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Capítulo 2 – Bambus nativos como recurso para cadeias produtivas: espécies, ecossistemas e usos

IV. a Estoques e papel ecológico dos bambus nativos

Apesar da alta produtividade dos bambus lenhosos ser compreendida como um fator favorável pelas iniciativas, ainda pouco conhecimento foi gerado ou disponibilizado sobre os parâmetros relacionados aos estoques de provisionamento para as diferentes espécies de interesse com vistas ao manejo, como: desempenho ecofisiológico da espécie; tamanho e limites, previsibilidade da manutenção do estoque - considerando ainda a semelparidade; ecologia populacional e da comunidade, considerando variáveis simuladas conforme diferentes técnicas de manejo e volumes de coleta, para guiar o manejo e a gestão do recurso107. Como visto, as unidades e os fluxos de apropriação não foram suficientemente mensurados pelas iniciativas produtivas nem mesmo para o simples contraste do provisionamento em comparação aos fluxos de abastecimento (provisão) visando aspectos mínimos para o uso sustentável.

Os bambus nativos compõem fisionomias naturais específicas nos biomas, como as florestas de tabocas amazônicas (tabocais). Contudo, a expansão da população de bambus nativos causada por alterações antrópicas, incluindo mudanças climáticas, torna-se objeto de preocupação principalmente do setor de PD&I, como identificado no AC, pela simplificação da composição florestal, pela diminuição da diversidade de espécies arbóreas, constatadas por pesquisas recentes da EMBRAPA-AC, Universidade Federal do Acre (UFAC), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Essa preocupação foi identificada também no bioma de Mata Atlântica, emitida por pesquisadores que atuam em áreas de taquarais, dominados por espécies do gênero Merostachys, Chusquea e Aulonemia nos estados de SP e PR (Apêndice 3), sendo de detaque o estudo do aumento da taxa de fotossíntese e do crescimento sob atmosfera enriquecida em gás carbônico realizado pelo Instituto de Botânica/SP (IBT) (e.g. GUARATINI et al, 2013).

No levantamento nacional, a manutenção dos serviços ecossistêmicos foi mencionada indiretamente na razão de escolha de bambus nativos ou em outras questões ao longo da entrevista, inserindo-se, por exemplo, nas compreensões de “sustentabilidade” e aspectos variados associados a benefícios sociais, ambientais e ecológicos. Embora não

107 A falha do sistema de conhecimento sobre volume dos estoques dos bambus nativos disponíveis para o uso

foi apontada como principal limitação às iniciativas produtivas, sobretudo, empresarial-industrial, somada à falta de identificação das espécies, como também reforçado na validação e devolutiva da pesquisa, em Rio Branco/AC, 2018 – pontos a serem retomados nos Capítulos 3 e 4.

explicitado como objetivo direto das iniciativas, os participantes reconheceram as qualidades dos bambus, de forma geral com maior ou menor destaque aos bambus nativos, para: a fixação de carbono, a contenção de solos em processos de erosão, proteção de áreas sensíveis, como topos de morros, nascentes e beira de rios e para a fauna nativa (verificada especialmente na literatura). As iniciativas produtivas explicitaram conhecimentos básicos e cuidados do manejo para a manutenção das touceiras, mas não demonstraram maiores esforços, estratégias ou necessidades próprias de proteção dos estoques nativos para a conservação dos ecossistemas associados amplamente. Apenas uma iniciativa relatou a necessidade de registro das atividades para a extração florestal e envolvimento de órgãos ambientais. Ações práticas diretas para a conservação exercidas pelas iniciativas de PD&I também foram pouco identificadas. A contribuição ecológica positiva dos bambus nativos para a vegetação e fauna nativa desponta nos dados secundários e nas entrevistas dos ecólogos, produtores e comunitários locais. Os taquarais e tabocais provêm proteção e refúgio à avifauna e espécies vegetais madeireiras - neste caso, por dificultar o acesso às árvores maiores de serem removidas para a venda por madeireiros (Tabela 9). Apenas no Acre a integração das áreas de florestas com tabocas em programas de Pagamento de Serviços Ambientais (PSA) foi identificada, ainda que vinculada às ações indiretas, envolvendo pagamentos pelo crédito de carbono em áreas da RECM e os mecanismos diretamente relacionados ao recurso encontravam-se em desenvolvimento108.

