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3.1. Origem e Evolução das Casas de Portugal

3.1.1. Três Modelos para as Casas de Portugal

Podemos dividir as Casas de Portugal em três áreas de trabalhos diferentes: uma vertente de promoção turística, uma vertente comercial e uma vertente política. Porém, nem todas as Casas olhavam para cada uma destas categorizações de forma equitativa. Partindo de um Regulamento e Decreto-Lei genéricos para a instalação e funcionamento das mesmas, a forma como estes eram aplicados na prática, em cada uma das cidades, variava consideravelmente.

Veja-se o caso de Nova Iorque, que, embora tivesse a vertente de promoção turística, com algum trabalho de relevo realizado, era uma instituição com uma vertente muito política e com objetivos claros a esse respeito. Por outro lado, as Casas de Portugal em Londres e em Paris teriam um papel mais importante na área da promoção turística e, por último, a Casa de Portugal em Antuérpia adotaria um modelo de gestão à base do corporativismo associativo, virada quase exclusivamente para a vertente comercial, em que o Estado teria um papel de supervisão e não de gestão direta, como se verificava com as restantes casas, resultando, assim, na identificação de três modelos de gestão diferentes. O primeiro será um modelo centrado na promoção turística e de produtos; o segundo será vocacionado para a promoção política e cultural; e o terceiro será um modelo, comercial, cujo objetivo final era a promoção e venda de produtos nacionais.

No primeiro modelo, a promoção turística e comercial eram, claramente, as prioridades na atuação das Casas de Portugal em Londres e em Paris. Estas duas cidades foram as primeiras a ser dotadas de uma estrutura deste género, seguindo o exemplo de outros países. Não obstante o trabalho desenvolvido nas áreas comerciais e políticas, e podemos considerar que algum trabalho de relevo, especialmente na área de promoção comercial, foi, efetivamente, levado a cabo, não podemos negar que a promoção e o fomento do turismo estrangeiro em Portugal eram algumas das grandes prioridades destas duas casas. Esta promoção era feita através da exposição de cartazes e reclames turísticos e da realização de um trabalho de ordem prática, destinados a desenvolver o interesse pelas viagens ao país, organizar itinerários, informar sobre as instalações hoteleiras, tarifas, meios de transporte, documentação e formalidades legais exigidas para visitar Portugal. Independentemente de estas casas terem sido criadas primeiro, verificamos que passaram a ter uma menor dotação orçamental e o seu trabalho a estar relegado para (o também importante) papel da promoção, em vez de um papel de defesa ou de contra- ataque político verificado em Nova Iorque.

A Casa de Portugal em Antuérpia, instituição que seria principalmente mantida pelos maiores interessados nela e só acessoriamente subsidiada pelo Estado, é o exemplo

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paradigmático do terceiro modelo. Este modelo acabaria por divergir consideravelmente dos casos apontados atrás. A Casa de Portugal em Antuérpia constituiu uma tentativa de juntar direta e materialmente o comércio exportador numa organização destinada a fazê-lo progredir num importante mercado externo. O próprio regulamento refere que esta deveria evitar ser uma instituição demasiado burocrática e, ao contrário, ser orientada no sentido de fazer adotar os processos e adquirir os hábitos e as tradições de uma organização económica ativa, independente e prática. Era uma casa com objetivos específicos relacionados com a promoção e facilitação de relações comerciais, não tendo tido trabalho de destaque nas restantes áreas de promoção turística ou um papel relevante para o cumprimento de objetivos políticos do país. A esta deriva em relação ao modelo estritamente estatal de Paris e de Londres não é, certamente, estranho o debate que atravessa o Estado Novo nos inícios da década de 1930 acerca do corporativismo de associação, apontado como uma característica original do corporativismo português.

No entanto, podemos considerar que esta tentativa, à partida, não tenha sido bem- sucedida. Interesses pessoais e setoriais acabariam por dominar a gestão corrente desta instituição, tornando-a muito problemática para o Estado. Inclusive, verificamos, através da legislação publicada no Diário do Governo, que, somente dois anos após a criação desta Casa, o Estado viu-se obrigado a intervir. De acordo com o Decreto-Lei n.º 25:613 de 15 de julho de 1935:

Tendo-se verificado na impossibilidade de assegurar neste momento o funcionamento da Casa de Portugal, em Antuérpia, nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n.º 22:692 de 16 de junho de 1933, e sendo necessário assegurar à sua gerência a administração interna de carácter legal, [...] a gerência e administração interina da Casa de Portugal, em Antuérpia, serão confiadas a um gerente nomeado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros onde este exercerá as suas funções em harmonia com as instruções que receber do Ministério em comissão extraordinária de serviço público, ouvindo, sempre que o entender necessário, uma comissão consultiva constituída por três portugueses residentes na Bélgica e escolhidos por acordo entre o gerente e a Legação de Portugal em Bruxelas258.

