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1.2. O Turismo e o Nacionalismo num Contexto Internacional

1.2.3. A Espanha

A Espanha, tal como outros exemplos abordados em subcapítulos anteriores, terá tido um percurso de promoção do regime muito similar a outros países fascistas. Franco soube como usar todos os meios ao seu dispor para divulgar a sua ideologia e, rapidamente, perceber que o turismo não era uma atividade desprezível. Foi, então, levado a cabo um tipo de propaganda onde os valores nacionais constituem a base para o turismo.

Propaganda é uma das palavras-chave do turismo moderno. A sua importância política e estratégica tornou-se evidente nos anos 20, quando os principais destinos turísticos europeus, como, por exemplo, a Suíça, a França e a Itália, descobriram, nesta área, um forte motor económico, político e social para a reconstrução após a Primeira Guerra Mundial. O turismo começou, então, a ser considerado como um “assunto de Estado”. Entre 1938 e 1956, as agências de viagens tiveram de adaptar-se às políticas institucionais e às necessidades sociais do momento: primeiro, foi o intervencionismo jurídico e administrativo; e quando as fronteiras internacionais encerraram, o turismo foi a única janela aberta para o mundo e o único setor capaz de alavancar a economia espanhola e estimular um desejo de conhecer um país de que todos falavam, mas sobre o qual havia referências contraditórias122.

A promoção da história e monumentos, como meio de criar as suas comunidades imaginadas, foram uma estratégia espanhola e o turismo internacional nunca foi totalmente esquecido durante a Guerra Civil de Espanha. Sob a liderança do Generalíssimo Francisco Franco, a zona nacionalista começou por oferecer passeios a locais de batalha e outros santuários nacionalistas. Os esforços de coordenação recaíram sobre Luís A. Bolin, que tinha trabalhado com a imprensa de ligação nacionalista durante os estádios iniciais da guerra. As suas operações de turismo foram, em grande parte, uma extensão das suas atividades com jornalistas estrangeiros, agora aplicadas a um público mais amplo. Após a vitória militar de Franco, as Rutas de Guerra tornaram-se em Rutas Nacionales. Eram organizadas excursões de autocarro para muitas das cidades históricas de Espanha, sendo, assim, promovidas visitas a monumentos e regiões cénicas até ao fim da ditadura. Além disso, a Guerra Civil proporcionou um renascimento do culto de São Tiago Apóstolo, santo patrono de Espanha, resultando no surgimento de “peregrinos-turistas” que vêm a pé, de autocarro, de carro, e até mesmo por via

122 Correyero, Beatriz (2014), “La propaganda turística y la política turística española durante el

franquismo… cuando el turismo no aún era de masas”, comunicação apresentada nas I Jornadas sobre Historia del Turismo. El Mediterráneo Mucho Más que Sol y Playa (1900-2010), Menorca, p. 2.

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aérea, para o Santuário em Santiago de Compostela. Em contraste com outras peregrinações, o público que visitava Santiago de Compostela não era peregrino nem praticava turismo religioso, mas, sim, turismo de lazer, realizado para o bem do espetáculo e da experiência pessoal, ao invés da cura e salvação. Nos anos 60, a peregrinação a Santiago de Compostela tinha-se tornado num evento anual, atraindo nacionais e estrangeiros na ordem das centenas de milhares de visitantes123. A viagem de comemoração dá lugar ao itinerário predefinido. São estes itinerários em que o viajante reproduz as etapas e as experiências de uma viagem que foi fundadora da identidade nacional.