Na RECM, os comunitários referem-se à ocorrência e distribuição espacial das espécies de tabocas conforme condições edafoclimáticas e hidrográficas das áreas, mencionando serem os tabocais mais abundantes nas áreas de terras úmidas (a beira dos rios e partes baixas) sendo a ocorrência reduzida (“pouca taboca”) nas partes altas, mais secas, “nas áreas de castanheiras”, como constatado também por pesquisas em ecologia vegetal. A heterogeneidade da ocorrência dos bambus nativos é conhecida localmente, sendo as tabocas- comuns (Guadua weberbaueri) mais abundantes e as manchas da taboca-gigante (Guadua latifolia) restritas a determinados seringais (sendo maiores e abundantes, por exemplo, no Seringal Icuriã, Etelvi, Apodi em Assis Brasil109). Esses reconhecem interferências entre as espécies de bambus nativos e demais componentes da vegetação e da fauna nativa110. Relatos

108

Segundo entrevistados de seções complementares do Governo do Acre, não sendo possível maior detalhamento sobre a introdução do recurso no Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA) pelo Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) (Lei Estadual nº 2.308/2010).

109 Reforçado nos encontros de validação e devolutiva realizados em Assis Brasil e Brasiléia/AC em 2018. 110

Relatam, por exemplo, que onde há “taboca alastrante” (taboca-comum), as tabocas gigantes não se desenvolvem bem (ficam“esperando a vez dele”), indo melhor (crescendo mais) quando há mais espaço e

sobre a expansão dos tabocais, com a intensificação das queimadas e das secas, foram compartilhados por moradores e pesquisadores também para outras áreas fora da RECM do Alto, Baixo Acre e Purus, dentre outras compreensões relacionadas às mudanças nos ecossistemas (Tabela 9).

Tabela 9. Conhecimento dos entrevistados no Acre sobre aspectos de provisão dos bambus nativos.

Conhecimentos dos atores nas iniciativas do Acre sobre aspectos da provisão N° de entrevistados 1. Aspectos ecológicos (interação com fauna), ocorrência e histórias locais 32 1a. Expansão dos tabocais com degradação florestal ou desmatamento (roçados,

seca intensa, mudança do clima, entre outros)

12 1b. Diferentes ocorrências de etnoespécies e populações de Guadua spp. 12 Ocorrência em manchas (grande diversidade, predomínio da taboca fina, taboca-

gigante rara)

9 Ocorrência diferenciada entre terras firmes ou úmidas (forte relação edáfica) 7 1c. Refúgio e abrigo de fauna (aves, aves endêmicas - Important Bird Area - IBA;

macacos, morcegos, entre outros)

7

Sementes doces atraem muita fauna 2

1d. Tabocais com queimadas maiores e mais frequentes (fácil comburente) 4 1c. Tabocas favorecem a recuperação ambiental (condições edafoclimáticas) 2

2. Aspectos morfológicos e ecofisiológicos 20

2a. Propagação (Propagação vegetativa, Micropropagação, Sementes, Extração de plântulas) 12

2b. Sobre o desenvolvimento e crescimento 8

2c. Conhecimento para identificação das espécies 4

3. Aspectos fenológicos do ciclo de vida 13

4. Tabocas compreendidas como praga (ex. “difícil de roçar”; “feita para tocar fogo”) 11

5. Aspectos da coleta e tratamento dos colmos 11

6. Aspectos míticos 2

A forma como a coleta do recurso se dá relaciona-se ao tipo de uso, o que influe no sistema de provisão, especialmente por interferir no desempenho ecofisiológico das touceiras. Entrevistados do setor produtivo no levantamento nacional e no Acre relataram ver e/ou comprar bambus nativos com baixa qualidade de coleta, representando perdas em taxas elevadas pela presença de colmos não maduros, ainda jovens, ou seja, advindos de prática de extração predatória. O efeito sobre a reposição difere também para o tipo de aplicação, por exemplo, na coleta voltada para a produção de brotos para alimentação há maior sazonalidade produtiva (em intervalos mais curtos na época chuvosa) em comparação àquela voltada para a obtenção de colmos maduros para aplicações estruturais na engenharia. Essa última apresenta ainda maior relação com a abertura de demanda industrial e de instalação de obras civis, como árvores para escorar. Identificam, ainda, espécies da fauna e da flora associadas aos tabocais da RECM como o cumaru, cerejeira, ingá, espinheiros, baguinha; e compreendem que em outras áreas sem taboca as castanheiras, palmeiras-ubi, bananeira brava, entre outras ocorrem em maior abundância.

