e mais rica, a produção de alimentos deverá aumentar em 70%.

Apesar dos avanços tecnológicos e do crescimento sem precedentes da produção agrícola, os desafios de 50 anos atrás continuam, ou seja, a agricultura precisa novamente encontrar meios de aumentar a produção para atender uma demanda que provavelmente continuará crescendo por muitos anos. Mas diferentemente da situação dos anos 50 e 60, atualmente existem três agravantes. Primeiro, como foi visto na seção anterior, algumas regiões não obtiveram os êxitos necessários para erradicar a fome, a desnutrição e a

África Ocidental Oeste da Ásia África Oriental África Meredional África Central Europa Ocidental 0 50 100 150 200 250 300 0,00 50,00 100,00 150,00 200,00 250,00 P o p u la çã o e m 2 05 0 (2 00 6 = 10 0)

baixa produção per capita de alimentos, como algumas regiões da Ásia e a África Subsaariana. Assim, soma-se ao desafio de aumentar a produção para atender a demanda crescente no futuro o desafio atual de reduzir a desnutrição e a fome em regiões populosas e com baixo nível de produção per capita de alimentos.

Um segundo agravante do desafio atual da agricultura são as restrições cada vez maiores sobre os recursos naturais. No caso da terra existem duas restrições. Primeiro, o fato de que a urbanização reduz a cada ano a quantidade de terras disponível para a agricultura, uma vez que o crescimento dos centros urbanos aumenta a demanda de terras para atender outras necessidades humanas, como os espaços para residências, recreações e indústrias. Segundo, parte da terra disponível para a agricultura pode sofrer de diversas restrições de solo. Estima-se que entre 13 e 15% da área agrícola mundial sofra de algum tipo de restrição de solo, tais como riscos de erosão, elevada toxicidade e hidromorfia (BOT, NACHTERGAELE E YOUNG, 2000).

Outros recursos produtivos, como a água e os fertilizantes inorgânicos, também estão se tornando mais escassos e mais custosos. A água tornou-se recurso fundamental para a produção agrícola e durante a revolução verde os melhores resultados em termos de rendimento foram obtidos nas regiões com maior disponibilidade de água para irrigação. Entretanto, a água é um recurso natural que tende a sofrer cada vez mais restrições e ficar mais custoso. Na Ásia, onde a agricultura é muito dependente da irrigação, o preço da água vem aumentado de forma significativa desde os anos 80 em alguns países. No Paquistão, por exemplo, o seu preço dobrou entre 1980 e 1990 (ROSEGRANT, CAI & CLINE, 2002). O terceiro agravante é a questão energética. O crescimento populacional, junto com crescimento da urbanização e da renda per capita, também impulsionará a demanda por energia. O crescimento acelerado de países mega-populosos como China e Índia deverá causar um crescimento sem precedentes na demanda por energia. Segundo a International

Energy Agency (IEA), a demanda mundial por energia em 2030 será 50% maior do que a

demanda atual e China e Índia representaram quase metade desta demanda (IEA, 2007). Em função da escassez e dos efeitos ambientais negativos do uso dos combustíveis fósseis, é provável que as economias iniciem um processo de transição para sistemas energéticos mais seguros e com menores efeitos colaterais sobre o meio ambiente. Dentre as alternativas energéticas estão os bio-combustíveis, que apesar de ser uma fonte energética

mais “limpa”, pode aumentar a escassez de recursos naturais destinados para a produção de alimentos. O rápido crescimento da demanda de cultivos para a produção de biocombustíveis foi apontado pela FAO como uma das principais causas do aumento recente dos preços dos alimentos (FAO, 2008b).

O crescimento da demanda e as restrições sobre os recursos naturais fazem com que o aumento do rendimento por hectare continue sendo uma meta para a produção agrícola mundial. Mas ao contrário do que aconteceu nos anos 60 e 70, esta meta deverá ser perseguida sem negligenciar os demais indicadores de desempenho de um agro- ecossistema: a estabilidade, a sustentabilidade e a equitatividade. Embora a agricultura moderna tenha contribuído para o aumento da sustentabilidade e da estabilidade da produção em algumas regiões (BYERLEE, 1996), o seu principal objetivo foi o crescimento da produtividade (EVENSON & GOLLIN, 2003). Como podemos ver no Quadro 3, os impactos da modernização agrícola do século passado foi muito maior na produtividade do que nos demais indicadores. A superação dos desafios atuais, entretanto, exige um modelo de desenvolvimento agrícola mais equilibrado entre estes quatro indicadores (FAO, 2009; SMEDSHAUG, 2010).

Quadro 3. Indicadores de desempenho de agroecossistemas e os impactos da modernização agrícola

Indicadores de

Desempenho Conceito Contribuições da Modernização Agrícola

Produtividade

A produção por unidade de recurso utilizado

Maior rendimento, produção de cereais e suprimento de calorias per capita na maioria das regiões

Maior renda nas terras que adotaram as tecnologias modernas, com exceção nas terras de potencial inferior

Mais empregos e salários reais mais altos, com exceção onde a mecanização coincidiu com uma oferta crescente de mão-de-obra

Estabilidade

A constância da produtividade no ambiente

Maior variação nos rendimentos e na produção de algumas regiões, devido à ataques de pragas e patógenos ou à variação climática

Sustentabilidade A capacidade do agroecossistema de manter a produtividade quando sujeito a um estresse ou choque

Maior resistência a pragas e doenças, mas com novas irrupções graves em algumas culturas e aumento da mortandade por causa do uso de pesticidas

Maior dependência de fertilizantes inorgânicos nitrogenados, com riscos de restrições

Perda de estrutura do solo e de micronutrientes Maior toxicidade, encharcamento e salinidade do solo Riscos de danos causados por chuva ácida e

aquecimento global Equitatividade A uniformidade de distribuição do agroecossistema entre os beneficiários humanos

Benefícios desproporcionais para os donos de terras e fornecedores de insumos

Salários reais declinantes, aumento do desemprego e maior incidência de trabalhadores sem–terra em algumas regiões

Persistência de altos níveis de subnutrição e desnutrição crônica

Fonte: Elaborado a partir de CONWAY, 2003.

Para enfrentar todos os desafios será necessário ampliar a modernização agrícola4, não apenas no sentido geográfico, mas principalmente tecnológico, porque frente aos desafios, será necessário expandir a produtividade a uma taxa maior do que no passado e ao mesmo tempo ser sustentável, tanto do ponto de vista ambiental quanto do social (FAO, 2000).