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1.2. O Turismo e o Nacionalismo num Contexto Internacional

1.2.2. A Itália

Este subcapítulo tem como objetivo tentar compreender a importância do turismo para a promoção da imagem italiana no estrangeiro. De acordo com Richard Bosworth, durante um século, entre 1860 e 1960, um dos serviços de Itália mais rentáveis e, certamente, aquele com o maior número de trabalhadores, era o do turismo. Do século XVII em diante, o turismo teve um papel cada vez mais significativo na vida económica e social de um conjunto de cidades e estados italianos109.

Em 1840, o transporte ferroviário foi introduzido em alguns estados italianos, possibilitando a um número alargado de pessoas deslocar-se por motivos de lazer. Lugares como Veneza e Sicília permaneciam a principal atração. Os primeiros resorts junto ao mar, como os da costa da Ligúria, bem como aqueles em torno de Veneza, litoral da Toscana e Costa Amalfitana, tornaram-se populares. Grandes hotéis e resorts de férias começaram a ser construídos e ilhas como Capri, Ischia, Procida e Elba começaram a ser muito procuradas por estrangeiros ricos e por académicos. Em 1913, o turismo foi transformado numa oportunidade e o país recebia cerca de 90.000 visitantes britânicos, devido às suas características naturais e históricas. A Secretaria de Turismo Italiana foi criada em 1919 e tinha como objetivo reunir diferentes dados e informações, a fim de apresentar uma proposta legislativa que iria ajudar a promover o turismo interno e o turismo internacional.

O turismo em Itália manteve-se muito popular até ao final de 1920 e início dos anos 30, quando, com a Grande Depressão e a crise económica, a diminuta capacidade financeira da população resultou na estagnação dos fluxos turísticos. A crescente instabilidade política fez com que cada vez menos turistas se deslocassem. Com o impacto da Grande Depressão, em 1929, a incerteza económica e política entre os dois mundos foi a principal razão pelo qual o governo nacional da Itália apostou na promoção do desenvolvimento turístico.

Em 1931, Mussolini pronunciou publicamente o turismo como um dos quatro caminhos para a prosperidade. Para Bosworth, este setor passou a ser considerado a segunda indústria mais importante (depois da agricultura), e acreditava-se que continha um potencial significativo para uma maior expansão. O desenvolvimento da indústria do turismo foi, assim, reconhecido como um assunto de grande importância nos mais altos níveis do governo110.

109 Bosworth, R. J. B. (1993), Italy and the Wider World 1860-1960, London and New York, Routledge,

p. 159.

110 Cassar, Silvana (2009), “Tourism development in Sicily during the fascist period (1922–1943)”,

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Em 1936, Mussolini salientou a importância do turismo em Itália, declarando, sem rodeios, que o “Turismo [era] uma ideologia” e parte do caminho para a modernidade. Trazia benefícios para os hotéis, resorts, instalações desportivas, serviços ferroviários e rodoviários e todas as indústrias “que necessitam de modernização”. A indústria desempenhava também um papel no recrutamento de milhares de italianos, promovendo uma série de prestigiadas atividades culturais e de lazer, e impulsionava a construção de novos teatros, salas de concertos, cinemas, praias e estâncias de esqui.

Fundamentalmente, para Mussolini, o turismo servia três funções principais: a primeira estava relacionada com a importação de moeda estrangeira e com a exportação de moeda italiana para o exterior; a segunda estava associada à promoção do prestígio nacional italiano, através da promoção de uma maior consciência dos tesouros de Itália111; e, em terceiro lugar, o

turismo servia como alavanca para modernizar o país, que resultaria na melhoria das infraestruturas, muito importantes para a difusão da cultura e ainda como forma de fazer propaganda do país.

No período entre guerras, assim como outros regimes autoritários contemporâneos na Europa, os regimes fascistas viam o turismo como um meio para promover a sua agenda ideológica, dando grande importância ao assunto do lazer112. Os objetivos nacionalistas e imperialistas na ditadura fascista foram, no entanto, menos poderosamente expressos do que na Alemanha nazi. Além disso, o interesse italiano no turismo não foi apenas devido a razões políticas, mas também económicas. No período entre guerras, novas tendências turísticas e modas estimularam também o investimento em outras partes da Europa113.