As diferenças das prioridades destas três Casas estão bem identificadas no trabalho desenvolvido pelas mesmas. Embora estas tenham sido criadas no seguimento de modelos já estabelecidos no estrangeiro, a realidade é que os seus objetivos eram de tal forma ambiciosos e abrangentes que necessitariam de diversas instituições para, de forma eficaz e com dotação

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orçamental correspondente, poder atingir os numerosos objetivos estabelecidos com sucesso. Tendo um número tão elevado de competências e objetivos, cada cidade via aqui uma oportunidade de desenvolver um trabalho que seria mais importante para o país na altura. A Casa de Portugal em Nova Iorque, que constitui o segundo modelo, assume, a partir dos anos 60, com a eclosão da guerra nas colónias africanas, um papel político para a defesa do bom nome de Portugal junto da comunidade estrangeira e direciona quase todos os seus esforços para o efeito, mesmo na questão relacionada com a promoção turística de Portugal, que, nesta altura, passa também a incluir as províncias ultramarinas. A questão de Antuérpia, que em nada se preocupou com a promoção turística, respondia às necessidades e exigências dos seus sócios e principais financiadores com o intuito de promover as exportações e contribuir para o equilíbrio da balança comercial. Era uma estrutura que não tinha, à partida, viabilidade para a autonomia que lhe foi conferida. Todas as casas representavam ainda as principais instituições do regime e controlavam o que seria exposto, promovido e vendido no estrangeiro.

Estas instituições respondiam, em termos hierárquicos, quer ao MNE, quer ao SNI259,

dependendo do assunto a tratar. Relatórios mensais e anuais seriam enviados a estes organismos, bem como informação de Portugal que tinha sido publicada nos diversos meios de comunicação. Deste modo, podemos, aqui, verificar várias questões. Primeiro, foram criadas estruturas com vários objetivos, talvez demasiado ambiciosos para a dotação orçamental que lhes era conferida, sendo que cada estrutura teria de responder também a diversos ministérios, bem como às embaixadas ou delegações permanentes em cada um dos países. Avaliando esta realidade, por vezes burocrática e pouco prática, questionamos se, efetivamente, o trabalho destas Casas foi ou não bem-sucedido. O turismo, o comércio e a representação política retratam, deste modo, três variantes de hibridização do modelo legal das Casas de Portugal, numa adaptação à geografia e às circunstâncias: à geografia, reforçando o turismo nas capitais do turismo, comércio nas placas giratórias do comércio marítimo internacional e na política, e junto do governo federal americano; às circunstâncias, porque à prioridade de legitimação e reconhecimento internacional da imagem do Estado Novo português se acrescenta, no início da década de 1930, a promoção das exportações e de defesa dos organismos corporativos ligados ao Vinho do Porto, conservas, resinosos e outros produtos de exportação; e, finalmente, as novas prioridades com a imagem externa de Portugal na volátil cena internacional dos anos 40 e dos anos 60.

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Os pontos seguintes mostram como esta complexidade, segundo a geografia e as circunstâncias, criou uma imensa expectativa quanto aos resultados que se podiam esperar da ação das Casas de Portugal. Apesar de o trabalho ter, efetivamente, sido realizado, as críticas não tardaram a chegar através de vários meios, nomeadamente cartas, relatórios e discursos proferidos na Assembleia Nacional. Podemos, deste modo, concluir que as Casas de Portugal foram uma instituição polivalente e plurifuncional, cuja ação era legitimada pelo novo conceito de promoção turística.

As Casas de Portugal integravam a estrutura de representação no exterior e para efeitos de coordenação e execução dos objetivos da atividade internacional do Estado, e receberiam as diretivas e demais indicações das missões diplomáticas acreditadas no país260. Surge, então, a questão de saber porque é que este trabalho não era desenvolvido pelos organismos já existentes, como é o caso das Embaixadas, Legações e Consulados, visto as funções serem tão similares.