No entanto, apesar do seu ativismo, o Estado Novo de Franco nunca iria conseguir o controlo sobre a indústria do turismo, que se mostrou excecionalmente resistente à gestão industrial central que caracteriza a política económica espanhola na década de 1940. O governo franquista esperava, inicialmente, que fosse de outra forma. Quando o turismo internacional retomou na Europa após 1945, o regime proibiu as empresas de viagens do estrangeiro de contratar diretamente com os hotéis espanhóis e serviços de transportes privados. Em vez disso, a lei obrigava-os a contratar agências de viagens espanholas, devidamente licenciadas, para mediar todos os intercâmbios. Do ponto de vista franquista, este sistema oferecia várias vantagens: garantia que todas as taxas fossem pagas em moeda estrangeira, algo de que o regime precisava desesperadamente; protegia a indústria de pequenos agentes de viagens de serem oprimidos por grandes agências estrangeiras; canalizava grupos de turistas estrangeiros para regiões e empresas de turismo que eram leais ao regime; permitia que os agentes de viagens pudessem orientar excursões de estrangeiros para lugares longe dos graves danos de guerra; e, por último, permitia também o controlo de identidade e origem dos turistas e, por outro lado, limitava os seus contactos dentro de Espanha.

Para alguns ideólogos, esta receita nacional corporativista entrou em confronto com as realidades emergentes do turismo internacional. As primeiras agências de viagens a mostrar interesse em Espanha foram as britânicas e as norte-americanas. Estas exigiam procedimentos mais ligeiros relativamente às fronteiras, liberdade de movimentos dentro de Espanha e para lidar diretamente com os hotéis e empresas de transporte, bem como taxas de câmbio razoáveis. Nas palavras de um representante comercial britânico, a lei espanhola deveria ser adaptada para permitir que um turista com a empresa Cook, ou qualquer outro agente de viagens, pudesse proceder a uma reserva da mesma forma como quando ia para França ou para a Suíça. O sistema

123Pack, Sasha D. (2008), Tourism, Modernisation, and Difference: A Twentieth-Century Spanish

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deixava pouco espaço para turistas independentes que chegavam a Espanha de comboio, carro, navio ou avião. Encontravam filas enormes de espera, eram alvo de desconfiança e eram “obrigados” a converter quantidades elevadas de moeda estrangeira em pesetas espanholas a taxas de câmbio inflacionadas124.

Apesar das grandes barreiras para viajar livremente em Espanha, turistas e agentes de viagens mostraram interesse neste país, no seu extenso litoral, preços baixos, e vontade de o descobrir. Avanços na aviação durante a guerra e um novo grupo de pilotos experientes fizeram dos voos para o sol do Mediterrâneo um sonho possível para muitos europeus. A garantia de sol em Espanha, praticamente ininterrupto, apelou a uma classe emergente de turistas britânicos, em resultado do alargamento do regime de férias pagas aos trabalhadores manuais e do período dessas férias. Empresas de viagens britânicas começaram a convidar hotéis da Catalunha e de Maiorca que estivessem dispostos a oferecer taxas reduzidas em troca de garantias de empréstimos de negócio e um fluxo constante de clientela. Em 1950, várias empresas britânicas possuíam contratos diretos com hoteleiros espanhóis, em flagrante desrespeito pela lei espanhola.

As duas décadas que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial constituíram o momento oportuno para estabelecer Espanha como um importante destino turístico. O litoral espanhol tinha algumas vantagens competitivas quando comparado com resorts do Mediterrâneo mais antigos e mais caros de França e de Itália. Ao mesmo tempo, outros potenciais concorrentes permaneceram fechados ao turismo: Grécia e Jugoslávia demoraram algum tempo a recuperar das suas guerras civis de meados e finais dos anos 40. Foi também neste período que o problema da distância foi resolvido com o advento do serviço de transporte aéreo de passageiros populares. Os passageiros das regiões mais ricas e climaticamente lúgubres da Europa podiam, agora, chegar ao ensolarado Mediterrâneo em poucas horas. A operação de voos charter tornou-se, nas palavras de um executivo de companhias aéreas, um caso de produção em massa e o custo das férias caiu vertiginosamente para os consumidores europeus.

Após a Segunda Guerra Mundial, Espanha não iria perder totalmente essa onda de liberalização e integração dos finais dos anos 50. Aumentos anuais de turismo foram constantes ao longo desta década e, embora o fenómeno não fosse tão visível para o público em geral, foi bastante compreendido pelos economistas. Em 1954, o governo explorava a possibilidade de que as receitas do turismo pudessem neutralizar Espanha do seu debilitante défice comercial.

