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Fatores limitantes relacionados ao recurso e ao sistema de recurso

Capítulo 3 – Fatores condicionantes do recurso e do sistema de recurso para a atuação das iniciativas

II. Fatores limitantes relacionados ao recurso e ao sistema de recurso

Apesar dos fatores favoráveis mais frequentes se relacionarem ao recurso e ao sistema de recurso, limitações importantes também foram mencionadas devido às dificuldades para a produção e/ou coletas para pesquisa (Tabela 12) e para o entendimento da provisão e uso das espécies. As limitações relacionadas ao recurso-foco ocorrem devido às dificuldades associadas à produção e/ou coletas em campo (e.g. acessos difíceis, coletas trabalhosas, inclusive para a pesquisa), sobretudo frente aos gargalos logísticos e às falhas do sistema de conhecimento técnico e normatização necessários para empreender. Ao recurso relacionam-se ainda desvantagens financeiras e de mercado sem que tenha qualquer força competitiva frente à agropecuária e outras produções consolidadas. Das limitações do recurso, seguiram as dificuldades relacionadas às espécies (e.g. difícil identificação, dominância, escassez) e às utilizações (e.g. sendo substituíveis por espécies exóticas ou materiais heteróclitos, como metais e plásticos, inadequação ao uso pretendido). Mesmo produtos confeccionados de forma

tradicional e local dos bambus nativos, como móveis, cestos, varas de pesca e utensílios de cozinha, tem sido substituídos por manufaturados industrializados disponíveis no mercado.

As iniciativas do levantamento nacional que atuam no comércio utilizam mais comumente espécies exóticas para atender às demandas de venda devido à falta de oferta da matéria-prima das espécies nativas e/ou devido a oportunidades surgidas no passado com bambus exóticos134. Também os participantes da CR, relacionados à arquitetura e construção civil, manifestaram que utilizam bambus exóticos porque os nativos ainda não estão disponíveis no mercado a preço competitivo ou que compense a extração com equipe e logística própria. A importação de manufaturados também foi relatada nos contatos com empresas atuantes no comércio de tecidos ou produtos em fibras de bambu (colchões, vestimentas etc.), de essências de bambu (shampoos, aromatizantes), de móveis e design135. No mercado há oferta de produtos variados em bambu da indústria chinesa, inclusive de manufatura simples, como hastes tutoras de jardim, tochas, espetos e palitos de dentes136.

134 Um entrevistado, por exemplo, relata atuação mista com vendas ocorrendo exclusivamente com bambu-

gigante (Dendrocalamus asper) e mossô (Phyllostachys pubenscens), enquanto apenas testavam as possibilidades com o taquaruçu nativo (Guadua trinii) durante a pesquisa. Para as espécies nativas, as atividades limitavam-se às coletas florestais comunitárias para projetos pilotos iniciais de uso, até que possam obter mudas para plantios e processamento em escala comercial e projetos de restauração.

135 Duas das empresas participantes da CR interromperam as linhas em bambu por falta de fornecedores, apesar

da continuidade do interesse dessas e dos consumidores. Outras quatro importam a matéria-prima, mas manifestaram o interesse em oferecer produtos em bambus nativos, especialmente uma empresa química de aromatizantes frente ao perfil do mercado brasileiro, com preferência pelo que lhe é próprio, e por uma fabricante de compensados, pelo potencial de certificação e apelo ambiental.

136

Algumas marcas de palitos de bambu não apresentaram informações de origem ou incluiam a informação abrangente: “Indústria Brasileira ou da R.P.C” (República Popular da China).

Tabela 12. Fatores limitantes às iniciativa a partir do recurso e sistema de recurso. Fatores e

subfatores codificados em fontes secundárias (a) e entrevistas (b) do levantamento nacional e no Acre (Nacional: N° Fontes=17 e citações: 46; Acre: N° Fontes=53 e citações=319). Presença do fator nas iniciativas por fase do levantamento identificada por “X”. Ordem da listagem decrescente quanto ao número de fontes e citações (X em negrito e fundo cinza, quando comum a dez ou mais iniciativas).

