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Caracterização e Perfil do Diretor de uma Casa de Portugal e Outro Pessoal

De modo a que uma Casa de Portugal pudesse maximizar os seus resultados, a escolha adequada do seu diretor e restante equipa era uma decisão que deveria reger-se por um conjunto de premissas. A nomeação do gerente era feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, mediante contrato de dois anos, que poderia ser sucessivamente renovado por igual prazo. A nomeação do restante pessoal será feita pelo conselho de gerência sob proposta do gerente375. Após a transferência da gestão das Casas de Portugal para o SNI, a nomeação do diretor e chefes de serviço seriam contratados mediante proposta do SNI e despacho da Presidência do Conselho376.

Acima de tudo, o diretor da Casa de Portugal era um relações públicas, um indivíduo com um conhecimento profundo nas disciplinas de etiqueta e protocolo, bem como alguém que teria, à partida, um relacionamento fácil junto dos principais líderes de opinião da área geográfica onde estivesse a cumprir a sua missão. Deveria, tanto em serviço como fora dele, portar-se com a maior correção, em harmonia com o prestígio nacional e o bom nome da casa de Portugal377. Não teria horário fixo de trabalho e deveria estar pronto para exercer funções de

representação a qualquer momento. De acordo com os vários regulamentos internos das Casas de Portugal, competia ao diretor, naturalmente, encarregar-se da administração geral da mesma, o que exigia experiência comprovada nas áreas de gestão turística e comercial. Seria de todo o interesse selecionar um candidato que ocupasse uma posição social relevante e que falasse e escrevesse fluentemente a língua do país onde estivesse a exercer funções. A sua capacidade para proferir discursos teria de ser eloquente e a sua facilidade de estabelecer contactos ou simpatias com várias entidades ou pessoas individuais, reconhecidamente interessantes, era uma obrigação permanente.

Competia ainda ao diretor da Casa de Portugal a prestação de contas ao Conselho de Gerência e a proposta ao mesmo das providências que entendesse necessárias para o melhor funcionamento da instituição, especificamente a compra de publicações e do material que julgasse indispensáveis para a eficiência dos serviços. Seria sua incumbência comunicar ao MNE, até 1953, e ao SNI, a partir dessa data, as modificações que se fossem operando no local

375 Diário do Governo, Decreto-Lei n.º 30:030, de 6 de novembro de 1939, Artigo 19.º.

376Diário do Governo, Decreto-Lei n.º 15:537, 30 de março de 1955, I Série, n.º 70.

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onde estivesse a operar uma Casa de Portugal e que pudessem interessar à realidade e atualidade nacional378. As Casas de Portugal mantinham estreito contacto e colaboração com os órgãos da representação diplomática e consular, de harmonia com as diretrizes gerais destinadas aos organismos portugueses nos respetivos países. Os diretores das Casas de Portugal eram considerados, e inseridos hierarquicamente, como adidos comerciais das respetivas Embaixadas ou Legações. Quando, nas Casas de Portugal, houvesse secção comercial, o seu chefe seria considerado como tendo uma categoria similar à de adido comercial adjunto. Há, pois, uma tentativa de equiparar a posição destes organismos com as posições da carreira diplomática.

Outras funções mais específicas incluíam a comunicação às corporações económicas das modificações que se fossem operando no mercado onde estava localizada a Casa e que pudessem interessar ao comércio português; organizar os balancetes mensais das despesas feitas e receitas cobradas para serem aprovados pela comissão executiva, os quais seriam remetidos ao MNE. Era sua tarefa receber e abrir a correspondência, distribuindo-a pelo pessoal da Casa de Portugal, bem como assinar os recibos de anúncios, reclames, exposição de amostras ou quaisquer outros; organizar a contabilidade da Casa de Portugal, ficando solidário na respetiva responsabilidade, se esta fosse confiada a outra pessoa. Deveria ainda cuidar da boa ordem dos serviços, manter atualizada a sua documentação e propor à comissão executiva a compra de todas as publicações e material que julgasse indispensáveis para o bom andamento dos serviços

379.