No que diz respeito ao período pós-guerra, e depois de uma queda significativa no número de turistas, o turismo voltou a ter um aumento no número de visitantes, o que permitiu o aumento da qualidade de vida dos italianos. Filmes como La Dolce Vita foram bem-sucedidos no estrangeiro e a sua descrição da vida idílica do país ajudou a elevar o perfil internacional de Itália114. Ao longo dos anos 60, várias unidades hoteleiras foram construídas, sendo que os

111 Longo, Stefania (2004), Culture, Tourism and Fascism in Venice 1919-1945, London, University

College London, p. 22.

112 Longo, Stefania (2004), op. cit., p. 22.

113 Semmens, Kristen (2005), Seeing Hitler's Germany: Tourism in the Third Reich, Houndmills,

Palgrave Macmillan, p. 145.

114 Essays, UK. (November 2013), The History of Tourism In Italy Tourism Essay. Disponível em

https://www.ukessays.com/essays/tourism/the-history-of-tourism-in-italy-tourism- essay.php?cref=1.

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destinos de montanha e esqui se tornaram verdadeiramente populares. Resultado do aumento da qualidade de vida, um número muito elevado de pessoas, nomeadamente oriundas da classe operária italiana, tinha, agora, possibilidade de passar férias. A década de 70 cativou também uma onda de turistas internacionais para Itália, uma vez que os destinos no Mediterrâneo viram um aumento no número de visitantes, em termos globais115.

Com o objetivo de promover e melhorar a marca italiana no estrangeiro, a cultura surge como uma mais-valia para o cumprimento destes objetivos. A exposição, Mostra della

Rivoluzione Fascista (Mostra de Revolução Fascista), que atraiu mais 1,2 milhões visitantes

nacionais e estrangeiros nos primeiros seis meses após a sua abertura ao público, foi concebida com a intenção de melhorar a imagem italiana, bem como os seus fluxos turísticos116. Esta exposição apresentava a evolução da história italiana, desde 1914 até à Marcha sobre Roma. No entanto, esta nunca foi concebida como uma representação objetiva dos factos, mas como uma obra de propaganda construída com a finalidade de explicar o advento do fascismo, envolvendo o público emocionalmente. Por esta razão, foram chamados a ajudar na exposição não só os historiadores adeptos do regime, mas também expoentes de várias correntes artísticas da época, como Mario Sironi, Enrico Prampolini, Gerardo Dottori, Adalberto Libera e Giuseppe Terragni.

Paralelamente, a Opera Nazionale Dopolavoro (OND), habitualmente referida simplesmente como Dopolavoro, foi criada e projetada pelo regime fascista para atrair grandes camadas da população ao fascismo, prestando assistência, instrução e oportunidades de lazer.

Dopolavoro significa “depois do trabalho”, e a OND foi estabelecida para organizar o período

pós-trabalho ou lazer, promovendo o desenvolvimento físico, mental e o bem-estar espiritual dos trabalhadores117. Em abril de 1925, Benito Mussolini concordou com as exigências dos sindicatos fascistas para configurar a OND, com Mario Giani, ex-diretor do italiano

Westinghouse, à frente da mesma118. Os sindicatos viram, inicialmente, a oferta de opções de lazer para os trabalhadores como uma forma de competir com os socialistas, que já havia uma

115 Para leitura adicional sobre a História de Turismo, consultar Berrino, Annunziata (2011), Storia del

Turismo in Italia, Il Mulino, Editorial Bologna; Jelardi, Andrea (2012), La Storia del Viaggio e del Turismo in Itália”, Milano, Ugo Mursia Editore.

116 Salvatori, Paola S. (2003), La seconda Mostra della Rivoluzione fascista, in "Clio", XXXIX, pp. 439–

459.

117 Kallis, Aristotle, ed. (2003), The Fascism Reader, London: Routledge, pp. 391-395.

118 De Grazia, Victoria (2002), The Culture of Consent: Mass Organisation of Leisure in Fascist Italy,

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rede de organizações culturais. A OND tinha, originalmente, uma imagem apolítica e produtivista, o que granjearia o apoio dos empregadores. Não havia nada de “intrinsecamente fascista” sobre a OND e que tinha sido modelado em instituições como o Young Men’s Christian Association (YMCA)119. Na década de 1930, sob a direção de Achille Starace, a OND tornou-se, principalmente, uma organização orientada para o lazer, concentrando-se em desporto e passeios. Estima-se que, em 1936, a OND tinha organizado 80% dos trabalhadores assalariados. Cerca de 40% da força de trabalho industrial inscreveu-se para o Dopolavoro, em 1939, e as atividades desportivas granjearam popularidade. A OND teve o maior número de membros de qualquer das organizações fascistas de massa em Itália.