em concepção e implementação no AC, o que requer grandes estoques, para a apropriação do recurso de forma padronizada e contínua. Assim, além do tipo de uso também a escala das remoções difere no modelo de uso artesanal, com demandas de mercado variáveis que, por exemplo, aumentam conforme épocas de mercado aquecido, como fins de ano ou em função de eventos como ocorre para vendas de artesanatos. Inclusive, depois da compreensão do maior risco relacionado à própria interrupção da CPB pela descontinuidade dos programas, os entrevistados citaram os impactos negativos sobre a fauna, mata nativa e o ambiente, em geral, entre outras problemáticas relacionadas à provisão e às relações ecológicas que também são responsáveis por manter os recursos e o ecossistema (Quadro 3).

Quadro 3. Percepção dos riscos da implementação da cadeia produtiva do bambu pelos entrevistados no Acre. Compreensões sobre os impactos relacionados ao sistema de provisão

destacados por *. Fatores de risco em ordem decrescente de citação.

Falha na implementação ou interrupção por inviabilidade produtiva, social, econômica,

ambiental* (falta ou insuficiência de pesquisa ou experiência a serem ultrapassadas).

Destacando-se: Descontinuidade dos projetos, programas, da manutenção das instalações públicas (e.g. voltadas ao artesanato, cultura local; desvio do foco empresarial pela versatilidade do recurso)

Impactos negativos sobre a mata e fauna nativa ou ambiente*

Impactos negativos inerentes a qualquer monocultura e/ou beneficiamento industrial de grande mercado

Supressão e impacto da extração; Grandes desmatamentos (por corte raso) ainda habilitados na legislação

Tabocais extremamente importantes para refúgio da fauna (espécies endêmicas e exclusivas de tabocais)

Impactos apenas pontualmente em atividades de manejo e/ou por extração incorreta

Adequação ambiental de APPs e RLs em áreas privadas podem não ocorrer (mantendo-se degradadas) Grande emissão de carbono, pois a matéria-prima encontra-se distante

Extração e exploração depredatória do recurso (como é observado, mesmo após capacitações e existência de legislação restritiva)*

Sucesso depende do envolvimento com os produtores (sendo apontada a necessidade de plantios homogêneos para industrialização*)

Risco de interrupção com mudança de gestores (pelas transferências e saídas de profissionais-chave; mas principalmente pelas diferentes compreensões políticas e partidárias)

Vulnerabilidade dos setores produtivos mais frágeis (produtores locais e tradicionais),

assimetria dos pagamentos dos riscos, sobretudo econômicos

Sucesso da CP depende do beneficiamento industrial no Acre (ainda, próximos às áreas

produtivas)

Falta dos testes de produção e mercado em pequena escala, interno (risco associado ao início

em grande dimensão, internacional)

Falta da estrutura e operação de distribuição e compra (fatores inviabilizadores) Interrupção da produção pela senescência (ciclo fenológico)

Não há riscos*

Não há riscos com a segurança de operação do manejo sustentável, definido com critérios biológicos e ecológicos e da análise de impactos

Extração de taboca sem risco ao ambiente, pois não requer maquinário como as madeireiras Desconfiança da manutenção de um mercado comprador aberto e contínuo

Percepção dos riscos da implementação da cadeia produtiva do bambu pelos entrevistados no Acre Não apropriação devida ou desinteresse do setor produtivo apesar das políticas públicas e

pesquisas

Substituição dos bambus nativos e dos ecossistemas naturais por bambus exóticos, pela

“cultura genérica do bambu”*

Invasão de bambus exóticos*

Risco à soberania nacional com aproximação de interesses internacionais (falta de

transparência sobre os acordos com China e empresários)

Pouco benefício para os produtores de base em relação à indústria, predominantemente mais

favorecida nos sistemas produtivos

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