FATORES LIMITANTES ÀS INICIATIVAS Nacional Acre

a b b

1. RELACIONADOS À PRODUÇÃO E/OU COLETAS PARA PESQUISA

Nacional: N° Fontes= 13, Citações:40; Acre: N° Fontes=46, Citações=239 X X X

1.1. Dificuldade do acesso e/ou do trabalho de campo X X

Trabalhos de execução e logística difícil e dispendiosa pelo alto custo operacional da extração (logística, acesso, transporte, mão de obra, sazonalidade,

variação morfológica), principalmente nas etapas iniciais (extrativistas e de manejo)

X X

Distância e precariedade dos ramais e estradas encarecem projetos ou ações

produtivas X

Demanda segurança do trabalho (ex. espinhos machucam e inflamam) I I X Demanda intensa de mão de obra (sendo o manejo mais custoso que a extração) X Tabocas dominantes dificultam ou prejudicam outras atividades produtivas

florestais

X

Dificuldade do acesso às touceiras resulta em pouco volume de coleta e falta de padronização da matéria-prima ou dos materiais de coleta

X X

Degradação ambiental (por queimadas; depredação das áreas naturais ou pesquisadas) X

1.2. Falta competência técnica, padronização da coleta e tratamento

(colmos) e/ou normatização X X X

Falta de conhecimento e/ou competência técnica (ex. para produção, manejo, sobre as taxas de perdas, beneficiamento para maior durabilidade, resistência a insetos

fitófagos)

X X

Falta de mão de obra qualificada (capacitações anteriores ineficazes) X Desconfiança do conhecimento técnico e científico de profissionais de PD&I

(experiências empíricas demonstrando equívocos, incompletudes ou inadequação local)

X

Dificuldade da coleta leva à extração predatória (retirando-se brotos e colmos verdes)

II

X

1.3. Aspectos agrotecnológicos desconhecidos (ex. quanto à produtividade, técnicas de manejo, maturação dos colmos)

X X

Imprevisibilidade do comportamento das espécies e sobre o ciclo fenológico (senescência/morte programada em sincronia), podendo causar interrupção ou limitação da produção

XIII

1.4. Sazonalidade ou inconstância climática da produção X X

Inviabilidade de atividades de campo na estação chuvosa (ex. "inverno amazônico" ou estação chuvosa)

X

Mudanças das condições ambientais (ex. secas prolongadas impactam plantios em SP)

X

1.5. Falta de infraestrutura (secagem e armazenamento), tecnologia, maquinário ou ferramentas adequados (inclusive equipamentos de proteção individual - EPIs)

X X

1.6. Dificuldade de obtenção de mudas e indisponibilidade de mudas no

mercado (demanda aberta) X X X

Dificuldade de reproduzir em larga escala, frequente contaminação (ex. Guadua sp.)

X X

Eventos raros de florescimento e produção de sementes X X X (Continua)

FATORES LIMITANTES ÀS INICIATIVAS Nacional Acre

a b b

2. RELACIONADOS ÀS ESPÉCIES

Nacional: N° Fontes=8, Citações=16; Acre: N° Fontes=22, Citações=43 X X X

2.1. Dificuldade de identificação taxonômica X X

Grande riqueza de espécies local e regionalmente X Dificuldade e demora na identificação taxonômica (carência e sobrecarga dos

especialistas)

X

2.2. Dominância ou invasividade de determinadas espécies nativas ou

exóticas X X X

2.3. Heterogeneidade de espécies e do desenvolvimento (ocorrência, abundância, dominância e produção, com múltiplas interferências) - inviabiliza generalizações

X X

2.4. Escassez de bambus nativos X X IV

3. RELACIONADOS ÀS UTILIZAÇÕES DO RECURSO EM PRODUTOS

Nacional: Fontes=6; Citações=7; Acre: Fontes=19; Citações=37 X X X 3.1. Competição ou substituição por produtos ou materiais heteróclitos

(matérias-primas sintéticas ou industriais) ou plantas exóticas X X X

Substituição por bambus exóticos (melhor valorados)137 X X V Comercialização consolidada com bambus exóticos (produtos com maior valor

agregado) X

3.2. Características de bambus nativos nem sempre desejáveis para mercado (especialmente para construção ou engenharia civil)

X X

3.3. Requer tratamento contra degradação e ataques por insetos fitófagos X X

3.4. Áreas produtoras longe dos centros de consumo, ainda estradas e rodovias em péssimas qualidades ou insuficientes (solo de tabatinga; falta rodovia entre AC-RO)

X

3.5. Mercado e indústria demandam matéria-prima padronizada enquanto a maior parte do recurso encontra-se em florestas nativas, com grande variação morfológica (ex. predomínio da taboca-comum com pouco ou nenhum interesse do mercado atual para atender a indústria de painéis)

X I - Apesar das iniciativas e/ou fontes não triangularem, a preocupação com a exposição dos trabalhadores a hantavírus, doenças tropicais (malária, leishmaniose) e ectoparasitas foi exposta por pesquisadores atuantes em campo. Também foram relatados em campo casos de violência e crimes cometidos especialmente contra mulheres pesquisadoras.

