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Capítulo 1 – Caracterização das iniciativas relacionadas ao uso e conservação de bambus nativos:

III. Início da atuação das iniciativas

Observa-se que a inclusão dos bambus nativos nas iniciativas cujos representantes foram entrevistados no levantamento nacional configura-se como tendência dos últimos anos (Figura 9). A ênfase na inclusão se deu a partir de pesquisas botânicas nos anos 1990 e início dos anos 2000, com surgimento posterior em outros segmentos de pesquisas e produtivos, ainda que para atender demandas pontuais. O aumento do interesse por bambus nativos acompanhou a emergência do interesse por bambus em geral, independente da origem das espécies e das pressões existentes sobre, ou decorrentes das diferentes espécies. Excetuam-se as iniciativas dedicadas à pesquisa em ecologia vegetal de ecossistemas nativos, ainda que em

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Todas as UCs nacionais conservam bambus nativos, mas foram inclusas neste levantamento aquelas associadas às iniciativas identificadas com publicações e/ou ações especificamente voltadas ao recurso-foco.

72 Porém, pode-se tratar de uma estratégia para a entrada de bambus exóticos e implantação de plantios

convencionais, i.e. o potencial e ocorrência dos bambus nativos podem ser utilizados pelos representantes, como observado em fontes secundárias no levantamento nacional, apenas para atrair atenção e evidenciar o tema no país, mas de facto prioriza-se posteriormente as espécies exóticas - problemática tratada no Capítulo 2.

parte desses casos, os estudos sobre bambus nativos tenham ocorrido por serem componentes da vegetação ou da paisagem em estudo, sem necessariamente ser foco ou alvo exclusivo da atuação. Os motivos apresentados para o início dos trabalhos com bambus nativos serão tratados nos dois próximos capítulos.

Quanto ao período de início dos trabalhos das iniciativas, uma característica geral entre elas é a organização a partir dos anos 2000, sendo 2003 o ano médio de criação (mediana: 2008), com atuação concomitante ou previamente na temática ampla dos bambus, com inclusão das espécies nativas ocorrendo principalmente após 2010 (em 16, dentre as 22 entrevistadas no levantamento nacional). Há uma especificidade relacionada à inclusão das nativas em pouco mais da metade das iniciativas, pois 14 já iniciam a atuação diretamente com bambus nativos; e as oito demais iniciam na área com bambus exóticos. O tempo médio da atuação com bambus nativos foi de 5,5 anos (mediana: 3 anos), inferior à média da experiência com exóticos que foi de 10,7 anos (mediana: 7,5). O contato com a temática ampla dos bambus e dos bambus nativos concentrou-se na última década, seguindo as abordagens das respectivas áreas de atuação. Os mesmos padrões de surgimento e atuação das iniciativas destas últimas décadas foram identificados no Acre, diferindo do contexto nacional na especificidade da atuação, pois já surgem com ações dedicadas às espécies nativas (Apêndice 20). Trabalhos com mais de três décadas com o recurso foram observados apenas em uma iniciativa de PD&I e iniciativas produtivas vinculadas às comunidades tradicionais no levantamento nacional.

Figura 9. Início dos trabalhos das iniciativas entrevistadas do levantamento nacional. Dados das

entrevistas do levantamento nacional (n=22 iniciativas: 11 produtivas, 11 PD&I).

Discussão

As iniciativas relacionadas aos bambus nativos atuam conforme seus segmentos, setores e objetivos por todas as regiões do país em contato com remanescentes de vegetação nativa. A concentração das iniciativas no Sul e Sudeste e no Acre demonstram aptidões locais para a produção pela ocorrência e abundância de espécies lenhosas e proximidade a polos urbanos que apresentam facilidades para ações de mercado pela infra-estrutura para o beneficiamento, distribuição e consumo – aspectos chave frequentemente observados limitando o estabelecimento de CPs de PFNM (e.g NEPSTAD & SCWARTZMAN, 1992; FURTADO, 2003; NEVES & CASTRO, 2010; JOSA et al. 2013). A aptidão local produtiva e sociocultural, a infraestrutura e facilidades para produção, venda e consumo de produtos finais, insumos e suprimentos gerais da CP e para a prestação de serviços, sobretudo pesquisa e capacitação, influenciam sobremaneira a viabilidade técnica, mercadológica e financeira dos empreendimentos (NEVES & CASTRO, 2010). No Brasil, uma diversidade de atores alicerçam pequenos sistemas produtivos informais e artesanais de bambus nativos, como profissionais autônomos, comunidades tradicionais, empresas, associações, que podem utilizar o conhecimento técnico-científico acumulado e estreitar relações junto às iniciativas