A título exemplificativo, analisamos, de seguida, um Curriculum Vitae recebido no MNE, em 1940, para cargo de diretor da Casa de Portugal em Londres, traduzindo de forma prática, as características exigidas para a função. O candidato, José Lino, contava com o seguinte currículo:

Entrou como aluno na Saint James Commercial Academy em Slihg – Inglaterra onde fez o curso do College of Preceptors. De então para cá, a prática constante da língua inglesa, tanto falada como escrita, tem-lhe conservado a maior facilidade de expressão. Foi depois sócio-gerente da firma J. Lino, empresa de madeiras e outros materiais de construção, telha e tijolo, ladrilhos, mosaicos, azulejos, etc. Mais tarde, foi gerente da firma, João de Britto,

378 Diário do Governo, Decreto-Lei n.º 30:030, de 6 de novembro de 1939, Artigo 18.º.

379 O gerente da Casa de Portugal terá a remuneração mensal de 50 libras esterlinas, correspondente à

anuidade de 600 libras esterlinas, ou em moeda corrente portuguesa 66.000 escudos, ao câmbio oficial de 110 escudos por cada libra (Diário do Governo, Decreto-Lei n.º 20:325, 19 de setembro de 1931, I Série, n.º 17, artigo 28.º).

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Lda., e diretor da Companhia Industrial de Portugal e Colónias, com intervenção nas indústrias de moagem, comércio de arroz, cereais exóticos, nacionais e africanos, fermentos, bolachas, pão. [...] estabeleceu-se por sua conta com negócio de algodões, comissões, consignações e representações de casas de primeira ordem, entre elas a Skoda de Praga. Está agora a ocupar o lugar de diretor do Anuário Comercial – Secção Artes Gráficas. Na linha turística, foi vinte anos diretor e tesoureiro do então Real Automóvel Club de Portugal, depois Automóvel Club de Portugal. Foi ainda Diretor da Sociedade Propaganda de Portugal e vogal de comissão de hotéis da mesma sociedade. Em relação a cargos públicos: Vereador da Câmara Municipal de Lisboa; Presidente da Comissão de Iniciativa do Concelho de Cascais; 2.º Secretário do Congresso Internacional de Turismo; Delegado ao Congresso Internacional de Turismo, em Espanha. Foi condecorado com grau de cavaleiro de Isabel, a Católica. Em relação à sua vida particular, decorreu sempre entre a melhor sociedade. Foi assíduo frequentador de Embaixadas e Legações. No parecer do signatário, o seu modo de ser tem sido vivido na prática de todas aquelas atividades [sic] que podem ser úteis no exercício do lugar agora apetecido380.

A acrescentar a esta descrição de perfil, e ainda de forma exemplificativa, detalha-se a biografia do primeiro diretor da Casa de Portugal em Nova Iorque como forma de atestar a importância do seu percurso para o desempenho do cargo:

“O Sr. Saavedra de Figueiredo é, pois, digno dos maiores louvores; a sua incontestável competência, a grande experiência adquirida nos diversos países onde estudou e particularmente no meio comercial dos Estados Unidos, colocam-no na situação de poder assumir a direção de quaisquer organismos ou empreendimentos de responsabilidade e importância que tenham por fim assegurar o triunfo e o desideratum [sic] desejados, no que a propaganda do nosso país digam respeito, posto que poucos, como ele, são dotados da cultura e energia precisas para afrontar os mais complicados problemas na hora dos supremos imprevistos e eminentes dificuldades. O Capitão Saavedra de Figueiredo provou sobejamente durante a participação de Portugal na New York World's Fair, quanto vale e pôde, razão porque estamos inteiramente convencidos de que no futuro há-de [sic] confirmar estas verídicas e conscienciosas asserções381.

380 Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Processo 436.41,

Repartição das Questões Económicas, diversos 1936-1944, Ordem de Serviço n.º 515, 13 de abril de 1940.

