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Capítulo 2 – Bambus nativos como recurso para cadeias produtivas: espécies, ecossistemas e usos

II. a Usos e conhecimentos locais e tradicionais

Usos comuns dos bambus nativos encontram-se no campo da cultura popular e tradicional para atender demandas domésticas e/ou na comunidade, em parte envolvendo comercialização. Há uma diversidade de aplicações rurais e como utilitários, confeccionados artesanalmente de forma rústica por comunidades locais e tradicionais, frequentemente indígenas, quilombolas e caipiras. Com habilidade e conhecimento distintos essas comunidades confeccionam peças utilizando bambus nativos associados ou não a outras fibras e materiais naturais para usos e comércios locais, como balaios, cestas, peneiras, flautas, chapéus, armadilhas de pesca, entre outros. Secundariamente, os usuários dessas comunidades executam vendas em lojas físicas e/ou virtuais e fornecimento de peças para outros comerciantes ampliando o nível de atendimento para o município e região. Feiras e eventos também ampliam o poder de venda e o nível de oferta, incluindo eventualmente a exportação das peças confeccionadas artesanalmente.

Preocupações quanto à perda dos conhecimentos tradicionais, impossibilidade de manutenção dos modos de vida, decorrente das mudanças de hábito e comportamentos pela limitação do espaço geográfico e escassez dos recursos, e qualidade das condições ambientais foram mencionados por entrevistados no levantamento nacional e verificado em dados secundários. A dependência das comunidades tradicionais em relação à biodiversidade é compreendida pelas iniciativas entrevistadas que trabalham com comunidades indígenas e trazem relatos graves sobre a vulnerabilidade dos bambus nativos, das comunidades e cultura indígenas ligadas ao recurso, advinda das mudanças abruptas do uso da terra. Segundo os

representantes dessas iniciativas e triangulando com outros entrevistados do setor produtivo e de PD&I, os estoques de bambus nativos ficam resguardados nas áreas de proteção e/ou terras indígenas (TIs) nas regiões Sul e Sudeste, já que verificam que fora delas foram exterminados. Muitas regiões levantadas com dados secundários e de cadeia de referência como áreas geográficas de concentração de iniciativas com usos tradicionais do recurso em construções rurais e confecção de utilitários e artesanatos apresentaram os mesmos processos de restrição e perda de recursos e da identidade cultural82. No Acre, alguns participantes da cadeia de referência e entrevistados mencionaram preocupações com a redução de espécies outrora abundantes, como de taquaris e tabocas-gigantes com o desmatamento e urbanização e apontaram processos de perdas severas da identidade extrativista tradicional e de perdas de conhecimento das comunidades indígenas brasileiras – retomado no subitem a seguir.

Descrições de ações de resgate e manutenção de espécies de bambus de valor biocultural raras e/ou exterminadas em determinadas localidades encontram-se publicadas em fontes diversas de forma dispersa, sendo de destaque os esforços conduzidos para as comunidades indígenas pelo Instituto Socioambiental (e.g. ISA, 2005 apud ISA 2006a; SCHMIDT, 200683; TOURNEAU & FIORINI, 2006), e também emergiram das entrevistas, realizados pelas próprias iniciativas ou relatados associados a outras. Contudo, os auxílios técnicos prestados pelas iniciativas para a reintrodução de bambus de valor cultural para comunidades e áreas indígenas extintos em suas áreas não demonstraram ou não puderem ser realizados com o rigor técnico necessário, conforme relatos. A atuação dessas iniciativas envolveu a difusão de bambus exóticos, inclusive com potencial e/ou reconhecidamente invasores, em TIs84 e outras áreas de proteção em Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Paraná –

82 Uma das regiões trianguladas é a do Vale do Paraíba do Sul/SP. Um exemplo dos fatores de mudanças foi

relatado por um artesão da cidade de Pindamonhangaba, que produz e vende balaios de bambus. O cesteiro faz o uso do “bambu mais comum, que dá na cidade mesmo, já que as taquaras estão muito raras atualmente,(...) dando apenas, lá longe... nas matas”, embora prefira as taquaras que usava regularmente no passado por serem mais macias, flexíveis e maleáveis de menor risco de corte das mãos. Mencionou que a atividade artesanal se extinguirá, havendo apenas dois cesteiros tradicionais na cidade, e nenhum interesse dos jovens em aprender. Os mesmos relatos foram identificados em municípios vizinhos: São Luiz do Paraitinga, Bananal e Santo Antônio do Pinhal/SP em 2016.

83Um caso de resgate com base em valor biocultural é apresentado por Schmidt (2006) sobre a taquara morït no

Xingu.

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Um exemplo de plantio indiscriminado de bambus com características invasoras foi identificado em iniciativa voltada em promover a recuperação de áreas ou a delimitação das zonas de preservação em TIs. Mas utilizou um dos gêneros mais invasores, Phyllostachys. Outro caso ilustrativo foi executado por importante órgão de pesquisa que inclusive divulgou em publicação oficial o transplante de bambu exótico cultivado como uma “reintrodução”, sem promover ações de maior duração para o reconhecimento do morfotipo nas matas nativas a fim de resgatar a espécie desejada com a dedicação necessária às comunidades e TIs.

resultando em riscos à biodiversidade local e processos falhos no atendimento às demandas e particularidades socioecológicas (aspectos retomados no item V).

Segundo relatos, há demandas não atendidas por serviços de consultoria e assessoria com qualidade para a conservação das espécies nativas e o desenvolvimento local também por parte dos órgãos públicos federais e estaduais, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e as secretarias ambientais. A reintrodução de bambus nativos utilizados por comunidades locais e indígenas é uma estratégia vislumbrada capaz de resgatar a autonomia pela retomada dos usos do recurso, conforme as tradições culturais e a biodiversidade local e requer a melhoria da capacitação e fortalecimento das organizações de apoio. O engajamento e dedicação profunda e duradoura não foram identificados nas iniciativas entrevistadas, o que seria necessário para cumprir objetivos da conservação da biodiversidade, pela recuperação, enriquecimento de formas de vida e reintrodução em atendimento devotado às especificidades socioecológicas. Segundo entrevistados, as falhas observadas nas iniciativas, em parte, se devem à falta de recursos financeiros, de capacitação técnica duradoura, indisponibilidade de mudas de bambus nativos em volume no mercado e pelas espécies não serem passíveis de transplante e fácil domesticação.

II.b. Uso artesanal realizado e industrial em implementação no Estado do Acre

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