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Anos 70 (1971) Anos 90 (1995 a 1999) Entre 2000 e 2005 Entre 2006 e 2010 Entre 2011 e 2015 Anos 80 (1985) Anos 90 (1995 a 1999) Entre 2000 e 2005 Entre 2006 e 2010 Entre 2011 e 2015 Produtivo PD&I N de inic iati vas (entr evi stas do le vantamento nacional)

Período do início dos trabalhos das iniciativas por setor

Início da organização principal

Início dos trabalhos com bambus (em geral) Início dos trabalhos com bambus nativos

de PD&I para preencher as lacunas que afetam a formalização e continuidade das ações de uso e conservação. A multiplicidade de atores já envolvidos com o recurso favorece o estabelecimento de CPs integradas, sendo salutar a participação das organizações de PD&I para estabelecer negócios sustentáveis (NEVES & CASTRO, 2010; JOSA et al., 2013). Mecanismos de parcerias intersetoriais possibilitam a transformação das fragilidades dos sistemas produtivos em impulso a empreendimentos inovadores, no qual as organizações de PD&I cumprem um papel fundamental (ABRANTES, 2002). A estrutura mais comum das iniciativas entrevistadas no levantamento nacional contudo envolve um número pequeno de participantes, com ações individuais ou arranjos de poucos participantes. Esse fato, concomitante a incipiência da valorização e trabalho com o recurso, leva à tendência de personificação, onde um único ou um pequeno número de profissionais se destacam e concentram as ações, tornando-as suscetíveis à interrupção. Nos dados secundários do levantamento nacional, estruturas coletivas representam uma parcela expressiva das iniciativas demonstrando formas variadas de organização comunitária local e regional não plenamente refletidas nas entrevistas realizadas remotamente. Futuras pesquisas poderão aprofundar sobre o papel das relações intersetoriais em iniciativas comunitárias locais e tradicionais culturalmente associadas ao recurso nos diversos Estados.

A falta de agentes governamentais diretamente envolvido nas iniciativas, com exceções no Acre, desdobra desafios a mais para a manutenção em longo prazo das atividades, ainda que valorizem e se orientem ao desenvolvimento sustentável, e busquem trazer melhorias das condições sociais, econômicas e ambientais. Isto porque carecem de ações indutoras, apoios institucionais sobretudo nas primeiras fases de implantação das iniciativas, especialmente do setor produtivo na falta de competitividade e ganhos monetários substanciais. De forma geral, o direcionamento do trabalho para as espécies nativas é recente e as atividades encontram-se em fases iniciais de desenvolvimento, como identificado nas entrevistas, indicando potencial abertura e flexibilidade para alinhamentos a partir de maior apoio institucional. Uma estratégia para a obtenção de apoio de órgãos governamentais e financiadores de diferentes setores e níveis de atuação utilizada por iniciativas do setor produtivo ocorre pela plasticidade ou flexibilização da apresentação dos objetivos, formatos e estruturas das organizações de seus representantes, que “vestem diferentes bonés” - como figurado em entrevista no Acre. Essa plasticidade demonstra alinhamento com as dinâmicas de interesse do mercado para viabilizar mecanismos de influência junto ao poder público e setor privado financeiro. Não caracterizam contudo diretamente o lobbying por trazerem às

arenas, quando apropriado, a organização social que também representam (como associação, sindicato, por exemplo); ainda que por outro lado, acessem informações privilegiadas e organizem ações de interesse privado (como consultor, empresário autônomo, pequena empresa). Além da influência política, a plasticidade observada permite liderar e desenvolver múltiplas atividades, sendo as iniciativas pequenas e em processo de consolidação, com busca ativa dos atores para a formação do mercado e da CP formalizada. A literatura consultada sobre organizações, inclusive da área da administração empresarial, não tratam diretamente ou apresentam análises específicas sobre como esta plasticidade ocorre nos vários setores e CPs (e.g. CASTRO et al., 1998; FURTADO, 2003; MERINO & ROBSON, 2005; SIMÕES & LINO, 2003; EMBRAPA, 2006; NEVES & CASTRO, 2010; VIEIRA et al., 2014; PHILIPPI JR., 2017), indicando uma linha relevante para investigações relacionadas às novas dinâmicas de influência operacionais e organizativas.