Por um lado, às Embaixadas competia representar Portugal junto do Governo do Estado local segundo o direito e usos internacionais e as instruções que lhes fossem dadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. Estes organismos tinham como missão proteger e defender os interesses de Portugal e dos cidadãos portugueses no Estado local, bem como executar os tratados que regulavam esses direitos e interesses e sugerir, oportunamente, se necessário, a elaboração de novos tratados. Competia-lhes tornar conhecidas e difundir no país local as condições políticas, económicas, intelectuais e artísticas do povo português, promover a organização progressiva das comunidades portuguesas estabelecidas no país local e orientar, tanto quanto possível, a atividade dos indivíduos e das coletividades, de modo a torná-los elementos ativos da defesa dos interesses portugueses e da expansão do comércio e da cultura portuguesa261.

260 Decreto 47478, de 31 de dezembro, Diário do Governo - I Série, N.º 303-Supl, de 31.12., 1966, p.

2479.

261Tinham ainda como missão estudar o país local em todas as manifestações da sua atividade política,

económica e cultural, informando a Secretaria de Estado, em notas, memórias ou relatórios, dos resultados das suas observações e, com a possível precisão, o regime estabelecido pelas leis locais e pelos tratados concluídos pelo Estado local sobre os direitos dos estrangeiros, a resolução dos conflitos de leis e de jurisdições e o valor dos atos passados e das sentenças proferidas em país estrangeiro, informando e documentando a Secretaria de Estado. Informavam ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros dos factos e declarações mais importantes da política interna e internacional do Estado local e daqueles de que tivessem conhecimento, embora relativos a outros Estados; acompanhavam a atividade das instituições internacionais, públicas ou privadas, que tivessem a sua

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Relativamente às delegações permanentes, estas cumpriam as atribuições que lhes eram conferidas pelos respetivos diplomas de constituição e, em especial, as de representar Portugal nos organismos internacionais junto dos quais se achavam acreditados; executar o expediente necessário ao desempenho do mandato de todas as delegações eventuais que participassem nos trabalhos dos referidos organismos ou de quaisquer reuniões ou conferências convocadas sob os auspícios dos mesmos.

Aos Consulados competia executar e fazer executar, no seu distrito, o regulamento consular e todas as disposições da lei tendentes à defesa dos interesses gerais da Nação Portuguesa, designadamente os seus interesses económicos e sanitários, e a proteção dos direitos e interesses, especialmente os de ordem privada, dos cidadãos portugueses aí estabelecidos ou de passagem; facultar aos chefes de missão as informações necessárias ou úteis ao cumprimento das obrigações que lhes eram impostas por este regulamento; promover a expansão do comércio de exportação português para o seu distrito consular e tornar conhecidos nos mercados locais os produtos portugueses; estudar a situação económica dos respetivos distritos e informar acerca dela a Secretaria de Estado e o chefe da missão a que estivessem subordinados; proteger os nacionais portugueses residentes no Estado local e fiscalizar o cumprimento das disposições de eventuais acordos de emigração e de contratos de trabalho; superintender e fiscalizar os serviços dos consulados não de carreira, vice-consulados e agências consulares dependentes.

A dissimilitude que existia entre as funções da Casa de Portugal e as suas Missões Diplomáticas justificou a existência destas Casas, como organismos autónomos. Se estas funções fossem consideradas compatíveis, os serviços das Casas de Portugal deveriam constituir-se como simples secções das nossas Embaixadas e Legações. No entanto, o facto de se criarem estes organismos separados mostra que, no entender do legislador, as duas funções não podiam coadunar-se. Na prática, por vezes, esta separação não era tão clara como se

sede naquele Estado e por objeto o regime das relações internacionais, informando a Secretaria de Estado da sua constituição e das suas deliberações ou decisões; procuravam conhecer o que no país local pudesse interessar de modo particular à história, à arte ou à ciência portuguesa (arquivos, museus, monumentos, instituições e costumes das comunidades portuguesas ou dos grupos étnicos de origem portuguesa), organizando memórias ou catálogos que pudessem orientar os investigadores ou artistas portugueses; estreitavam, por todos os meios ao seu alcance, as relações políticas, económicas e culturais entre Portugal e o Estado local; mantinham estreito contacto com os membros do corpo diplomático acreditado no Estado local; e por fim, davam às Casas de Portugal e aos centros portugueses de informação as diretivas e indicações adequadas à coordenação e execução da atividade internacional do Estado.

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desejaria. O número elevado de instituições estatais a tratar, por vezes, do mesmo assunto levaria a uma desorganização do sistema, que acabaria por dificultar o trabalho a desenvolver no estrangeiro. Finalmente, como foi notado anteriormente, a tendência dos principais países europeus para abrirem delegações de turismo independentes, obriga Portugal a acompanhar a concorrência e a adotar o modelo das Casas de Portugal em locais estratégicos.

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