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2 A Engenharia Genética e Agricultura

2.3 Os Impactos Observados dos Cultivos GM

2.3.2 Os Impactos Sociais e Ambientais

Com foi visto no capítulo anterior, para enfrentar os desafios do século XXI as novas tecnologias agrícolas precisam ter sustentabilidade social e ambiental. Elas precisam beneficiar também os agricultores mais pobres, principalmente os das regiões que apresentam vulnerabilidades de segurança alimentar e elevada incidência de desnutrição, com são os casos de diversas regiões da África, da Ásia e da América Latina. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias não podem ignorar os problemas ambientais. Elas precisam contribuir para a redução do desmatamento, redução da emissão de gases poluentes, redução da contaminação do solo e das águas e contribuir para a preservação da biodiversidade.

A engenharia genética, como visto nas seções anteriores, pode ajudar de diversas formas no desenvolvimento de tecnologias e práticas agrícolas mais sustentáveis, tanto do ponto de vista social quanto ambiental. O objetivo desta seção é mostrar que os cultivos GM produzidos atualmente, apesar de terem sido desenvolvidos com objetivos muito específicos, estão contribuindo para o desenvolvimento de práticas agrícolas mais sustentáveis (BROOKES & BARFOOT, 2006; TRIGO & CAP, 2006).

A maioria dos estudos realizados para avaliar os impactos dos cultivos GM focaram nos impactos sobre a unidade produtiva agrícola. São estudos que selecionam uma amostra de agricultores e avaliam os impactos da adoção de variedades GM sobre os custos de produção, sobre o rendimento por hectare e outras variáveis ligadas e eficiência produtiva. São poucos os estudos realizados para avaliar os impactos mais amplos dos cultivos GM, como por exemplo, os impactos sobre os demais stakeholders da cadeia produtiva, principalmente o consumidor final. Mas os poucos estudos realizados não corroboram a hipótese levantada por muitos críticos da dos cultivos GM de que eles não têm nenhuma contribuição sobre a sustentabilidade agrícola.

Os estudos realizados na Argentina e nos Estados Unidos, que são os dois países com maior taxa de difusão dos cultivos GM, mostram que as empresas privadas que desenvolvem e comercializam as sementes GM não os únicos e nem os principais stakeholders a serem beneficiados com elas. Mesmo pagando um preço maior pela semente GM, os agricultores são os principais beneficiados até o momento. A distribuição dos benefícios entre os agentes da cadeia produtiva – empresas que desenvolvem sementes, agricultores, empresas processadoras e consumidor final – é afetada pelas condições institucionais de cada país, mas em ambos os agricultores são os principais beneficiados (TRIGO, 2006; TRAXLER, 2005).

Também não há evidências de que os pequenos e médios agricultores estejam sendo marginalizados dos benefícios gerados pelos cultivos GM. Ao contrário de algumas tecnologias da revolução verde, as sementes GM não são intensivas em escala, o que facilita o seu uso pelos pequenos agricultores. Em diversos países em desenvolvimento e com grande incidência de pobreza rural, como Índia, China e África do Sul, os mais beneficiados com as sementes GM têm sido os pequenos agricultores (GÓMEZ- BARBERO 2006).

Os ganhos em termos de bem-estar foram significativos também nos países produtores de algodão, principalmente os países pobres, como é o caso da África do Sul e da China. Nestes países, os impactos da adoção do algodão Bt sobre o bem-estar foram importantes porque a redução dos custos variáveis e o aumento da produtividade coincidiram com um período de queda constante no nível do preço mundial. Entre 1994/95 e 2001/02, o preço da tonelada de algodão em pluma caiu de US$ 88 por tonelada para US$ 33 por tonelada. Apesar do aumento entre 2002 e 2003, o valor da tonelada do algodão no final de 2003 equivalia a 50% do valor de 1994/95 (GÓMEZ-BARBERO 2006).

Na África do Sul, a adoção do algodão Bt também beneficiou os pequenos agricultores. Cerca de 3000 pequenos agricultores produziam algodão na África do Sul em 2001. A taxa de adoção de algodão Bt entre estes produtores aumentou de 7% em 1998 para 90% em 2001/2002, enquanto que entre os grandes produtores, a taxa de adoção era de 75% em 2001/2002 (KIRSTEN et al, 2002).

Além dos benefícios financeiros, o uso de sementes GM tem apresentado outros impactos indiretos que tem efeitos sobre o bem-estar dos trabalhadores agrícolas. Por exemplo, o uso de variedades resistente a insetos tem um impacto sobre a saúde dos trabalhadores, uma vez que ao usar as plantas Bt eles têm menos contato com pesticidas. No caso da produção de milho, além da redução dos riscos de intoxicação e da redução das perdas causadas pelos insetos, o uso de variedades Bt melhora a qualidade do milho, porque elas reduzem a incidência de contaminação por toxinas que impedem que o milho seja usado para o consumo humano.