Apesar do número e da diversidade dos atores produtivos verificados com uso direto de bambus nativos no Brasil foi possível identificar uma fragilidade no aproveitamento econômico das espécies, pela pouca expressividade de segmentos especializados de mercado e baixa lucratividade das atividades. O recurso têm uso periférico, pontual, informal quando conveniente aos atores envolvidos com atuação independente e em vários segmentos na falta de um mercado formalizado e demandas contínuas e específicas. Os mesmos atores das iniciativas produtivas realizam múltiplas atividades dos diferentes segmentos e etapas da CP, indo desde a extração do recurso até a venda. Ainda, desempenham cargos administrativos e financeiros em projetos pontuais e/ou oferecendo serviços com ganhos monetários nulos ou indiretos o que reforça a descontinuidade e a perda da qualidade das ações sobre o recurso em específico em longo prazo, visto também nas iniciativas de PD&I. Como ocorre em outras CPs de PFNM, soma-se a vulnerabilidade pela menor competitividade no mercado convencional e às condições produtivas e socioeconômicas associadas a essa produção (e.g. BRONDÍZIO et al., 2002; SEDREZ et al., 2003; SAWYER, 2012). Essas limitações refletem em menor lucratividade dos produtos da biodiversidade, como ocorre na cultura de cacau já no primeiro elo da cadeia, da produção primária (VIEIRA et al., 2001), na cultura de frutas e plantas medicinais tropicais, entre outras espécies, também no que tange atividades acima na CP, envolvendo beneficiamento e logística (e.g. MARTINELLI & CAMARGO, 2003; SIMÕES & LINO, 2003).

Por outro lado, as iniciativas demonstram um interesse e uma predisposição própria para atuar com bambus nativos e para o desenvolvimento sustentável, e mantém as atividades produtivas e de PD&I apesar do pouco lucro ou retorno financeiro. O uso direto dos bambus nativos têm favorecido a manutenção dos modos de vida locais e tradicionais, sobretudo pela confecção e vendas de artesanatos que complementam a renda para a subsistência. Esses e demais atores do setor produtivo compõem uma rede diversificada, ainda que dispersa e incipiente, de artesãos e outros profissionais autônomos e liberais, vendedores, lojistas e empresários, pelo uso do recurso em utilitários e como matéria-prima em construções (Capítulo 2). Também, o interesse industrial e do mercado nacional e externo pelo recurso tem aumentado nestes últimos anos, potencializando o desenvolvimento de CPs formais em diversos níveis. Neves & Castro (2010) ressaltam que projetos integrados de negócios sustentáveis são promissores para o desenvolvimento regional quando articulados e embasados na aptidão local e voltados em atender as necessidades socioeconômicas locais, partindo primeiramente da consolidação da CP em nível local. Na gestão de recursos comuns, o estabelecimento de instituições robustas em contato com arranjos locais legitimados é fundamental para a manutenção de processos de gestão eficazes, duradouros, auto- organizados e governados para a sustentabilidade (OSTROM, 1990).

A participação das organizações de PD&I potencializa a articulação intersetorial e se faz necessária para o aproveitamento sustentável de recursos da biodiversidade por integrar os diferentes atores sociais em direta consideração das comunidades locais na gestão e manejo (BERKES et al., 2000; BERKES & SEIXAS, 2005; BERKES & ADHIKARI, 2006). As relações interníveis são estabelecidas e favorecem as iniciativas para a CDI quando há a participação engajada de lideranças e das organizações de base junto às universidades, institutos de pesquisa, agências de apoio governamentais e/ou não governamentais (OSTROM, 1990; SEIXAS & DAVY, 2008), que tipicamente compõem o setor de PD&I nas iniciativas estudadas. A articulação, em maior ou menor grau com o setor produtivo, ocorre especialmente via projetos e ações de extensão conduzidos por organizações públicas, e em menor número privadas (e.g. SEBRAE, Institutos). Porém, iniciativas integradas são limitadas pela falta de apoio incentivos político-econômicos duradouros em nível local, apesar das políticas existentes em nível nacional e no Acre – ver Capítulos 4 e 5. As atuações pontuais predominam no setor produtivo e limitam a atuação para a organização e consolidação de arranjos produtivos e ações para a CDI em longo prazo – indicando um campo aberto ao setor de PD&I para futuros trabalhos e contribuições.