381Jornal luso-americano Diário de Notícias, editorial “A Comissão de Compras na América”, 29 de

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Podemos, aqui, verificar alguns aspetos importantes na escolha de um diretor para a Casa de Portugal. As competências sociais, bem como a colaboração política com o Estado Novo, eram consideradas mais importantes do que, propriamente, as competências académicas. Criar laços de amizade entre Portugal e o país onde estava instalada a Casa de Portugal, bem como facilitar as relações económicas e a promoção eram consideradas prioridades nas várias funções que o diretor de uma instituição deste género teria, obrigatoriamente, de exercer.

Transcrevemos uma carta datada de 1938, onde é possível verificar a sensibilidade e atitudes esperadas de um diretor, bem como o tipo de ações que este teria de levar a cabo:

A verba destinada a representação, e que será utilizada na secção de turismo a obsequiar colegas meus, diretores de organismos, como caminhos-de-ferro, vapores, agências de viagens, etc, encontro bastantes dificuldades em justificá-las com recibos, ou mesmo facturas [sic], como se depreende da respetiva inscrição, por se tratar de almoços, presentes, recepções [sic] em minha casa ou outras despezas [sic] que além da dificuldade de obter contas, ficaria mal pedi-las ou arrecadá-las. Posso, todavia, assegurar a V. Exa, que essa subvenção será empregada quasi [sic] inteiramente para êsse [sic] fim382.

Por vezes, nem sempre o trabalho era levado a cabo com a diligência e competência requeridas. Transcrevemos um comentário de uma personalidade portuguesa, com ligações nos EUA, que acabara de regressar deste país, e que tecia comentários pouco abonatórios ao então diretor da Casa de Portugal em Nova Iorque:

É diretor da Casa de Portugal o Comandante José Cabral, antigo representante da TWA em Portugal. É casado com uma americana e os seus dois filhos – um julga-se, já falecido – foram oficiais de exército…norte americano. Esta situação causa séria admiração em Nova Iorque, pois não é compreendida. Além disso, a sua idade já não é compatível com uma ação constante que dela se deveria exigir. Vive fora de Nova Iorque, ou melhor, de Manhattan – o que significa que às 17 horas toma o comboio e vai para casa. Tem no seu gabinete e em cabide bem em evidência…o smoking pendurado para o envergar se, por acaso, tem de sair à noite. Os seus discursos são sempre iguais: os pioneiros em África, a descoberta do Brasil, Sacadura Cabral e Gago Coutinho. No aspecto [sic] de informação da atividade da Casa de Portugal é zero. É possível que sirva o turismo. Mas nesse setor e

382 Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Processo 436.41,

Repartição das Questões Económicas, diversos 1936-1944, ofício 6/39, 14 de fevereiro de 1938, da Casa de Portugal de Londres ao MNE.

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segundo o que chegou ao conhecimento destes serviços, pouco faz. Importantes personalidades norte-americanas, verdadeiros amigos do nosso país, lamentam esta situação que parece não ter remédio, pois prolonga-se há já alguns anos.

Este comentário é revelador da importância das funções de um diretor, da sua postura e das exigências que este cargo requeria. Embora a avaliação não tenha sido de todo positiva, é indicativa de como seria um dia na vida de um diretor, bem como a disponibilidade exigida. Esta carta revela ainda uma burocratização excessiva em relação à atividade do diretor, mostrando também uma acentuada falta de iniciativa e criatividade, duas características essenciais. Do ponto de vista do regime, o posto deveria transcender as funções estritas do funcionalismo público, devendo ser encarado como uma missão para com o país, para com a nação, algo que não se verificava neste caso em particular.

Partindo, de seguida, para uma análise do restante pessoal que integrava a Casa de Portugal, a sua nomeação era feita pelo Conselho de Gerência sob proposta do diretor383. Dentro da estrutura da Casa de Portugal, poderiam ser nomeados responsáveis de setores específicos, como é o caso da direção do setor comercial ou do setor turístico. As características de um gerente ou responsável setorial seriam idênticas às de um diretor, com enfase a nível de experiência nas áreas onde se encontravam a desenvolver a sua atividade.