Com relação ao meio ambiente, os cultivos GM também estão apresentando impactos positivos. Como visto, os cultivos GM predominantes são os cultivos tolerantes a herbicidas e os resistentes a insetos. Os impactos ambientais dos cultivos GM estão associados com a significativa redução no uso de pesticidas. Como mostra a Figura 7, mesmo no caso dos cultivos tolerantes a herbicidas se observa uma redução no uso de pesticidas.

Figura 7. Redução no uso de pesticidas causadas pelo uso de cultivos GM na produção mundial em 2005.

Fonte: Elaborado a partir de BROOKES & BARFOT, 2006.

No caso dos cultivos resistentes a insetos os impactos ambientais ficam mais evidentes, uma vez que o uso de variedades Bt reduz o uso de inseticidas. O maior impacto ambiental do uso da tecnologia Bt foi no cultivo de algodão, cultura tradicionalmente intensiva em inseticidas. Estima-se que a produção de algodão absorva 25% de todos os praguicidas utilizados no mundo, incluindo alguns dos mais tóxicos. Nos anos 70 e 80, eram amplamente utilizados os hicrocarburos clorados, como o famoso DDT. No decorrer dos anos 80 estes produtos foram substituídos por outros, como os organofosfatos, que continuam sendo muito tóxicos na sua maioria (CONWAY, 2003).

O uso de pesticidas na produção de algodão nos países em desenvolvimentoé extremamente elevado. No Paquistão e na Índia, o cultivo do algodão, que utiliza respectivamente 5,4% e 14% das áreas agrícolas, é responsável por 70% e 53% do total de pesticidas consumido nestes países. Na África do Sul, o consumo de pesticida na produção de algodão é um dos mais elevados do mundo, chegando a 80% de todo o consumo de pesticida no país (HUANG et al, 2003).

218 94,5 51,4 36,5 28,6 7 0 50 100 150 200 250 Total Algodão resistente a insetos Soja tolerante a herbicidas Milho tolerante a herbicidas Algodão tolerante a herbicidas Milho Resistente a insetos M il t on e la da s

(HUANG, et al, 2003). O impacto sobre o meio ambiente da redução no uso de inseticidas neste país tem uma importância muito grande, já que a degradação ambiental intensificou muito nos últimos anos com o rápido processo de desenvolvimento econômico.

Na África, os impactos positivos sobre o meio ambiente com a introdução do algodão Bt foram significativos. Primeiro, porque em algumas regiões o uso de inseticida era muito intenso devido às altas incidências de pragas. Segundo, o fato de algumas regiões serem muito ricas em biodiversidade, fazia com o uso dos inseticidas fosse mais danoso do que em outras regiões do mundo (ELBEHRI & MACDONALD, 2005).

No caso dos cultivos tolerantes a herbicidas também há efeitos ambientais benéficos. A princípio, o fato de uma variedade vegetal ser tolerante a determinado herbicida pode causar um aumento do uso deste herbicida e aumentar os danos ambientais. Mas no caso da soja tolerante a glifosato não é isso que ocorre. Ao usar apenas um tipo específico de herbicida, os agricultores deixam de fazer aplicações de outros tipos de herbicidas. Nos Estados Unidos, o maior produtor mundial de soja e onde a taxa de difusão da soja TH é quase 100%, o número de aplicações de herbicidas reduziu de seis para uma aplicação por safra.

Além da redução da quantidade total de herbicidas utilizada, a soja TH apresenta uma outra vantagem sobre a soja convencional, porque, segundo a Organização Mundial da Saúde, o glifosato pertence ao grupo de herbicidas de toxicidade classe IV, ou aqueles que possuem graus de toxicidade quase nulos. Assim, ao plantar sementes TH os agricultores deixam de aplicar herbicidas com graus de toxidades mais elevados. Na Argentina, por exemplo, houve uma redução de 83% na quantidade utilizada de herbicidas de toxicidade classe II e de 100% nos herbicidas de classe III14 (QAIM & TRAXLER, 2004).

O consumo menor de pesticidas tem um impacto secundário, mas não menos importante. As aplicações de herbicidas e inseticidas são feitas com o uso de máquinas, que por sua vez demanda a queima de combustíveis. Segundo CONWAY (2003), “a agricultura está se tornando um importante contribuinte para a poluição regional e global, produzindo níveis expressivos de metano, dióxido de carbono e óxido nitroso”. Os estudos realizados até o momento para medir os impactos ambientais dos cultivos GM mostram que houve

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Quando os agricultores utilizam diversos tipos de herbicidas para combater as pragas, eles fazem m isturas de herbicidas diferentes, o que aumenta os riscos tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente, porque misturados de forma aleatória eles podem apresentar efeitos imprevisíveis.

redução de emissão e um maior seqüestro de gás carbônico resultantes de um menor uso de combustíveis (BROOKES & BARFOOT, 2006).

Outros benefícios ambientais dos cultivos GM estão relacionados com a adoção de práticas mais amigáveis ao meio ambiente, como é o caso do plantio direto. O uso de soja tolerante a herbicidas na Argentina, por exemplo, favoreceu o uso do plantio direto. Esta prática, que dispensa o uso do arado, reduz a erosão do solo e permite uma maior contenção de água no solo (TRIGO & CAP, 2006).

2.4 A

Abrangência

e

a Importância

dos