II - Relatado por duas iniciativas produtivas.

III - A senescência gregária das tabocas-gigantes (potencialmente Guadua latifolia) impactou moradores e comunidades locais pela interrupção das atividades significativamente geradoras de renda (após 2010).

IV - Cinco entrevistados demonstram utilização de matéria-prima comercializada do mercado comum (como palitos de bambu industrial) e/ou bambu exótico Bambusa vulgaris var. vittata.

V - Dois entrevistados de comunidades urbanas relataram a extinção local de bambus outrora abundantes e a observação da expansão urbana e rural restringindo os remanescentes florestais com bambus nativos.

Discussão

As vantagens e as desvantagens associadas aos bambus nativos foram frequentemente observadas, e por vezes relatadas como “dois lados da mesma moeda” por parte dos entrevistados, por exemplo: a oportunidade de atuação diferenciada, sendo que o ineditismo ou inovação advém da falta de conhecimento sobre bambus nativos o que, ao mesmo tempo, traz dificuldades em se obter reconhecimento e valorização social - como

137

Bambus de origem asiática foram descritos também por participantes da CR frequentemente como “mais comerciais”, “de uso comprovado”, “de cultura mais avançada”.

previamente destacado por diversos pesquisadores (HIDALGO-LÓPEZ, 2003; FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2006; SCHWARZBACH, 2008; AGÊNCIA USP, 2012; LONDOÑO, 2012; IBT, 2015). Consequentemente, recursos financeiros e outras condições favoráveis para o trabalho com os bambus nativos são reduzidos. Outro exemplo de relevância dessa dualidade entre os fatores positivos interdependentes dos negativos é a agressividade e dominância de determinadas espécies, cujo aproveitamento pode oportunisticamente embasar arranjos econômicos de alta produtividade, conferindo benefícios sociais em compasso a melhorias ambientais identificadas. O aproveitamento econômico oportuno, advindo da necessidade de controlar populações dominantes, foi previamente sugerido (e.g. DOETZER ROSOT, com. pessoal, 2011; SANTOS et al., 2012a; ROCKWELL et al., 2014; D’OLIVEIRA et al., 2013; LACERDA & KELLERMANN, 2014; ROCKWELL & KAINER, 2015; CANAVAN et al., 2018) (Capítulo 2).

A recente inclusão de espécies de bambus nativos aos trabalhos das organizações, visto no Capítulo 1, em grande parte relaciona-se aos benefícios pessoais e socioambientais e à oportunidade advinda da ocorrência e da abundância local ou regional de determinadas espécies com características favoráveis para aplicações variadas. Os fatores favoráveis provenientes do recurso e sistema de recurso foram comuns reforçando o cenário favorável para os objetivos de uso e conservação, capaz inclusive de ser integrado com outras formas de aproveitamento e recursos da biodiversidade, como esquematizado no Capítulo 2. Essas condicionantes positivas revelam pontes capazes de articular as iniciativas, fortalecendo as relações intersetoriais (produtivo-PD&I), para que potencializem os ganhos monetários e ecológicos, o reconhecimento social138 e superem as limitações do recurso e institucionais. Os distintos papéis e finalidades dos setores se tornam complementares para a elaboração de estratégias que visem ao melhor aproveitamento das vantagens, especialmente quando os atores atentam às especificidades do SSE e aos múltiplos benefícios do recurso e dos sistemas associados.

138 Muitas pesquisas têm sido realizadas nos últimos anos demonstrando o potencial de bambus exóticos e

nativos para geração de renda às populações locais, para redução da pobreza em áreas com baixo desenvolvimento socioeconômico, destacando-se as da UNESP de Itapeva, por incluir espécies nativas às suas atividades e receber financiamento federal para pesquisa e extensão, com construção de bambuzerias. Durante a pesquisa, uma incipiente valorização dos bambus foi observada, de forma geral, com divulgações em massa (ex. construção, artesanato e empreendedorismo em bambus foi tema na novela Sol do Oriente da Rede Globo/2016 e matéria em rádio e redes sociais digitais).

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