As secretárias ou escriturárias, por exemplo, teriam, idealmente, de apresentar um aspeto físico encantador, isto é, serem “bonitas”, pois teriam de representar Portugal em vários eventos, muitas vezes em trajes regionais, promovendo as várias regiões e identidades do país, e acompanhariam o diretor da Casa de Portugal a vários eventos. Teriam de falar a onde estivessem a trabalhar, uma condição obrigatória a verificar aquando da sua contratação. De acordo com carta enviada, em 1938, ao MNE, solicitando a contratação de uma “empregada”, o diretor anuncia:

Precisarei de uma funcionária portugueza [sic], respeitável, que saiba bem inglês, e que poderá ser contratada pela remuneração de £3.10s, por semana. Esta empregada centralizará os serviços que forem pedidos, para serem atendidas pelos funcionários da Casa de Portugal, na medida do possível, ou por consulta direta aos delegados privativos, quando os houver, ou ainda escrevendo às sedes384.

383 Diário do Governo, Decreto-Lei n.º 30:030, de 6 de novembro de 1939, Artigo 16.º.

384 Arquivo Histórico Diplomático do MNE, Processo 436.41, Repartição das Questões Económicas,

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Várias regras regiam o pessoal trabalhador de uma Casa de Portugal. De acordo com o Regulamento da Casa de Portugal em Londres, o pessoal era obrigado a apresentar-se ao serviço todos os dias úteis, das 10 às 13 e das 14 às 18 horas, com exceção dos sábados, em que seriam dispensados a partir das 13 horas385. Era expressamente proibido ao pessoal receber visitas de pessoas estranhas à Casa de Portugal386. Deveriam, tanto em serviço, como fora dele, portar-se com a maior correção387. Seria considerada como falta muito grave, cujo castigo poderia ir até à demissão imediata, qualquer indiscrição cometida por empregados388. Estava patente um livro em que os visitantes e pessoas que recorressem à Casa de Portugal inscreveriam o seu parecer sobre a qualidade dos serviços prestados pela mesma. O gerente examinava, todos os dias, este livro, comunicando ao presidente da comissão executiva os pareceres mais importantes389.

Na área dos recursos humanos, e como forma exemplificativa da Casa de Portugal em Paris, em 1957, existam os seguintes funcionários e estrutura hierárquica: o Serviço de Informação e Turismo e os Serviços Comerciais. No primeiro serviço, a Casa de Portugal contava com um encarregado de serviços, dois oficiais, um assistente de turismo, um datilógrafo, um telefonista, um contínuo e um contínuo auxiliar. Nos Serviços Comerciais, contava-se com um encarregado de serviços e um oficial390.

Em conclusão, podemos confirmar, através da análise de vários documentos, a importância das funções de um diretor, bem como dos restantes funcionários que ocupavam lugares nestas Casas. Todos os funcionários que integravam a equipa da Casa de Portugal deveriam representar, em todas as circunstâncias, o bom nome de Portugal através de várias formas, pois deveriam ser elementos respeitáveis e reputados na sociedade do país onde estava localizada a Casa de Portugal. Na lista de competências para recrutamento percebe-se a importância de qualidades informais e de competências sociais em sentido lato relativamente à formação curricular propriamente dita. Cada funcionário é visto, em parte, como um embaixador. A vertente de relações públicas era incontornável para possibilitar a criação de uma boa imagem de Portugal no estrangeiro. Não bastava a informação impressa, as exposições,

385 Diário do Governo, Decreto-Lei n.º 20:325, de 19 de setembro de 1931, Regulamento da Casa de

Portugal em Londres, Artigo 19.º.

386 Idem. Artigo 21.º.

387 Idem. Artigo 22.º. Único – a falta de cumprimento do disposto neste artigo será considerada como

falta grave, que poderá ser castigada até com a demissão.

388 Idem. Artigo 23.º. 389 Idem. Artigo 24.º.

390 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Fundo SNI, Caixa 525, Correspondência Casa de

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a organização de eventos ou até os produtos portugueses de excelência. Há um elemento fundamental e agregador para construir a imagem da nação: o elemento humano. Esse elo ligava toda a estratégia desenhada para o estrangeiro. E o seu sucesso dependia da forma como esta missão era desempenhada.

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