As atividades da OND incluíam a organização de atividades desportivas e concursos a nível local e nacional; o patrocínio de viagens de grupo, fornecendo refeições com grandes descontos para os membros em cafeterias e restaurantes, subsidiando performances de arte popular, teatro, música e cinema, e dando oportunidades de formação nas artes manuais. As mulheres foram encorajadas a estudar enfermagem, higiene e gestão doméstica120.

A coletivização do tempo de lazer era, realmente, um orgulho para o regime fascista, que alegou estar a cumprir a sua promessa de fazer a ponte entre o “povo” e o governo. O Partido Fascista coordenou o trabalho de secções provinciais da OND até 1937 e o partido recuperou o seu controlo exclusivo em janeiro de 1943, poucos meses antes da queda de Mussolini e, consequentemente, do regime. A popularidade da OND garantiu a sua sobrevivência após a guerra, quando as suas instalações e funções foram assumidas pelo ENAL (Ente Nazionale Assistenza Lavoratori), uma agência do governo, e pela ARCI (Associazione Ricreativa Culturale Italiana), com laços estreitos com o Partido Comunista Italiano (PCI).

No início do regime fascista, os sindicatos representavam a ala esquerda dentro do Partido Fascista Italiano, que pressionavam Mussolini no sentido de adotar uma agenda em termos sociais. Depois de 1928, os sindicatos perderam, progressivamente, influência no regime. É possível argumentar que a importância dada ao turismo tenha a ver com a força inicial

119 Associação Cristã de Rapazes/Young Men’s Christian Association (vulgarmente conhecida como

YMCA ou, simplesmente, Y) é uma organização mundial com mais de 58 milhões de beneficiários de 125 associações nacionais. Foi fundada em 6 de junho de 1844 em Londres, e tem como objetivo colocar os princípios cristãos em prática através do desenvolvimento de uma vida saudável: “corpo, mente e espírito”.

120 Sarti, Roland (2004), “Opera Nazionale Dopolavoro (OND)”, em Italy: A Reference Guide from the

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da corrente sindicalista dentro do partido e com a defesa dos interesses dos trabalhadores fascistas.

Em conclusão, e de acordo com De Grazia, o Dopolovoro era visto, inicialmente, de forma quase condescendente. Para os fascistas, estes centros ou clubes da classe operária, isto é, os centros recreativos e culturais, os encontros populares nas aldeias, eram vistos como políticas “menores”. As políticas levadas a cabo nunca eram debatidas nos conselhos superiores do Estado, e Mussolini nunca se dignou ser fotografado em nenhum desses acontecimentos populares. No entanto, e embora a organização do tempo livre parecesse um mecanismo apolítico, acabou por ser uma forma de persuasão em que o fascismo tinha penetrado todos os domínios da vida das pessoas, desde o nível industrial aos bairros das cidades e, até, às vilas rurais. Quase desligada do fascismo, tornou-se num meio de apoio e consentimento para a ditadura fascista, essencial para que Mussolini continuasse a governar, permitindo, deste modo, ao regime competir com as organizações comunistas na área da cultura e das sociabilidades operárias.

Entre as organizações de lazer criadas pelo governo italiano, o programa Dopolavoro foi, sem dúvida, o mais popular. A evidência da sua popularidade reside no facto de que sobreviveu até à queda de Mussolini, altura em que o seu nome foi alterado para Ente Nazionale Assistenza Lavatori (Organização Nacional de Assistência ao Trabalhador), em 1945. Ao longo da sua existência, o Dopolavoro provou ser incansável nos seus esforços para desviar a atenção das questões sociais e económicas do partido, fornecendo uma ampla e diversificada gama de atividades culturais e recreativas. Além disso, serviu como amortecedor em resposta ao descontentamento da sociedade. O Dopolavoro acabou por introduzir várias atividades de lazer destinadas a diminuir a conflitualidade social. No entanto, o objetivo de introduzir a ideologia fascista no povo italiano não só foi um fracasso como provou ser altamente ineficiente, porque não conseguiu transformar os trabalhadores em partidários ideologicamente adeptos do regime fascista121.

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