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Um grande obstáculo era a existência de um mercado negro para a aquisição da moeda espanhola. As agências de viagens estrangeiras, principalmente as britânicas, começavam a adquirir moeda a preços moderados, e muito abaixo da taxa de câmbio turística que estaria em vigor. É possível que metade da receita turística em Espanha, em 1954, tenha chegado através destes canais. Nos anos de 1957 e 1958, as estatísticas oficiais revelavam uma situação paradoxal: as receitas de turismo caíam de forma dramática, enquanto o número de turistas internacionais continuava a aumentar e a duração da estadia permanecia sem grandes alterações. O governo e as entidades oficiais tinham conhecimento desta prática, sendo que monitorizavam a discrepância entre o mercado negro e os valores de taxas de câmbio oficiais. O embaixador britânico reconhece que, em 1958, “de forma crescente, moeda espanhola está a ser adquirida a taxas não oficiais fora da Espanha”125.

Entretanto, o país sofria uma crise inflacionária e as reservas em moeda estrangeira foram-se esgotando. A desvalorização geral, em 1959, foi necessária para estabilizar a peseta e eliminar o mercado negro, e a promessa de aumento das receitas do turismo, como resultado, suavizou a dor de um tal plano. Por outro lado, a moeda espanhola acompanhava a desvalorização da libra britânica, mantendo preços competitivos para as férias dos turistas deste país. Esta desvalorização de 1959 coincidiu ainda com a liberalização do pacote turístico com a utilização de voos charter na maior parte dos países ocidentais, o que, consequentemente, lançou uma segunda fase de aceleração na Europa, em particular na economia espanhola. Isso catapultou a Espanha, ultrapassando a França no número de turistas estrangeiros, em 1960, e a Itália, em 1964. Ao longo dos anos 60, o turismo alargava-se a novas zonas costeiras em torno de Málaga, Alicante, Ilhas Canárias e a rota de peregrinação a Santiago de Compostela. A receita turística forneceu também a garantia mais importante para a obtenção de empréstimos junto ao Banco Mundial e outras agências internacionais para financiar o rápido desenvolvimento da década.

O aspeto coletivo do turismo popular britânico teve consequências importantes no desenvolvimento da indústria hoteleira espanhola. Agentes britânicos juntavam-se com hotéis e ofereciam descontos a organizadores de viagens em troca de garantias de reserva. As leis que exigiam a utilização de agentes de viagens espanhóis para mediar o processo eram frequentemente ignoradas. Os pedidos do governo aos hoteleiros para apoiarem o esquema nacional corporativista e proteger a peseta de livre troca eram pouco eficazes. O regime não tinha a máquina burocrática necessária para a fiscalização e aplicação de punições. Inspetores

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do governo estacionados nos centros turísticos emergentes da Catalunha e Baleares tendiam a ser capturados pelos interesses das empresas locais, cortando com as ideologias obsoletas do Estado. Manter o dirigismo central era uma preocupação menor em detrimento de atrair o investimento estrangeiro para o desenvolvimento do turismo costeiro. O papel espanhol na economia do turismo europeu do pós-guerra, como recetor em vez de fornecedor, foi, assim, cimentado. Com poucas exceções, os agentes de viagens espanhóis seriam relegados para a posição incipiente de organização de excursões locais ad hoc para os turistas interessados126.

Deste modo, a importância do turismo internacional em Espanha exerceu uma influência importante nas contas externas da economia, que estava com dificuldades desde os anos 20. Em termos de política setorial, esta surge quando as autoridades reconhecem a sua importância, o que aconteceu no ano de 1905. Numa primeira fase, que se estende de 1905 a 1936, o turismo foi concebido como uma atividade para fomentar o potencial económico, e foi integrado no Ministério do Fomento, com vista a atrair o mercado externo. A criação de um organismo autónomo para executar a política turística, em 1928, resulta da atenção dada por parte do Estado a esta área127.