A recuperação e a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos foram observados enquanto objetivos explícitos no setor de PD&I. Esses objetivos não foram diretamente mencionados pelas iniciativas produtivas entrevistadas e foram raramente observados nos dados secundários, ocorrendo geralmente associado às comunidades locais e tradicionais – tendência observada aberta para investigações. As iniciativas produtivas apresentam-se mais fortemente envolvidas na geração de benefícios sociais, pois acreditam que assim o fazem quando oferecem seus produtos e serviços relacionados aos bambus nativos. Esses fatos reforçam a necessidade ainda maior de interação entre os setores para compreensão e articulação de estratégias para a CDI. A relação entre os atores sociais nas iniciativas dentro do mesmo setor, atuantes em diferentes áreas, confere benefícios e permite aproximar eixos e temáticas complementares para a CDI, unindo segmentos aparentemente desconectados. O potencial relacionado ao recurso-foco, premissa desta tese, remanesce nas iniciativas e pode realizado à medida que as limitações tratadas nos próximos capítulos possam ser ultrapassadas. Os subitens a seguir discutem sobre a orquestração para uma CP integrada à conservação a partir das características das iniciativas identificadas.

Aspectos biogeográficos: potencialidades para a Conservação e Desenvolvimento Integrados A distribuição geográfica das iniciativas no Brasil e no exterior se relaciona à ocorrência dos bambus nativos por todo o território nacional e em biomas transfronteiriços, e ao uso realizado e/ou potencial por usuários culturalmente relacionados ou interessados, em especial por espécies lenhosas (Capítulo 2). A oportunidade decorrente de projetos ou programas em áreas geográficas com ocorrência natural de Bambusoideae foi razão comum entre os entrevistados para o início dos trabalhos com bambus nativos. Esse e outros fatores demonstram-se dependentes dos ecossistemas de origem e, consequentemente, estabelecem relações específicas às fisionomias e biomas. A concentração de iniciativas identificadas no Sudeste e no Sul e no Estado do Acre possui relação com os dois biomas de maior riqueza de bambus nativos, a Mata Atlântica e a Amazônia. Há áreas de Mata Atlântica com grande abundância de bambus lenhosos ocorrentes em manchas, como identificados em São Paulo (e.g. ARAUJO, 2008, 2012; ARAUJO & RODRIGUES, 2011; ROTHER et al., 2013; PADGURSCHI et al., 2018) e em florestas de Araucária no Paraná (LACERDA et al., 2012; LACERDA & KELLERMANN, 2013, 2014; GREIG et al., 2018).

No Acre a ocorrência e abundância natural de bambus de grande porte do gênero Guadua tem sido investigada para o manejo sustentável nesta última década, e mais intensamente nos últimos anos, para a implementar a CPB, a começar pelo aproveitamento dos estoques nativos (e.g. SILVEIRA, 2006; AFONSO, 2011; EMBRAPA AC 2011a, b, 2012; AGÊNCIA ACRE, 2014, 2015a, b, 2017; GAZETA DO ACRE, 2015; FUNTAC, 2015; III SNB, 2015). Diversas espécies de Guadua ocorrem nas fisionomias do bioma amazônico (IBGE, 2005; FLORA DO BRASIL 2020, 2018; SILVA, 2019), sendo estimados nove milhões de hectares com florestas dominadas por bambus na porção sudeste do bioma no Brasil (FAO, 2007). No Acre, os bambus Guadua cobrem 93,7% do território total do Estado, envolvendo 138 mil km2 de áreas florestais e 26 mil km2 de áreas desmatadas, e pelo rápido crescimento e agressividade na colonização de áreas perturbadas requer atenção pelos riscos à biodiversidade (PEREIRA apud BBC, 2019). Em se atentando à diversidade genética das populações, considerando Silva (2019), planos de manejo podem favorecer a geração de renda e a conservação e restauração florestal (ROCKWELL et al., 2014; D’OLIVEIRA et al., 2013; ROCKWELL & KAINER, 2015; DWIVEDI et al., 2019), como aprofundado no

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