Podemos considerar um segundo período, durante a ditadura de Franco, que se estende de 1939 a 1951. O turismo foi incorporado, através da Direção-Geral de Turismo, no Ministério

da Gobernación. Neste, como em outros aspetos, o primeiro franquismo foi um passo atrás, ao

vincular organicamente uma atividade económica como o turismo a este ministério. Na verdade, a propaganda política, no que diz respeito à projeção externa de Espanha e de legitimação da excelência do país e do regime, está na base da definição de uma política turística. Isto explica que, em 1951, se criasse um ministério ad hoc, designado de Ministério da Informação e Turismo (MIT), extinto em 1976. Neste período, encontramos algumas características de continuidade comuns ao primeiro terço do século XX. Uma é a sua ligação à propaganda política e controlo da opinião por parte do regime128. A programação de rotas turísticas da Guerra, em 1938, destacou-se dentro da política de propaganda.

126 Para leitura adicional sobre a História de Turismo da Espanha, ver: Moreno, Garrido A. (2007),

Historia del Turismo en España en el Siglo XX, Madrid, Síntesis; Bañón, F. (dir.) (1999), 50 Años del Turismo Español: un Análisis Histórico y Estructural, Madrid, Centro de estudios Ramón Areces; Correyero, B. e R. Cal (2008), Turismo: La Mayor Propaganda de Estado. España: desde sus Inicios hasta 1951, Madrid, Visionnet.

127Pousada, Rafael Vallejo (2002), “Economía e Historia del Turismo Español del siglo XX”, Historia

Contemporánea, 25, Universidad de Vigo, p. 225.

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Um terceiro período da política de turismo em Espanha estende-se de 1951, ano em que o MIT é criado, até 1962, data de recomposição do governo (o terceiro de Franco), e pretendeu conquistar o caminho tecnocrático da política do regime e iniciar o planeamento dos Planos Desenvolvimento, onde a política de turismo se integra. A década de 1950 foi, para o turismo como para outras áreas económicas, um momento em que se viu levado a cabo o Plano de Estabilização de 1959, bem como a assinatura de vários protocolos com os EUA e outros organismos internacionais. A política turística teve como vantagens, durante este período, mais facilidades na atribuição de vistos, o estabelecimento de um câmbio turístico mais favorável, a adesão de Espanha a vários convénios internacionais e a concessão de empréstimos a longo prazo para a construção de hotéis129.

Assim, o governo de Franco percebeu que o turismo era a chave para o crescimento económico e uma forma de melhorar a imagem que Espanha tinha no estrangeiro. O caso Espanhol mostra como o modelo político de turismo controlado do franquismo acabou por ser subvertido pela explosão do mercado de visitantes e pela experiência transnacional do turismo, assente na mobilidade, na liberdade de escolha, na prevalência do visitante individual e na multiplicação dos locais de destino130.

Para concluir, o turismo foi usado como um instrumento de propaganda do Estado para legitimar o regime de Franco. As agências de turismo, primeiro o Serviço Nacional de Turismo e, posteriormente, a Direcção-Geral do Turismo, liderada por Luís Antonio Bolín, foram capazes de se adaptar às políticas de promoção turística institucionais e às necessidades sociais do momento. Desde a implantação da ditadura, o Estado tentou centralizar o turismo, através de um quadro jurídico e administrativo claramente intervencionista; prova disso são as inúmeras iniciativas legislativas que saíram durante este período. No entanto, nos anos de isolamento internacional (1946-1950), o regime percebeu que o turismo se tornou a única janela aberta para o mundo. O setor poderia alavancar a economia espanhola ao retornar uma imagem do país tão poderosa que resultaria num reconhecimento político internacional.

129Pousada, Rafael Vallejo (2002), “Economía e Historia del Turismo Español del siglo XX”, Historia

Contemporánea, 25, Universidad de Vigo, pp. 203-231.

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